
POLO ATIVO: MARIA CLARA LOTERIO OLIVEIRA e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: GILSON GARCIA DE PAULA - GO41858-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1030997-85.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5309022-28.2020.8.09.0023
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARIA CLARA LOTERIO OLIVEIRA e outros
REPRESENTANTES POLO ATIVO: GILSON GARCIA DE PAULA - GO41858-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator)
Cuida-se de apelação da parte AUTORA em face de sentença que reconheceu a preliminar de coisa julgada e julgou extinto o processo, sem resolução de mérito (id 276317028, pág. 7).
Em suas razões (id 276317028, pág. 12), aduz o apelante que:
A improcedência do pedido na ação anterior se baseou na falta de hipossuficiência familiar a época da outra pesquisa social, ocorrida em agosto de 2018, ou seja, coisa julgada “secundum eventum probationis”, de forma que a propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, baseada em novas provas, incluindo a realização de nova pesquisa social, é possível (id 276317028, pág. 14).
O INSS não apresentou contrarrazões.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso (id 276652061).
É o relatório.

PROCESSO: 1030997-85.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5309022-28.2020.8.09.0023
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARIA CLARA LOTERIO OLIVEIRA e outros
REPRESENTANTES POLO ATIVO: GILSON GARCIA DE PAULA - GO41858-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator)
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
O art. 337, § 4º do Código de Processo Civil – CPC dispõe que há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.
Nestes termos, o art. 337, § 2º do CPC esclarece que uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
De fato, o INSS juntou aos autos sentença na qual foram julgados improcedentes os pedidos autorais, em processo anteriormente ajuizado (id 276313042, págs. 50/63) no qual figuraram as mesmas partes e o mesmo pedido.
Não obstante, nas ações previdenciárias, a coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas.
Sobretudo em demandas como esta, relativas a benefícios assistenciais, nas quais, em pouco tempo, há indubitável possibilidade de alteração do quadro clínico ou social do demandante, suficiente a justificar nova postulação em juízo.
Cumpre, portanto, verificar, na espécie, se houve alteração da causa petendi, suficiente a justificar nova autuação.
O longínquo requerimento administrativo, datado de 01/10/2015, o qual lastreou a primeira demanda fora indeferido pela autarquia por não atender ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS (id 276313025, págs. 20 e 21).
Contudo, na presente demanda, ainda que não tenha havido novo requerimento administrativo, houve realização de novas perícias médica e social, permitindo-se cognição exauriente por parte do magistrado.
Neste contexto, extrai-se do novo laudo médico pericial de id 276313042, pág. 17 que a periciada tem 12 anos de idade e é portadora de epilepsia, desde a primeira infância. Encontra-se mantida sob tratamento por politerapia adequada e de maneira contínua (com uso de anticonvulsivantes). A doença é de difícil controle, com crises frequentes, devido à lesão congênita, cerebral com tendência a não melhorar com a evolução cronológica.
Concluiu o médico perito que há impedimento de interação, nas barreiras impostas pelo retardo mental, com comprometimento da fala, déficit intelectual, da concentração, do pensamento e das habilidades espaço-visuais. A falta de higidez mental é permanente, crônica, evolutiva e irreversível (id 276313042, pág. 19).
De mesmo lado, o novo estudo socioeconômico realizado, de id 276313042, pág. 9 evidencia que o grupo familiar da parte autora é composto por três pessoas, sendo ela, sua genitora e uma irmã. Moram apenas as três em uma casa cedida pela avó paterna das menores.
Os gastos mensais são elevados com água (R$ 60,00), energia elétrica (R$ 120,00), gás de cozinha (R$ 120,00), internet (R$ 60,00) e farmácia (R$ 580,00 somente para a autora). Os gastos com farmácia para a menor são pagos pela avó, senhora que sobrevive com renda decorrente de benefício por incapacidade temporária (item. 5.1, pág. 9).
Concluiu o parecerista social que do ponto de vista socioeconômico e biopsicosocial, observou-se que a requerente enquadra-se nos critérios sociais preconizados, uma vez que a renda per capita familiar é inferior a ¼ do salário-mínimo e que a família vive em situação de extrema vulnerabilidade social (id 276313042, pág. 11).
Portanto, atualmente, tanto o laudo médico pericial quanto o último estudo socioeconômico são favoráveis à concessão do benefício assistencial, motivo pelo qual tem-se por transmudada a causa petendi entre ambos litígios, alteração essa impeditiva à configuração da coisa julgada.
Destarte, transferindo-se todo o arcabouço retro montado ao caso concreto, deflui-se que o lado hipossuficiente faz jus ao benefício de prestação continuada. Afinal, é portadora de deficiência e se encontra em situação de miserabilidade.
Quanto ao início do benefício (DIB), a jurisprudência consolidou o entendimento de que ocorre, em regra, na data do requerimento administrativo (DER), acaso existente (inteligência da Súmula 576 do STJ), independentemente se a comprovação da implementação dos requisitos seja verificada apenas em âmbito judicial.
Contudo, verifica-se que não houve nova postulação administrativa posterior à sentença que julgou os pedidos autorais improcedentes, com trânsito em julgado. Portanto, certo é que, por sentença definitiva, à época daquele requerimento administrativo, não estavam reunidos os requisitos para a concessão do benefício assistencial.
Destarte, o requerimento administrativo acostado não é apto a valer-se como DIB.
