
POLO ATIVO: MARLENE RIBEIRO BORGES e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARCO ANTONIO CORBELINO - MT9898-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARCO ANTONIO CORBELINO - MT9898-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1002811-81.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARLENE RIBEIRO BORGES
APELADO: MARLENE RIBEIRO BORGES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pela parte autora em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS), a partir da incapacidade (01/12/2020) e pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Em suas razões recursais (ID 396105126, fls. 187/197), o INSS alega que não estão comprovados os requisitos necessários para a concessão do benefício pretendido.
Por sua vez, a parte autora alega, nas razões de apelação, que não há previsão legal para a fixação de prazo para a cessação automática do benefício assistencial, razão pela qual pugna pela reforma da sentença no particular (ID 396105126, fls. 217/220).
As contrarrazões da parte autora foram apresentadas (ID 396105126, fls. 208/213).
É o relatório.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1002811-81.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARLENE RIBEIRO BORGES
APELADO: MARLENE RIBEIRO BORGES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp 1.735.097/RS e REsp 1.844.937/PR).
Consigno, ainda, que a prescrição atinge as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula nº 85/STJ.
A pretensão formulada pela parte autora na inicial é de concessão do benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
Em suas razões recursais (ID 396105126, fls. 187/197), o INSS alega que não estão comprovados os requisitos necessários para a concessão do benefício pretendido.
Por sua vez, a parte autora alega, nas razões de apelação, que não há previsão legal para a fixação de prazo para a cessação automática do benefício assistencial, razão pela qual pugna pela reforma da sentença no particular (ID 396105126, fls. 217/220).
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
A respeito da deficiência, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
Extrai-se da norma transcrita que, para a concessão do benefício assistencial, não é suficiente a existência de doença ou deficiência. É necessário, além disso, aferir-se o grau de impedimento decorrente da deficiência, conforme exigem os §§ 2º e 6º, e também estar demonstrada sua duração por um período mínimo de 2 (dois) anos (§10).
Nesse sentido, a constatação de que a parte autora é portadora de deficiência que causa impedimento de longo prazo, nos termos em que definidos pelo art. 20, §§2º e 10, da Lei nº 8.742/93, é indispensável à concessão do benefício.
A respeito do tema, transcrevo os seguintes precedentes do Eg. STJ e desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TODOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO. SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Pela leitura das razões recursais, constata-se que quando da interposição do Agravo em Recurso Especial a parte agravante não rebateu, como lhe competia, todos os fundamentos da decisão agravada, deixando de impugnar a incidência da Súmula 7/STJ.
2. A parte agravante deve infirmar os fundamentos da decisão impugnada, autônomos ou não, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles - Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ainda que assim não fosse, nos termos do art. 20 da Lei de Assistência Social, em sua redação atual dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4. Ocorre que, no caso dos autos, a Corte de origem, confirmando a sentença, é categórica em afirmar que o laudo pericial não atesta a situação de impedimento clínico a longo prazo, asseverando a provisória condição de saúde. Não estão preenchidos, assim, os requisitos para concessão do benefício.
5. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.549.630/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 1/7/2020.)
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E/OU MENTAL. PERÍCIA MÉDICA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA OMNIPROFISSIONAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, e a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) garantem um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) o requerente deve ser portador de deficiência ou ser idoso com 65 anos ou mais; ii) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e iii) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
3. Considera-se deficiente aquela pessoa que apresenta impedimentos (físico, mental, intelectual ou sensorial) de longo prazo (mínimo de 02 anos) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tal deficiência e o grau de impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, consoante o § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
4. Na hipótese, segundo o laudo médico pericial, a parte autora é portadora de “Flebite e tromboflebite. No que tange à alegada limitação para o trabalho, o expert concluiu que a parte autora não é portadora de incapacidade laborativa. Dessarte, a inexistência de consonância da enfermidade diagnosticada com os requisitos legais e o entendimento jurisprudencial é suficiente, independentemente da condição de miserabilidade, para a negativa da concessão do benefício requestado.
5. Os honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor atualizado atribuído à causa devem ser majorados em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11º do CPC, totalizando o quantum de 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo, ficando suspensa a execução deste comando por força da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 98, §3º do Codex adrede mencionado.
6. Apelação da parte autora desprovida.
(AC 1020030-83.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 15/08/2023 PAG.)
Assente-se, ainda, que a lei não impõe a constatação de incapacidade total nem permanente. Exige, na verdade, que a parte autora possua um impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) que impeça a participação social do requerente em igualdade de condições.
No mesmo sentido, “A jurisprudência do STJ firmou entendimento segundo o qual, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão” (REsp nº 1.962.868/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 28/3/2023).
No que tange ao requisito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
Assentadas tais premissas, passo ao exame do caso concreto.
Na espécie, o laudo do perito judicial atestou que a parte autora é portadora de “transtorno ortopédico da coluna lombar e entesopatia de calcâneo direito, atualmente em descompensação clínica e sem conduta terapêutica ideal, configurando incapacidade de caráter total e temporário com prazo estimado de 180 dias”. Consta, ainda, do laudo que a parte autora encontra-se incapacitada desde dezembro/2020 (ID 396105126, fls. 118/123 e fls. 156/161).
