
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VALDETE DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: VANESSA CRISTINA PIMENTA - GO22895
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1007042-93.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0148254-59.2017.8.09.0173
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VALDETE DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: VANESSA CRISTINA PIMENTA - GO22895
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, ora apelada, condenando a autarquia previdenciária a conceder-lhe o benefício previdenciário da pensão por morte.
Em suas razões, em síntese, o apelante alega a prescrição do fundo de direito e o não preenchimento do requisito da qualidade de dependente da autora em relação ao falecido.
Regularmente intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PROCESSO: 1007042-93.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0148254-59.2017.8.09.0173
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VALDETE DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: VANESSA CRISTINA PIMENTA - GO22895
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Passo à análise do apelo do INSS que alega, prejudicialmente, a prescrição do fundo de direito e, no mérito propriamente dito, o não preenchimento do requisito da condição de dependente da parte autora.
Não assiste razão ao apelante.
Os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar, razão pela qual não se admite a tese de prescrição do fundo de direito.
Assim, o benefício previdenciário possui natureza de direito indisponível, motivo pelo qual o benefício previdenciário em si não prescreve, somente as prestações não reclamadas no prazo de 5 (cinco) anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário.
Desse modo, se a parte demorou mais de cinco anos para ingressar com a ação judicial pleiteando a pensão por morte, ela não perdeu a possibilidade de obter o benefício. O que ela perdeu foi apenas as parcelas que venceram há mais de 5 (cinco) anos contados da propositura da ação.
Não se pode admitir, portanto, que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental. O reconhecimento da prescrição de fundo de direito à concessão de um benefício de caráter previdenciário excluirá seu beneficiário da proteção social, retirando-lhe o direito fundamental à previdência social, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana e da garantia constitucional do mínimo existencial.
Ilustrativamente, precedente do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096/DF, da relatoria do Ministro Edson Fachin, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019, na parte em que foi dada nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, destacou que, mesmo nos casos de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, não há falar em prescrição do fundo de direito, porque nessas hipóteses nega-se o benefício em si considerado, de forma que, "caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção". 2. Está superado o entendimento firmado por esta Corte Superior nos EDcl nos EREsp 1.269.726/MG, tendo em vista que o art. 102, § 2º, da Constituição Federal confere efeito vinculante às decisões definitivas em ação direta de inconstitucionalidade em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nos âmbitos federal, estadual e municipal. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1590354 MG 2016/0063813-9, Relator: PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 09/05/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2023)
Portanto, no caso de benefícios previdenciários, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, incide o disposto na Súmula 85 do STJ, que prevê que “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.
No mesmo sentido, entendimento do STF no enunciado sumular 443, no sentido de que “A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta”.
Ademais, diante da decisão do STF na ADI 6.096/DF, não é possível inviabilizar o próprio pedido de concessão do benefício em razão do transcurso de quaisquer lapsos temporais - seja decadencial ou prescricional -, de modo que a prescrição se limita apenas às parcelas pretéritas vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
Assim sendo, não há que se falar em prescrição do fundo de direito.
No tocante ao mérito da controvérsia recursal, melhor sorte não assiste ao apelante, que alega a ausência da comprovação de qualidade de dependente da parte autora em relação ao falecido segurado, o que, por consequência, resultaria na impossibilidade de concessão do benefício da pensão por morte.
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte são: a) a qualidade de segurado do falecido por ocasião do óbito; b) a ocorrência do evento morte; c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. Salienta-se que o benefício independe de carência e é regido pela legislação à época do óbito.
Compulsando os autos, verifica-se que foram juntados como início de prova material: (i) sentença proferida em ação declaratória de união estável, autos n. 201103652936, que julgou procedente o pedido para declarar a existência da união estável da autora com o falecido, no período compreendido entre 2003 e 2011 (data do óbito) (fls. 20/22); (ii) autorização de pagamento de sinistro à parte autora, na qualidade de beneficiária de seguro contratado pelo falecido (fls. 23/24); e (iii) certidão de óbito, na qual restou consignada a existência de união estável entre o falecido e a parte autora (fl. 19).
Ressalte-se que, quanto aos requisitos para a configuração da união estável, basta que a união seja pública, duradoura, contínua, com objetivo de constituir família (art. 1723 do Código Civil), requisitos estes comprovados também pelo depoimento das testemunhas. As testemunhas ouvidas relataram em seu depoimento que o falecido convivia com a sua companheira, ora apelada, com quem permaneceu junto até a data de seu óbito, como marido e mulher.
A sentença declaratória de existência ou inexistência de união estável, proferida pela Justiça Estadual, que é a justiça competente para esse reconhecimento, deve ser observada quando do julgamento de ação visando à concessão de pensão por morte de companheiro.
Mesmo que o INSS não tenha sido parte do processo em que foi reconhecida a existência de união estável na Justiça Estadual, a autarquia fica vinculada ao decisum em virtude da eficácia declaratória da sentença possuidora de caráter vinculante contra todos, uma vez que proferida pelo órgão do Poder Judiciário incumbido pela Constituição Federal de examinar as demandas relacionadas ao direito de família e sucessões.
Ademais, possibilitou-se o contraditório na presente demanda, não tendo o INSS apresentado qualquer indício de irregularidade na produção de provas na Justiça Estadual.
Dessa maneira, tem-se que a apelada, por ser companheira, é beneficiária dependente do segurado, nos termos do art. 16, I, da Lei 8213/91, sendo presumida a sua dependência econômica, nos moldes do §4º do mesmo artigo. Assim:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
[...]
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Portanto, restou comprovada, de forma satisfatória, a união estável entre a recorrida e o de cujus e, por conseguinte, a sua condição de dependente, devendo ser mantida a sentença.
Por fim, necessário destacar que a correção de benefícios previdenciários nunca foi feita pela TR, sendo o art. 1º-F da Lei 9.494/97 utilizado tão somente para fixação de juros de mora. A correção monetária obedece ao art. 1º da Lei 11.430/2006, que determina a aplicação do INCP.
Ao apreciar a questão dos consectários da condenação, o STJ firmou o entendimento no Tema 905, segundo o qual “As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009)”.
Após a publicação da Emenda Constitucional 113/2021 deverão incidir, tão somente, a taxa SELIC, eis que a mencionada taxa foi adotada tanto para a correção monetária quanto os juros moratórios, ao teor do art. 3º disposto na EC em comento, que passou a disciplinar a atualização dos débitos das condenações que envolvem a Fazenda Pública.
Portanto, incorreta a sentença que determina que a incidência de correção monetária de acordo com o art. 1º-F da Lei 9.494/97.
Por se tratar de questão alusiva à ordem pública (conferir AgInt nos EDcl no AREsp 2088555) e, portanto, passível de cognição a qualquer tempo e grau, mister deliberar, desde já, temática condizente aos consectários da condenação.
E, nesta órbita, entende-se em determinar que a atualização dos juros e correção monetária será efetivada conforme as diretrizes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, já atualizado em consonância com o Tema 905 do STJ, bem como com a EC 113/2021 que, a partir de 19/12/2021, adotou a taxa Selic para atualização monetária, tanto para remuneração do capital como para a compensação pela mora.
De conseguinte, mediante atuação ex officio, altero a sentença de primeiro grau para ordenar que seja aplicado o Manual de Cálculos já reportado para a atualização dos juros e correção monetária do benefício previdenciário em discussão.
Posto isto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO e, mediante atuação de ofício, determina-se a utilização do Manual de Cálculos da Justiça Federal para atualização dos juros e da correção monetária, nos termos da fundamentação supra.
Em razão da sucumbência recursal, fixo os honorários em 11% das parcelas vencidas, em observância à Súmula 111 do STJ, posto que majoro o valor fixado em primeira instância em um ponto percentual.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1007042-93.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0148254-59.2017.8.09.0173
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VALDETE DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: VANESSA CRISTINA PIMENTA - GO22895
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. COMPANHEIRO. PROVA TESTEMUNHAL. PROVA MATERIAL. SENTENÇA DECLARATÓRIA DA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. BENEFÍCIO DEVIDO. CONSECTÁRIOS DA CONDENAÇÃO. TEMA 905 DO STJ. EC 113/2021. SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar, razão pela qual não se admite a tese de prescrição do fundo de direito. Assim, o benefício previdenciário possui natureza de direito indisponível, motivo pelo qual o benefício previdenciário em si não prescreve, somente as prestações não reclamadas no prazo de 5 (cinco) anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário.
2. Diante da decisão do STF na ADI 6.096/DF, não é possível inviabilizar o próprio pedido de concessão do benefício em razão do transcurso de quaisquer lapsos temporais - seja decadencial ou prescricional -, de modo que a prescrição se limita apenas às parcelas pretéritas vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
3. Quanto aos requisitos para a configuração da união estável, basta que esta seja pública, duradoura, contínua, com objetivo de constituir família (art. 1723 do Código Civil), requisitos estes também comprovados pelo depoimento das testemunhas.
4. A sentença declaratória de existência ou inexistência de união estável, proferida pela Justiça Estadual, que é a justiça competente para esse reconhecimento, deve ser observada quando do julgamento de ação visando à concessão de pensão por morte de companheiro. Mesmo que o INSS não tenha sido parte do processo em que foi reconhecida a existência de união estável na Justiça Estadual, a autarquia previdenciária fica vinculada ao decisum em virtude da eficácia declaratória da sentença lá proferida, de caráter vinculativo contra todos.
5. Ademais, possibilitou-se o contraditório na presente demanda, não tendo o INSS apresentado qualquer indício de irregularidade na produção de provas realizada na ação de reconhecimento de união estável perante a Justiça Estadual.
6. Em sendo a autora companheira do falecido, a dependência econômica é presumida, nos moldes do §4º do art. 16 da Lei 8.213/91.
7. Por se tratar de questão alusiva à ordem pública, altera-se de ofício a sentença para determinar a aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal para atualização dos juros e da correção monetária, posto que atualizado em consonância com o Tema 905 do STJ, bem como com a EC 113/2021 que, a partir de 19/12/2021, adotou a taxa Selic para atualização monetária, tanto para remuneração do capital como para a compensação pela mora.
8. Apelação a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS e, de ofício, determinar a aplicação dos juros de mora e da correção monetária consoante Manual de Cálculos da Justiça Federal, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
