
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:HELENA DE FATIMA CARVALHO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ROQUE EROTILDES DE SOUSA FERNANDES DA CUNHA - GO41810-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1014730-09.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5162408-25.2018.8.09.0023
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RÉGIS DE SOUZA ARAÚJO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido e condenou-o a “restabelecer” o auxílio-doença à parte autora.
O apelante alega, em preliminar, a necessidade do recebimento do recurso no duplo efeito ou a suspensão do cumprimento da decisão, tendo em vista a decisão do STJ no REsp 1401560, sobre a necessidade de devolução dos valores recebidos em decorrência da tutela antecipada.
No mérito, sustenta a ausência de qualidade de segurado especial da parte autora, pois a sentença considerou que esse requisito foi comprovado em razão de auxílio-doença concedido anteriormente na via administrativa. Todavia, o benefício foi implantado em decorrência de determinação judicial, que deferiu a antecipação de tutela nestes autos. Diante da falta de provas material e testemunhal, requer a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RÉGIS DE SOUZA ARAÚJO (RELATOR):
A autora ajuizou esta ação em 10/04/2018, pretendendo a concessão de benefício por invalidez, tendo em vista o indeferimento administrativo do auxílio-doença, apresentado em 06/03/2018.
Por decisão, o juízo de primeiro grau deferiu o pedido de antecipação de tutela, em 16/04/2018, e determinou a concessão do auxílio-doença à parte autora (fls. 30/31-rolagem única-PJe/TRF1).
Mérito
Concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto nos arts. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei de Regência.
Requisitos – trabalhador rural
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento dos requisitos: qualidade de segurado e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
A concessão de benefício por invalidez ao segurado especial não depende do cumprimento de carência. Porém, quando a qualidade de segurado não for demonstrada por prova plena (art. 39, inc. I c/c art. 55, § 3º da Lei 8.213/91), exige-se início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea.
Caso dos autos
Na hipótese dos autos, a juíza da origem dispensou a oitiva das testemunhas, que compareceram à audiência, ao fundamento de que a situação da autora era de restabelecimento de auxílio-doença e, por isso, a qualidade de segurada teria sido comprovada anteriormente na via administrativa.
Todavia, não há provas nos autos de concessão de benefício anteriormente, tendo o INSS afirmado no recurso que a implantação do benefício ocorreu em decorrência da determinação judicial da mesma magistrada que proferiu a sentença, quando deferiu o pedido em pedido de antecipação de tutela formulado nestes autos (fls. 30/31-rolagem única do PJe-TRF1).
Assim, verifica-se error in judicando, pois o requisito da qualidade de segurada da autora, na verdade, não foi apreciado pelo juízo da origem, que entendeu equivocadamente tratar-se de reconhecimento do direito da autora na via administrativa, pois apenas implantou o benefício em cumprimento da ordem judicial do próprio juízo, que deferiu o pedido da autora da tutela de urgência.
Portanto, em se tratando de pedido de concessão, e não de restabelecimento de benefício, é necessária a análise do cumprimento do requisito legal da prova da qualidade de segurada da autora, que declara exercer a atividade rural em regime de economia familiar.
No caso, o início de prova material da condição de rurícola foi constituída apenas pela certidão de casamento, que informa a profissão do cônjuge como “comerciante” e a dela como “do lar”, e o comprovante de endereço em sítio em nome do marido (fl. 12 e 17-rolagem única-PJe/TRF1).
Portanto, tais documentos são insuficientes para o início de prova material da condição da autora de segurada especial.
Diante da situação dos autos, anoto ser desnecessária a produção de prova testemunhal, não em razão de já ter sido concedido o benefício anteriormente na via administrativa como motivou o juízo da origem na sentença, mas porque a prova testemunhal exclusiva não pode ser admitida para reconhecer a atividade rural, nos termos das Súmulas 149/STJ e 27/TRF1.
Por essas razões, deve ser anulada a sentença, que se fundamentou em premissa equivocada quanto à análise do requisito da qualidade de segurada da autora, considerando como restabelecimento de benefício concedido administrativamente, enquanto o caso é de pedido de concessão inicial de auxílio-doença, pois a concessão ocorreu por determinação judicial, em antecipação dos efeitos da tutela.
Inexistindo nos autos início de prova material da qualidade de segurada da autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado na inicial.
Inexistência de prova material suficiente
Segundo a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa" (REsp 1.352.721, Tema 629).
Devolução dos valores recebidos a título de antecipação de tutela
Em revisão do Tema 692, sobre a possibilidade de devolução de valores de benefícios previdenciários pagos a título de tutela de urgência posteriormente revogada, o e. Superior Tribunal de Justiça reafirmou a orientação anterior, nestes termos:
PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256-T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.
1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
(...)
20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.
21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
(Pet 12.482/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe de 24/5/2022).
Tendo em vista o entendimento da Corte Superior, em recurso repetitivo, está revogada, de imediato, a tutela antecipada concedida, devendo a parte autora devolver as parcelas recebidas até a cessação dos seus efeitos.
Conclusão
Ante o exposto, de ofício, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurada da autora; apelação do INSS prejudicada.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1014730-09.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5162408-25.2018.8.09.0023
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA DE FATIMA CARVALHO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA. TEMA 692/STJ. SENTENÇA REFORMADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO.
1. A concessão de benefício previdenciário por incapacidade requer o preenchimento dos requisitos: qualidade de segurado e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
2. A autora ajuizou esta ação, pretendendo a concessão de benefício por invalidez. A sentença, em audiência, dispensou a prova testemunhal e julgou procedente o pedido, ao fundamento de que a qualidade de segurada da autora foi demonstrada na via administrativa quando concedeu o benefício anterior
3. Todavia, o INSS implantou o benefício em decorrência da determinação judicial nesta ação, que deferiu o pedido da autora de antecipação de tutela. Assim, verifica-se que o requisito da qualidade de segurada sequer foi apreciado pelo juízo da origem, que entendeu tratar-se de “restabelecimento” de auxílio-doença, enquanto o caso é de concessão inicial de benefício.
4. Caracterizado o error in judicando, deve ser anulada a sentença, porque fundada em premissa equivocada quanto ao cumprimento do requisito da qualidade de segurada especial da autora.
5. No caso, a prova material da condição da autora de rurícola foi constituída pela certidão de casamento, que informa a profissão do cônjuge como “comerciante” e a dela como “do lar”, e pelo comprovante de endereço residencial em sítio em nome do marido. Entretanto, tais documentos são insuficientes para demonstrar a atividade rural da autora em regime de economia familiar, o que torna a produção da prova testemunhal inócua neste caso em que não há documentos para comprovar a alegada atividade rural, porque tal prova exclusiva não é admitida, nos termos das Súmulas 149/STJ e 27/TRF1.
6. Segundo a orientação do STJ, a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (REsp 1.352.721, Tema 629).
7. Revogada, de imediato, a tutela antecipada concedida, devendo a parte autora devolver as parcelas recebidas até a cessação dos seus efeitos (Tema 692 do STJ).
8. Processo extinto, de ofício, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurada especial da autora; apelação do INSS prejudicada.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, sem resolução do mérito, e julgar prejudicada a apelação do INSS, nos termos do voto do relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Juiz Federal Convocado RÉGIS DE SOUZA ARAÚJO
Relator
