
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES CARDOSO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: LARISSA XAVIER VIEIRA - BA58083-A e GESSICA TEIXEIRA DA ROCHA - BA58148-A
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1000157-20.2021.4.01.3309 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000157-20.2021.4.01.3309
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES CARDOSO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: LARISSA XAVIER VIEIRA - BA58083-A e GESSICA TEIXEIRA DA ROCHA - BA58148-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi concedida parcialmente a segurança para determinar que a autoridade coatora se abstenha de suspender o benefício de pensão por morte da impetrante, mantendo-o até que seja possível completar a atualização cadastral exigida.
Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja denegada a segurança, ao argumento de que a imposição de prazo para análise de requerimento administrativo de benefício importa em violação aos princípios da separação dos poderes, da reserva do possível, da isonomia e da impessoalidade. Assevera ainda a inaplicabilidade dos prazos definidos na Lei 9.784/1999 e 8.213/1991 à hipótese em que se pretende a conclusão do processo administrativo de concessão de benefício previdenciário. Subsidiariamente, requer a aplicação do parâmetro temporal adotada pelo STF no RE 631.240/MG.
A apelada, intimada, apresentou contrarrazões.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo.
É o relatório.

PROCESSO: 1000157-20.2021.4.01.3309 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000157-20.2021.4.01.3309
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES CARDOSO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: LARISSA XAVIER VIEIRA - BA58083-A e GESSICA TEIXEIRA DA ROCHA - BA58148-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
De pronto, verifico que o recurso interposto pelo INSS não merece ser conhecido.
Primeiramente, vê-se que a apelação claramente não tem ligação com a sentença proferida. Isso porque o julgado determinou que a autoridade coatora se abstenha de suspender o benefício de pensão por morte da impetrante, mantendo-o até que seja possível completar a atualização cadastral exigida pela autarquia previdenciária.
Por seu turno, em seu recurso, o ente previdenciário se insurge contra imposição de prazo para avaliação de requerimento administrativo de concessão de benefício previdenciário pela autarquia.
Com efeito, ao teor do regramento processual civil vigente, a apelação devolverá ao egrégio Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, nos termos do art. 1.013 do Código de Processo Civil. No entanto, não deve ser conhecida se suas razões estiverem dissociadas do conteúdo da decisão recorrida.
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL INAUGURADA ANTES DO ADVENTO DA LEI 11.232/2005. RAZÕES DO RECURSO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ART. 514, II, DO CPC.
I - Jurisprudência assente nesta Corte Regional e no Superior Tribunal de Justiça de que não se conhece do recurso na hipótese em que as razões de impugnação estão dissociadas dos fundamentos da sentença recorrida.
II - Configuram-se dissociadas as razões de apelação na hipótese em que a sentença extingue o processo, sem resolução do mérito, em relação aos pedidos formulados pelo Apelante que foram discutidos e decididos nos autos da execução em apenso (processo n. 3132-71.2003.4.01.3500/GO), e o recurso não ataca os fundamentos que embasaram a sentença extintiva, limitando-se a transcrever o mesmo conteúdo meritório lançado na apelação interposta nos autos da execução apensada, que foi devidamente examinado e julgado naquele processo.
III - Ao promover o recurso, a parte deve observar os pressupostos necessários para sua apreciação. É necessária a demonstração das razões para a reforma do julgamento impugnado em homenagem ao "princípio da dialeticidade" e ao art. 514, II, CPC. Ou seja, é preciso enfrentar os fundamentos da decisão recorrida com argumentos de fato e de direito suficientemente capazes de convencer o órgão julgador a reformar o pronunciamento jurisdicional e prolatar outra decisão.
IV - Apelação do Exequente, ora Embargado, não conhecida (AC 0014912-71.2004.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJe de 22/05/2015)
Dessa forma, no caso dos autos, há clara violação ao princípio da dialeticidade, segundo o qual cabe ao recorrente impugnar as razões lançadas na decisão atacada, buscando demonstrar a existência de error in procedendo ou in judicando.
