
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:ANA JULIA RODRIGUES CAMARGO e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARIANA SOUZA BAHDUR ROMUALDO - PR48359-A
RELATOR(A):LUIS GUSTAVO SOARES AMORIM DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença (proferida da vigência do atual CPC), que julgou procedente o pedido de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS), a partir da data do requerimento administrativo (18/01/2018), com as parcelas monetariamente corrigidas.
A autarquia previdenciária foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com a observância da Súmula n. 111/STJ.
Em suas razões recursais, afirma que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, pois não há vulnerabilidade social e econômica.
Não houve remessa oficial.
É o relatório.
Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
Processo Judicial Eletrônico
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM (RELATOR):
Conheço do recurso interposto por entender preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade.
- Remessa necessária
Não se sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença – proferida na vigência do CPC/2015 – que condena a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público em quantia inferior a mil salários mínimos (CPC, art. 496, § 3º, I).
No caso, tratando-se de ação de natureza previdenciária, ainda que ilíquida, a condenação não alcançará o limite fixado no aludido regramento legal (STJ: AgInt no REsp 1871438/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 11/09/2020; TRF1: AC 0030880-28.2018.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 10/04/2019 PAG).
Na espécie, não houve remessa necessária.
Mérito
Cuida-se de ação de conhecimento proposta por Ana Júlia Rodrigues Camargo, representada por sua genitora, contra o INSS, objetivando a condenação do réu a conceder-lhe o benefício assistencial de amparo ao deficiente.
Alega a parte autora que é portadora de “calcificação frontal direita, malformação olho direita, microftalmia, atrofia pupilar direita, dilatação do ventrículo cerebral direito”, o que a incapacitaria total e permanentemente.
A Lei 8.742/93, em seu art. 20, determina os critérios para a concessão do citado benefício, nos seguintes termos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Na análise do requisito da renda per capita, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567.985/MT e 580.963/PR, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, da lei nº 8.742/93, e a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, em observância ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da isonomia, com a finalidade de alargar os critérios de aferição da hipossuficiência, não limitando apenas à análise da renda inferior a 1/4 do salário mínimo, bem como para determinar a exclusão do cálculo da renda familiar per capita os benefício assistenciais conferidos a deficientes e os benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo percebidos por idosos.
Na hipótese, estão supridos os requisitos para a concessão do benefício assistencial requerido, conforme o disposto na sentença, nos seguintes termos (Id 80583049, fl. 95/100):
“In casu, restou demonstrado nos autos, por meio dos prontuários e receituários médicos juntados, e notadamente por meio da perícia médica (vide Id 19749977/19749982/19749988/19758939), que a autora é portadora de calcificação frontal direita, malformação do olho direita, microftalmia, atrofia pupilar direita, dilação do ventrículo cerebral direito.
Em relação à renda per capita, como ficou comprovado no estudo social (Id 18245284), a autora não possui meios para prover a sua própria manutenção, e nem de tê-la provida por sua família, bem como o salário auferido no âmbito familiar não é suficiente para atender as necessidades concretas da parte autora, verificando-se, assim, patente sua condição de miserabilidade.
Extrai-se do estudo social que o núcleo familiar da autora é composto por ela (que atualmente tem 03 anos de idade), sua mãe que está desempregada e dedica-se a cuidar dos filhos e vende produtos de catálogo, auferindo um rendimento mensal de R$ 200,00; seu irmão, que atualmente está com 8 anos e recebe o benefício de pensão por morte no valor de R$ 1.189,00 (um mil, cento e oitenta e nove reais); que tanto a requerente quanto o irmão tem acompanhamento mensal em Cuiabá-MT; que embora a Central de Regulação seja responsável por fornecer o transporte, possui o custo com alimentação, bem com babá para deixar o outro filho (R$ 100,00); que muitas vezes precisa custear os exames realizados em Cuiabá-MT e estes custam em torno de R$ 260,00; que possui gasto mensal de R$ 30,00 (trinta reais) com medicamentos; que recebem ajuda com doação de vestuário e alimentação da APAE. O parecer final do estudo registra que a renda per capita da família ultrapassa ¼ do salário mínimo, mas que a parte autora possui diversas privações, conforme observado in loco, concluindo favoravelmente à concessão do benefício ora postulado.
Ressalta-se que, não obstante a vigência da norma estampada no § 3º do artigo 20 da Lei nº. 8.742/93, no sentido de que a concessão do benefício de prestação continuada estaria condicionado a comprovação da renda per capita não superior a 1/4 do salário mínimo, há de se levar em consideração a revisão de decisão paradigma tomada na RCL 4374/PE pelo Supremo Tribunal Federal (Informativo nº 702 – STF), onde “asseverou-se que o critério legal de “renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo” estaria defasado para caracterizar a situação de miserabilidade”, tendo em conta que “outras normas assistenciais foram editadas, com critérios mais elásticos, a sugerir que o legislador estaria a reinterpretar o art. 203, V, da CF.
(...)
No caso concreto, a exigência da condição de miserabilidade do núcleo familiar foi perfeitamente atendida, conforme se afere do conjunto probatório apresentado, mormente do laudo de estudo social realizado. Ademais, como forma de confirmar o cabimento da concessão do benefício ora pleiteado, importante consignar a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de que o recebimento de outro benefício assistencial por membro do grupo familiar, não deve ser computado para cálculo da renda per capita. Tal entendimento, aplicado ao presente caso, excluiria o benefício da pensão por morte recebido pelo irmão da requerente, sendo considerado assim, como o total da renda da família, os ínfimos R$ 200,00 (duzentos reais) que a genitora recebe com a venda de produtos de catálogos, os quais seriam divididos entre os três membros da família, comprovando de forma irrefutável a condição de miserabilidade deste núcleo familiar”
Portanto, supridos os requisitos exigidos pela Lei n. 8.742/93, para a concessão do benefício assistencial ao deficiente (LOAS), não merece reforma a sentença.
Consectários legais
Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Honorários recursais
Publicada a sentença na vigência do atual CPC (a partir de 18/03/2016, inclusive) e desprovido o recurso de apelação, deve-se aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC, para majorar os honorários arbitrados na origem em 1% (um por cento).
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É como voto
Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1024185-95.2020.4.01.9999
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: A. J. R. C., LUCINEIA VALDEVINO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: MARIANA SOUZA BAHDUR ROMUALDO - PR48359-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA E AO IDOSO. ART. 203, V, CF/88. LEI 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença (proferida da vigência do atual CPC), que julgou procedente o pedido de benefício assistencial de prestação continuada ao deficiente (LOAS), a partir da data do requerimento administrativo (18/01/2018), com as parcelas monetariamente corrigidas.
2. A Lei 8.742/93, em seu art. 20, determina os critérios para a concessão do citado benefício, nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (...).
3. Na hipótese, estão supridos os requisitos para a concessão do benefício assistencial requerido, conforme o disposto na sentença, nos seguintes termos (Id 80583049, fl. 95/100): “(...) restou demonstrado nos autos, por meio dos prontuários e receituários médicos juntados, e notadamente por meio da perícia médica (vide Id 19749977/19749982/19749988/19758939), que a autora é portadora de calcificação frontal direita, malformação do olho direita, microftalmia, atrofia pupilar direita, dilação do ventrículo cerebral direito. Em relação à renda per capita, como ficou comprovado no estudo social (Id 18245284), a autora não possui meios para prover a sua própria manutenção, e nem de tê-la provida por sua família, bem como o salário auferido no âmbito familiar não é suficiente para atender as necessidades concretas da parte autora, verificando-se, assim, patente sua condição de miserabilidade. Extrai-se do estudo social que o núcleo familiar da autora é composto por ela (que atualmente tem 03 anos de idade), sua mãe que está desempregada e dedica-se a cuidar dos filhos e vende produtos de catálogo, auferindo um rendimento mensal de R$ 200,00; seu irmão, que atualmente está com 8 anos e recebe o benefício de pensão por morte no valor de R$ 1.189,00 (um mil, cento e oitenta e nove reais); que tanto a requerente quanto o irmão tem acompanhamento mensal em Cuiabá-MT; que embora a Central de Regulação seja responsável por fornecer o transporte, possui o custo com alimentação, bem com babá para deixar o outro filho (R$ 100,00); que muitas vezes precisa custear os exames realizados em Cuiabá-MT e estes custam em torno de R$ 260,00; que possui gasto mensal de R$ 30,00 (trinta reais) com medicamentos; que recebem ajuda com doação de vestuário e alimentação da APAE. O parecer final do estudo registra que a renda per capita da família ultrapassa ¼ do salário mínimo, mas que a parte autora possui diversas privações, conforme observado in loco, concluindo favoravelmente à concessão do benefício ora postulado.(...) No caso concreto, a exigência da condição de miserabilidade do núcleo familiar foi perfeitamente atendida, conforme se afere do conjunto probatório apresentado, mormente do laudo de estudo social realizado. Ademais, como forma de confirmar o cabimento da concessão do benefício ora pleiteado, importante consignar a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de que o recebimento de outro benefício assistencial por membro do grupo familiar, não deve ser computado para cálculo da renda per capita. Tal entendimento, aplicado ao presente caso, excluiria o benefício da pensão por morte recebido pelo irmão da requerente, sendo considerado assim, como o total da renda da família, os ínfimos R$ 200,00 (duzentos reais) que a genitora recebe com a venda de produtos de catálogos, os quais seriam divididos entre os três membros da família, comprovando de forma irrefutável a condição de miserabilidade deste núcleo familiar.”
4. Supridos os requisitos exigidos pela Lei n. 8.742/93, para a concessão do benefício assistencial ao deficiente (LOAS), não merece reforma a sentença.
5. Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
6. Publicada a sentença na vigência do atual CPC (a partir de 18/03/2016, inclusive) e desprovido o recurso de apelação, deve-se aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC, para majorar os honorários arbitrados na origem em 1% (um por cento).
7. Apelação do INSS desprovida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília-DF,
Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM
Relator