Neste contexto, o e. STJ, considerando que a citação válida informa o litígio e constitui em mora a autarquia previdenciária federal, consolidou o entendimento de que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação, conforme definição a respeito do tema na decisão proferida no REsp nº 1369165/SP, sob a sistemática do recurso representativo da controvérsia, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal. Veja-se:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ.
1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que entendeu devida a concessão do benefício assistencial ao deficiente, considerando como termo inicial o requerimento administrativo.
2. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial.
3. A propósito: "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.611.325/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/03/2017; AgInt no REsp 1.601.268/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/6/2016; AgInt no REsp 1.790.912/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/10/2019. REsp 1.731.956/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/5/2018.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1851145 / SE. Relator Ministro Herman Benjamin. Publicado em DJe 13/05/2020)Denota-se que, uma vez citado, o INSS contestou os fatos, adentrando-se ao mérito da causa, motivo pelo qual dar-se-á por configurada, a partir de então, a pretensão resistida -, data essa, pois, que deverá coincidir com a data do início do benefício - DIB, nos termos do REsp nº 1369165/SP, supra aludido.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte autora e julgo procedente o pedido inicial para condenar o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, na obrigação de implantar o benefício de amparo assistencial ao deficiente MARIA CLARA LOTERIO OLIVEIRA, no importe de 01 (um) salário mínimo mensal.
Condeno, ainda, ao pagamento das parcelas vencidas a partir da data da citação válida, respeitada a prescrição quinquenal, devendo-se aplicar os juros moratórios e a correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Inverto os ônus sucumbenciais.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1030997-85.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5309022-28.2020.8.09.0023
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: MARIA CLARA LOTERIO OLIVEIRA e outros
REPRESENTANTES POLO ATIVO: GILSON GARCIA DE PAULA - GO41858-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI Nº 8.742/93. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE NOVAS CIRCUNSTÂNCIAS OU NOVAS PROVAS DA CONDIÇÃO DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E MISERABILIDADE DA PARTE AUTORA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Nas ações previdenciárias, a coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas. Sobretudo em demandas relativas a benefícios assistenciais, nas quais, em pouco tempo, há indubitável possibilidade de alteração do quadro clínico ou social do demandante, suficientes a justificar nova postulação em juízo.
2. De fato, o INSS juntou aos autos sentença na qual foram julgados improcedentes os pedidos autorias, em processo anteriormente ajuizado no qual figuraram as mesmas partes e o mesmo pedido.
3. Cumpre, portanto, verificar, na espécie, se houve alteração da causa petendi, suficiente a justificar nova autuação.
4. Neste contexto, extrai-se do novo laudo médico pericial que a periciada tem 12 anos de idade e é portadora de epilepsia, desde a primeira infância. Encontra-se mantida sob tratamento por politerapia adequada e de maneira contínua (com uso de anticonvulsivantes). A doença é de difícil controle, com crises frequentes, devido à lesão congênita, cerebral com tendência a não melhorar com a evolução cronológica.
5. Concluiu o médico perito que há impedimento de interação, nas barreiras impostas pelo retardo mental, com comprometimento da fala, déficit intelectual, da concentração, do pensamento e das habilidades espaço-visuais. A falta de higidez mental é permanente, crônica, evolutiva e irreversível.
6. De mesmo lado, o novo estudo socioeconômico realizado evidencia que o grupo familiar da parte autora é composto por três pessoas, sendo ela, sua genitora e uma irmã. Moram apenas as três em uma casa cedida pela avó paterna das menores. Os gastos mensais são elevados com água (R$ 60,00), energia elétrica (R$ 120,00), gás de cozinha (R$ 120,00), internet (R$ 60,00) e farmácia (R$ 580,00 somente para a autora). Os gastos com farmácia para a menor são pagos pela avó, senhora que sobrevive com renda decorrente de benefício por incapacidade temporária.
7. Concluiu o parecerista social que do ponto de vista socioeconômico e biopsicosocial, observou-se que a requerente enquadra-se nos critérios sociais preconizados, uma vez que a renda per capita familiar é inferior a ¼ do salário-mínimo e que a família vive em situação de extrema vulnerabilidade social.
8. Portanto, atualmente, tanto o laudo médico pericial quanto o último estudo socioeconômico são favoráveis à concessão do benefício assistencial, motivo pelo qual tem-se por transmudada a causa petendi entre ambos litígios, alteração essa impeditiva à configuração da coisa julgada.
9. Quanto ao início do benefício (DIB), a jurisprudência consolidou o entendimento de que ocorre, em regra, na data do requerimento administrativo (DER), acaso existente (inteligência da Súmula 576 do STJ), independentemente se a comprovação da implementação dos requisitos seja verificada apenas em âmbito judicial. Contudo, verifica-se que não houve nova postulação administrativa posterior à sentença que julgou os pedidos autorais improcedentes, com trânsito em julgado. Portanto, certo é que, por sentença definitiva, à época daquele requerimento administrativo, não estavam reunidos os requisitos para a concessão do benefício assistencial, motivo pelo qual não poderá ser considerado para fins de determinação da DIB.
10. Neste contexto, o e. STJ, considerando que a citação válida informa o litígio e constitui em mora a autarquia previdenciária federal, consolidou o entendimento de que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação, conforme definição a respeito do tema na decisão proferida no REsp nº 1369165/SP, sob a sistemática do recurso representativo da controvérsia, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal.
11. Uma vez citado, o INSS contestou os pedidos iniciais, adentrando-se ao mérito, razão pela qual teve-se, a partir de então, por configurada a pretensão resistida.
12. Apelação da parte autora parcialmente provida para deferir o benefício assistencial à pessoa com deficiência, a partir da citação válida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