A respeito:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO SELETIVO. VEDAÇÃO DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS, FUNÇÕES E EMPREGOS PÚBLICOS. RAZÕES DE APELAÇÃO DISSOCIADAS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INTERPOSIÇÃO DE DUAS APELAÇÕES. NÃO CONHECIMENTO. I – Jurisprudência assente nesta Corte Regional no sentido de que não se conhece do recurso na hipótese em que as razões de impugnação estão dissociadas dos fundamentos da sentença recorrida. II – Configuram-se razões dissociadas na hipótese em que a sentença decide pela denegação da segurança ante a impossibilidade de o judiciário substituir a banca examinadora em seus critérios de correção de prova e o recurso não enfrenta a tese fundamento da decisão atacada com a demonstração clara e objetiva de situação excepcional que torne legítima a intervenção judicial. III - No direito brasileiro, a via recursal é o instrumento processual voluntário de impugnação de decisões apta a propiciar a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da decisão recorrida. Porém, ao promover o recurso, a parte deve observar os pressupostos necessários para sua apreciação. Ou seja, não basta o simples inconformismo com a decisão atacada. É necessária a demonstração das razões para a reforma do julgamento impugnado em homenagem ao princípio da dialeticidade e ao art. 1.010, III, CPC. Ou seja, é preciso enfrentar os fundamentos da decisão recorrida com argumentos de fato e de direito suficientemente capazes de convencer o órgão julgador a reformar o pronunciamento jurisdicional e prolatar outra decisão. IV – O segundo recurso de apelação interposto pelo mesmo recorrente também não pode ser conhecido haja vista tê-lo interposto quando já preclusa a oportunidade de fazê-lo ao interpor a apelação anterior, não podendo, portanto, complementar as razões recursais, ainda que no curso do prazo, salvo nas hipóteses em que a legislação processual o permitir. V - Recursos de apelação interpostos pelo impetrante não conhecidos.
(AC 1013159-80.2018.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 08/03/2023 PAG.)
Assim, diante da apresentação de apelação contendo argumentação dissociada da sentença, não subsistem os requisitos de admissibilidade do recurso, o qual não deve ser conhecido.
No tocante à remessa necessária, verifica-se que a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada, razão pela qual deverá ser mantida, pois além de razoável, proporcional e ampla é suficientemente harmônica frente ao contexto fático-jurídico, cuja fundamentação é aqui invocada per relationem, em prestígio, aliás, à atividade judicante do 1º grau de jurisdição. Vejamos:
"Compulsando a inicial, verifico que a impetrante pretende evitar a cessação do benefício de pensão por morte considerando não ter atendido integralmente as imposições de atualização cadastral contidas no comunicado de exigência que lhe foi encaminhado.
O art. 103-A da Lei n. 8.212/91 tem a seguinte redação:
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Embora haja prazo decadencial, em regra, para a anulação do ato de concessão, não há impedimento temporal para que a autarquia previdenciária verifique se subsistem os requisitos para a manutenção do benefício, inclusive para verificação de eventual má-fé.
Pela leitura do “Comunicado de exigência” (ID 415461890 e 415461895), exige-se a juntada de documentos pessoais (entre os quais o CPF do falecido) visando demonstrar a regularidade da manutenção do benefício, tendo por base o art. 69 da Lei nº 8.212/91:
Art. 69. O INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.
Ocorre que caso não seja apresentada documentação no prazo (atendida a exigência administrativa), o benefício será suspenso, podendo ser posteriormente cessado.
No caso dos autos, contudo, é de conhecimento público as dificuldades administrativas enfrentadas diante da pandemia, inclusive para obtenção de documentos.
A impetrante narra que exibiu os documentos que possuia, no entanto, não detinha mais o CPF do de cujus, tendo que diligenciar uma nova obtenção junto a Receita Federal, cujo atendimento, no entanto, encontra-se restrito por força das medidas de prevenção a COVID-19.
Neste sentido, transcrevo trecho da exordial:
“Imprescinde também destacar, que o posto da Receita Federal mais próxima do seu domicílio localiza-se na cidade de Guanambi/BA, onde tentou atendimento, através de sua filha por duas vezes, mas restaram-se infrutíferas. A agência encontra-se fechada devido a pandemia, e o procedimento, para tratar sobre CPF de pessoa falecida é realizado apenas de forma presencial. Desse modo, a Impetrante perdeu o prazo para apresentação dos documentos, e o processo administrativo foi indeferido, com status concluído, em 09 de janeiro de 2020. Com receio da cessação do benefício que recebe há décadas, não encontrou outra alternativa senão a adoção do presente remédio constitucional”
Não se desconhece que o INSS cobra a apresentação de documentos que subsidiaram a concessão de benefício, ocorrido há mais de quatro décadas, tendo a impetrante somente 60 (sessenta) dias para apresentá-lo, sendo previsível à vista da exigência imposta que enfrentem os pensionistas dificuldades na obtenção dos documentos antigos, ou por não lhe saber o paradeiro ou mesmo por não conseguir a segunda via em tempo do prazo fixado.
Ressalte-se ainda que se trata-se de benefício de pensão por morte, concedido em 26 de janeiro 1980, com efeitos retroativos a janeiro de 1972, sem qualquer notícia ou suspeita de fraude ou mesmo intenção do INSS em revisá-lo.
Portanto, parece violar o princípio da razoabilidade a imposição da exigência em tempo exíguo, ainda mais em se tratando de beneficiária idosa, grupo de risco para o COVID-19, que teria que diligenciar em diversos órgãos públicos para obtenção de segunda via de documentos apresentados à época do deferimento do benefício e de pessoa já falecida.
Neste cenário, vislumbro a probabilidade do direito invocado pelo impetrante.
O periculum in mora e o risco de ineficácia da medida se configuram ante o caráter alimentar do benefício, com o qual a impetrante conta para sua mantença e de sua família, havendo, no entanto, o risco iminente de sua cessação.
Assim, DEFIRO o pedido de concessão liminar da segurança para que autoridade coatora se abstenha, por ora, de suspender o benefício de pensão por morte da autora, mantendo-o até que seja possível completar a atualização cadastral exigida.”
Observo que não houve qualquer alteração na conjuntura reconhecida, não havendo notícias oficiais de que a agencia local da RFB tenha retomado suas atividades presenciais[1].
Desta forma, deverá ser o benefício mantido até que seja possível viabilizar a documentação junto à receita federal, quando da retomada das atividades presenciais.
Desse modo, a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada quanto à análise de todo o conjunto probatório e não existem elementos nos autos que possam infirmar o quanto ali consignado.
Pelo exposto, NÃO CONHEÇO do recurso de apelação, nos termos do art. 932, III, do CPC e NEGO PROVIMENTO à remessa necessária.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1000157-20.2021.4.01.3309 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000157-20.2021.4.01.3309
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES CARDOSO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: LARISSA XAVIER VIEIRA - BA58083-A e GESSICA TEIXEIRA DA ROCHA - BA58148-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO APELO. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. COMUNICADO DE EXIGÊNCIA. DIFICULDADES PARA OBTENÇÃO DE DOCUMENTO DURANTE PANDEMIA. MANUTENÇÃO DA PENSÃO POR MORTE ATÉ COMPLETA ATUALIZAÇÃO CADASTRAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NÃO PROVIDA.
1. Insurge-se o apelante contra sentença determinou à autoridade coatora que se abstenha de suspender o benefício de pensão por morte da impetrante, mantendo-o até que seja possível completar a atualização cadastral exigida pela autarquia previdenciária.
2. O apelo está em total dissonância com o teor do julgado, já que o INSS alega a impossibilidade de imposição de prazo para avaliação de requerimento administrativo de concessão de benefício previdenciário pela autarquia.
3. A apelação devolverá ao egrégio Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, nos termos do art. 1.013 do Código de Processo Civil. No entanto, não deve ser conhecida se suas razões estão dissociadas do conteúdo da sentença recorrida.
4. No caso dos autos, há clara violação ao princípio da dialeticidade, segundo o qual cabe ao recorrente impugnar as razões lançadas na decisão atacada, buscando demonstrar a existência de error in procedendo ou in judicando.
5. No tocante à remessa necessária, embora caiba à autarquia previdenciária verificar a regularidade da manutenção de benefício, conforme art. 69 da Lei 8.213/1991, viola o princípio da razoabilidade a imposição da exigência em tempo exíguo, durante a pandemia da COVID-19, ainda mais em se tratando de beneficiária idosa, que teria que diligenciar em diversos órgãos públicos para obtenção de segunda via de documentos de pessoa já falecida, apresentados à época do deferimento do benefício, em 1980, de modo que deve ser o benefício mantido até que seja possível viabilizar a documentação, quando da retomada das atividades presenciais.
6. Apelação do INSS não conhecida. Remessa necessária não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NÃO CONHECER da apelação do INSS e NEGAR PROVIMENTO à remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