Diante da conclusão do laudo pericial, infere-se que está demonstrado que a parte autora é portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, conforme exigido pelo art. 20, §§ 2° e 10, da Lei nº 8.742/93.
A seu turno, o laudo socioeconômico, realizado em 06/07/2021, informa que a parte autora reside em “casa própria composta de 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha, 01 área e 01 banheiro”.
A renda familiar consiste em R$ 200,00 (duzentos reais), que recebe do aluguel da casa que possui no fundo do quintal. Consta do laudo, ainda, que a parte autora “recebe doação do CRAS e terceiros” e que a renda é insuficiente para as despesas básicas como alimentação, energia (R$ 107,00), farmácia (R$ 60,00), açougue (R$ 100,00) e que a água é de poço e “cozinha na lenha para economizar” (ID 396105126, fls. 134/135).
Portanto, considerando as circunstâncias do caso e o requisito legal relativo à renda per capita, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Nesses termos, entendo que estão preenchidos os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial pretendido pela parte autora.
Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
Por outro lado, o Juízo a quo, ao conceder o benefício assistencial, estabeleceu para sua duração um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data do laudo médico pericial, em 01/12/2020, momento em que seria cessado automaticamente caso não houvesse o pedido de prorrogação pela parte autora.
O magistrado de origem fundamentou essa medida no art. 21 da Lei nº 8.742/93. Contudo, o mencionado dispositivo limita-se a estabelecer que o benefício assistencial deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, nada dispondo sobre termo final, tampouco a respeito de cessação automática diante da ausência de pedido de prorrogação pelo beneficiário. Vejamos o texto legal:
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização.
§3º O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
§4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§5º O beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e no regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
Dessa forma, verifica-se que o art. 21 da Lei nº 8.742/93, ao prever o ato de revisão do benefício assistencial concedido, não impõe ao beneficiário a iniciativa desse ato, mas sim ao INSS. Assim, cabe à autarquia previdenciária a convocação do beneficiário para a avaliação das condições que deram origem à concessão inicial do benefício, nos termos do §5º do art. 21.
No mesmo sentido, o art. 42, §1º, do Decreto nº 6.214/2007 reforça tal conclusão ao detalhar a conduta que o INSS deve adotar nesse ato de revisão, que será realizado por meio de atos como o cruzamento de informações do beneficiário e de seus familiares e a reavaliação da deficiência (§1º, IV).
Ademais, no ato de revisão, caso o INSS entenda que tenha ocorrido a superação de alguma condição para a manutenção do benefício, deve observar, ainda, conforme o §2º do art. 42, o procedimento previsto no art. 47 do Decreto nº 6.214/2007. Portanto, antes de suspender o benefício com fundamento na não persistência das condições que lhe deram origem, o INSS deve ainda notificar o beneficiário e conceder-lhe prazo para a defesa, nos termos §1º do art. 47.
Vejamos como o Decreto nº 6.214/2007 esclarece a questão:
Art. 42. O Benefício de Prestação Continuada deverá ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, conforme dispõe o art. 21 da Lei nº 8.742, de 1993, passando o processo de reavaliação a integrar o Programa Nacional de Monitoramento e Avaliação do Benefício de Prestação Continuada.
§1º A revisão de que trata o caput será realizada pelo INSS por meio da utilização de cruzamento de informações do beneficiário e de seus familiares existentes em registros e bases de dados oficiais, na forma estabelecida em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social, e observará: (Redação pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
I - o cadastramento ou a atualização cadastral no CadÚnico, conforme o disposto no Decreto nº 6.135, de 2007; (Redação pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
II - a confrontação de informações de cadastros de benefícios, emprego e renda ou outras bases de dados de órgãos da administração pública disponíveis, referentes à renda do titular e de sua família; (Redação pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
III - o cruzamento de dados para fins de verificação de acúmulo do benefício com outra renda no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, conforme vedação a que se refere o § 4 º do art. 20 da Lei n º 8.742, de 1993 ; e (Incluído pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
IV - as reavaliações da deficiência constatada anteriormente, quando o beneficiário não tenha superado os requisitos de renda familiar mensal per capita. (Redação pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
§2º Identificada a superação de condição para manutenção do benefício, após a atualização das informações junto ao CadÚnico, o INSS deverá suspender ou cessar o benefício, conforme o caso, observado o disposto no art. 47. (Incluído pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
§ 3º A revisão de que trata o caput poderá ser realizada para os benefícios concedidos ou reativados judicialmente, observados os critérios definidos na decisão judicial. (Redação pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
[...]
Art. 47. O Benefício de Prestação Continuada será suspenso nas seguintes hipóteses: (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
I - superação das condições que deram origem ao benefício, previstas nos art. 8º e art. 9º; (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
II - identificação de irregularidade na concessão ou manutenção do benefício; (Incluído pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
III - não inscrição no CadÚnico após o fim do prazo estabelecido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social; (Incluído pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
IV - não agendamento da reavaliação da deficiência até a data limite estabelecida em convocação; (Incluído pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
V - identificação de inconsistências ou insuficiências cadastrais que afetem a avaliação da elegibilidade do beneficiário para fins de manutenção do benefício, conforme o disposto em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social; ou (Incluído pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
VI - identificação de outras irregularidades. (Incluído pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
§1º A suspensão do benefício deve ser precedida de notificação do beneficiário, de seu representante legal ou de seu procurador, preferencialmente pela rede bancária, sobre a irregularidade identificada e da concessão do prazo de dez dias para a apresentação de defesa. (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
Dessa forma, verifico que não há previsão legal para a concessão do benefício assistencial por prazo determinado, embora possa ser suspenso a qualquer tempo, quando os requisitos de sua concessão não estiverem mais presentes e desde que observado o devido processo administrativo.
Impõe-se, portanto, o provimento da apelação da parte autora a fim de excluir o prazo de duração do benefício e a necessidade do pedido de prorrogação pela suplicante.
A correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados de ofício pelos magistrados. Vejamos o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados pelas instâncias ordinárias até mesmo de ofício, o que afasta suposta violação do princípio do non reformatio in pejus.
2. Agravo interno não provido. (AGINT NO RESP N. 1.663.981/RJ, RELATOR MINISTRO GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 14/10/2019, DJE DE 17/10/2019)
Dessa forma, sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF) e no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ), respeitada a prescrição quinquenal.
Deixo de majorar a verba honorária em sede recursal, haja vista a não apresentação de contrarrazões, nos termos do art. 85, § 11º, do CPC.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora e ALTERO, de ofício, os índices de correção monetária e dos juros de mora, nos termos da fundamentação.
É como voto.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1002811-81.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARLENE RIBEIRO BORGES
APELADO: MARLENE RIBEIRO BORGES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. LEI 8.742/93. LAUDO PERICIAL. DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO INICIAL. DATA DO LAUDO. TERMO FINAL. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO.
1. Pretensão formulada pela parte autora na inicial de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
2. É necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
3. A constatação de que a parte autora é portadora de deficiência que causa impedimento de longo prazo, nos termos em que definidos pelo art. 20, §§2º e 10, da Lei nº 8.742/93, é indispensável à concessão do benefício. Precedentes.
4. Relativamente à norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
5. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento (RE 567985 e 580963, e Reclamação nº 4374).
6. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
7. No caso dos autos, o laudo do perito judicial atestou que a parte autora é portadora de “transtorno ortopédico da coluna lombar e entesopatia de calcâneo direito, atualmente em descompensação clínica e sem conduta terapêutica ideal, configurando incapacidade de caráter total e temporário com prazo estimado de 180 dias”. Consta, ainda, do laudo que a parte autora encontra-se incapacitada desde dezembro/2020 (ID 396105126, fls. 118/123 e fls. 156/161).
8. O laudo socioeconômico, realizado em 06/07/2021, informa que a parte autora reside em “casa própria composta de 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha, 01 área e 01 banheiro”. A renda familiar consiste em R$ 200,00 (duzentos reais) que recebe do aluguel da casa que possui no fundo do quintal. Consta do laudo, ainda, que a parte autora “recebe doação do CRAS e terceiros” e que a renda é insuficiente para as despesas básicas como alimentação, energia (R$ 107,00), farmácia (R$ 60,00), açougue (R$ 100,00) e que a água é de poço e “cozinha na lenha para economizar”.
9. Assim, infere-se que estão preenchidos os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial pretendido pela parte autora. Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
10. O Juízo a quo, ao conceder o benefício assistencial, estabeleceu para sua duração o prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data do laudo médico pericial, em 01/12/2020, caso não houvesse pedido de prorrogação pela parte autora.
11. O art. 21 da Lei nº 8.742/93, contudo, limita-se a estabelecer que o benefício assistencial deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, nada dispondo sobre termo final, tampouco a respeito da cessação automática diante da ausência de pedido de prorrogação pelo beneficiário. Ressalte-se que cabe ao INSS a convocação do beneficiário para a avaliação das condições que deram origem à concessão inicial do benefício, nos termos do §5º do art. 21.
12. No ato de revisão, caso o INSS entenda que tenha ocorrido a superação de alguma condição para a manutenção do benefício, deve observar ainda, conforme o §2º do art. 42 do Decreto nº 6.214/2007, o procedimento previsto no art. 47. Portanto, antes de suspender o benefício com fundamento na não persistência das condições que lhe deram origem, o INSS deve ainda notificar o beneficiário e conceder-lhe prazo para a defesa, nos termos §1º do art. 47.
13. Dessa forma, verifico que não há previsão legal para a concessão do benefício assistencial por prazo determinado, embora possa ser suspenso a qualquer tempo, quando os requisitos de sua concessão não estiverem mais presentes e desde que observado o devido processo administrativo.
14. Impõe-se, portanto, o provimento da apelação da parte autora a fim de excluir o prazo de duração do benefício e a necessidade do pedido de prorrogação pela suplicante.
15. Sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF) e no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ), respeitada a prescrição quinquenal.
16. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS, DAR PROVIMENTO à apelação da parte autora e ALTERAR, de ofício, os índices de correção monetária e juros, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora
