
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:JUSSARA FRANCISCO DE BRITO MELLO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: EUZELIO HELENO DE ALMEIDA - GO25825-A e JOSE ARY DE SOUZA GOMES - GO32108-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1000477-11.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JUSSARA FRANCISCO DE BRITO MELLO
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS), a partir da data do requerimento administrativo, efetuado em 27/10/2010, observada a quinquenal.
Nas razões recursais (ID 284914517, fls. 132 a 150), a parte apelante alega que não estão comprovados nos autos os requisitos necessários para a concessão do benefício pretendido.
As contrarrazões não foram apresentadas.
É o relatório.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1000477-11.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JUSSARA FRANCISCO DE BRITO MELLO
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp. 1735097/RS; REsp. 1844937/PR).
Consigno, ainda, que a prescrição atinge as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula nº 85/STJ.
A pretensão formulada pela parte autora na inicial é de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL alega, em suas razões de apelação, que não foi demonstrada nos autos a presença dos requisitos necessários à concessão do benefício pretendido dispostos no art. 20 da Lei nº 8.742/93, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Pois bem.
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
A respeito da deficiência, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
Extrai-se da norma transcrita que para a concessão do benefício assistencial não é suficiente a existência de doença ou deficiência. É necessário, além disso, aferir-se o grau de impedimento decorrente da deficiência, conforme exigem os §§ 2º e 6º, e também estar demonstrada sua duração por um período mínimo de 2 (dois) anos (§10).
Nesse sentido, a constatação de que a parte autora é portadora de deficiência que causa impedimento de longo prazo, nos termos em que definidos pelo art. 20, §§2º e 10, da Lei nº 8.742/93, é indispensável à concessão do benefício.
A respeito do tema, transcrevo os seguintes precedentes do Eg. STJ e desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TODOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO. SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Pela leitura das razões recursais, constata-se que quando da interposição do Agravo em Recurso Especial a parte agravante não rebateu, como lhe competia, todos os fundamentos da decisão agravada, deixando de impugnar a incidência da Súmula 7/STJ.
2. A parte agravante deve infirmar os fundamentos da decisão impugnada, autônomos ou não, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles - Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ainda que assim não fosse, nos termos do art. 20 da Lei de Assistência Social, em sua redação atual dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4. Ocorre que, no caso dos autos, a Corte de origem, confirmando a sentença, é categórica em afirmar que o laudo pericial não atesta a situação de impedimento clínico a longo prazo, asseverando a provisória condição de saúde. Não estão preenchidos, assim, os requisitos para concessão do benefício.
5. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.549.630/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 1/7/2020.)
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E/OU MENTAL. PERÍCIA MÉDICA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA OMNIPROFISSIONAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, e a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) garantem um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) o requerente deve ser portador de deficiência ou ser idoso com 65 anos ou mais; ii) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e iii) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
3. Considera-se deficiente aquela pessoa que apresenta impedimentos (físico, mental, intelectual ou sensorial) de longo prazo (mínimo de 02 anos) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tal deficiência e o grau de impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, consoante o § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
4. Na hipótese, segundo o laudo médico pericial, a parte autora é portadora de “Flebite e tromboflebite. No que tange à alegada limitação para o trabalho, o expert concluiu que a parte autora não é portadora de incapacidade laborativa. Dessarte, a inexistência de consonância da enfermidade diagnosticada com os requisitos legais e o entendimento jurisprudencial é suficiente, independentemente da condição de miserabilidade, para a negativa da concessão do benefício requestado.
5. Os honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor atualizado atribuído à causa devem ser majorados em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11º do CPC, totalizando o quantum de 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo, ficando suspensa a execução deste comando por força da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 98, §3º do Codex adrede mencionado.
6. Apelação da parte autora desprovida.
(AC 1020030-83.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 15/08/2023 PAG.)
Assente-se, ainda, que a lei não impõe a constatação de incapacidade total, nem permanente. Exige, na verdade, que a parte autora possua um impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) que impeça a participação social do requerente em igualdade de condições.
No mesmo sentido, “A jurisprudência do STJ firmou entendimento segundo o qual, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão” (REsp nº 1.962.868/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 28/3/2023).
No que tange ao requisito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
Assentadas tais premissas, passo ao exame do caso concreto.
Na espécie, o perito judicial, em exame realizado em 10/09/2018, reconheceu a incapacidade total e temporária com início em 2010, que decorre de agravamento das seguintes doenças: depressão, epilepsia e asma, com CID: F32, G40 e J45 (ID 284914517, fls. 101 a 104). Declarou ainda que o quadro depressivo acarreta prejuízo às funções cognitivas da parte autora.
Embora o perito judicial não tenha reconhecido a incapacidade permanente, não estimou um período para o seu término. Ademais, considerando a data de início da incapacidade, verifica-se que ela durou por mais de 2 (dois) anos.
Diante da conclusão do laudo pericial, infere-se que estádemonstrado que a parte autora era à época portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, conforme exigido pelo art. 20, §§ 2° e 10, da Lei nº 8.742/93.
A seu turno, o laudo socioeconômico, realizado em 10/09/2018, informa que a parte autora reside em casa própria com seu esposo e com seus dois filhos (ID 284914517 – fl. 96).
A renda familiar consistia em remuneração variável e informal recebida pelo esposo, estimada no valor de R$ 500,00 mensais. A renda per capita, portanto, era de R$ 125,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 954,00.
Conforme a assistente social, a família vivia em casa muito humilde, com paredes no reboco e piso “queimado” sem pintura. Os móveis estavam desgastados e não havia higiene no ambiente.
O INSS argumenta que não haveria situação de miserabilidade, porque há um veículo registrado no nome da parte autora (ID 284914517, fl. 146) e porque consta, além do endereço onde foi realizada a perícia socioeconômica, outro registro do CPF da parte autora na companhia elétrica ENEL (fl. 149).
Contudo, verifica-se primeiramente que o veículo é muito antigo: um modelo Santana do ano 1994. Além disso, o registro de outro endereço em companhias elétricas não prova que a pessoa é proprietária dos imóveis ali cadastrados, pois é possível que a parte autora tenha morado no outro imóvel por meio de contrato de aluguel.
Portanto, considerando as circunstâncias do caso e a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Nestes termos, entendo que estão preenchidos os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial pretendido pela parte autora.
Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
Ademais, não merece acolhida a pretensão do INSS de que seja aplicada a TR como índice de correção monetária.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810), entendeu pela inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, afastando a incidência da TR como índice de correção monetária. Eis o teor da tese aprovada:
II - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09,na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Públicasegundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. (grifei)
Confira-se ainda a ementa do referido julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado.
2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29).
4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços.
5. Recurso extraordinário parcialmente provido.
(RE 870947, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-262 DIVULG 17-11-2017 PUBLIC 20-11-2017 - Grifei)
Opostos embargos de declaração visando à modulação de efeitos da referida decisão, a Suprema Corte, em 03/10/2019, veio a rejeitar todos os aclaratórios por maioria de votos e não modulou os efeitos da tese então aprovada no RE 870.947/SE, conforme voto proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão. Os novos embargos de declaração opostos em face dos primeiros foram julgados prejudicados em 24/03/2020 e o processo transitou em julgado em 31/03/2020.
Recorrendo-se ainda à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça a respeito da controvérsia em debate, verifica-se que a Corte Superior, em julgamento na sistemática de recursos repetitivos (Tema 905), também decidiu no mesmo sentido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009) ÀS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CASO CONCRETO QUE É RELATIVO A CONDENAÇÃO JUDICIAL DE NATUREZA ADMINISTRATIVA EM GERAL (RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO). TESES JURÍDICAS FIXADAS.
1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.
1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária. No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.
1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão. A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.
2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.
3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos. As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.
3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas. No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária. As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.
[...]
8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, c/c o art. 256-N e seguintes do RISTJ.
(REsp 1495144/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018 - Grifei)
Dessa forma, sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF), no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ) e na EC nº 113/2021, respeitada a prescrição quinquenal.
Deixo de majorar a verba honorária em sede recursal haja vista a não apresentação de contrarrazões, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1000477-11.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JUSSARA FRANCISCO DE BRITO MELLO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. LEI 8.742/93. LAUDO PERICIAL. DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1. Pretensão formulada pela parte autora na inicial de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
2. É necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
3. A constatação de que a parte autora é portadora de deficiência que causa impedimento de longo prazo, nos termos em que definidos pelo art. 20, §§2º e 10, da Lei nº 8.742/93, é indispensável à concessão do benefício. Precedentes.
4. Relativamente à norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
5. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento (RE 567985 e 580963, e Reclamação nº 4374).
6. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
7. No caso dos autos, o perito judicial, em exame realizado em 10/09/2018, reconheceu a incapacidade total e temporária com início em 2010, que decorre de agravamento das seguintes doenças: depressão, epilepsia e asma, com CID: F32, G40 e J45. Declarou ainda que o quadro depressivo acarreta prejuízo às funções cognitivas da parte autora. Embora o perito judicial não tenha reconhecido a incapacidade permanente, não estimou um período para o seu término. Assim, considerando a data de início da incapacidade, verifica-se que ela durou por mais de 2 (dois) anos.Diante da conclusão do laudo pericial, infere-se que está demonstrado que a parte autora é portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, conforme exigido pelo art. 20, §§ 2° e 10, da Lei nº 8.742/93.
8. O laudo socioeconômico realizado assentou que a parte autora reside em casa própria com seu esposo e com seus dois filhos. A renda familiar consistia em remuneração variável e informal recebida pelo esposo, estimada no valor de R$ 500,00 mensais. A renda per capita, portanto, era de R$ 125,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 954,00. Conforme a assistente social, a família vivia em casa muito humilde, com paredes no reboco e piso “queimado” sem pintura. Os móveis estavam desgastados e não havia higiene no ambiente.
9. Quanto ao veículo registrado em nome da parte autora, trata-se de bem muito antigo, qual seja: modelo Santana do ano 1994. Sobre o registro de outro endereço da parte autora em companhia energética, tal fato por si não prova a propriedade de imóvel ali cadastrado, não tendo o INSS apresentado prova concreta do registro de propriedade em nome da parte autora ou de esposo.
10. Assim, infere-se que estão preenchidos os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial pretendido pela parte autora.
11. Por fim, não merece acolhida a pretensão do INSS de que seja aplicada a TR como índice de correção monetária para as parcelas vencidas. Sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF), no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ) e na EC nº 113/2021, respeitada a prescrição quinquenal.
12. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora
