
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:NAYARA CECILIO BRANDAO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DIOGO BORGES FONSECA - GO38921-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS e de remessa oficial, contra sentença em mandado de segurança, pela qual o juízo de origem concedeu a segurança para determinar à autoridade impetrada que adote as providências cabíveis para a implantação, no prazo de cinco dias, o benefício de salário-maternidade à trabalhadora doméstica contratada pela impetrante, durante todo o período de afastamento previsto na Lei 14.151/2021.
O apelante alega, em síntese, a) ilegitimidade passiva do INSS; b) impossibilidade jurídica do pedido; c) necessidade do prévio pagamento pela empresa do adicional de insalubridade. Requer a extinção do processo sem resolução do mérito e, ultrapassada as preliminares a improcedência do pedido.
Nesta instância, a PRR/1ª Região devolveu os autos sem pronunciamento sobre o mérito da causa, pugnando pelo prosseguimento regular do feito.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1037208-74.2021.4.01.3500
PROCESSO REFERÊNCIA: 1037208-74.2021.4.01.3500
CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Preliminarmente, tenho que não assiste razão ao INSS em sua alegação de que seria parte ilegítima para figurar no polo passiva da demanda sob exame, na medida em que, conforme se depreende do art. 73 da Lei n. 8.213/91, tratando-se de segurada empregada doméstica, o salário-maternidade deve ser pago diretamente pela Previdência Social, o que justifica a legitimidade passiva ad causam da autarquia previdenciária.
Afastada a preliminar, passo à análise do mérito.
Nos termos do artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal, a empregada gestante tem direito à licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.
O benefício de salário-maternidade está regulamentado no art. 71 da Lei n. 8.213/91, que assim dispõe:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
O art. 72 do mesmo diploma legal disciplina que o salário-maternidade será pago pelo empregador que, posteriormente, será ressarcido pela Previdência Social, ao passo que o art. 73, transcrito na sequência, estipula que o benefício será pago diretamente pela Previdência Social:
Art. 73. Assegurado o valor de um salário-mínimo, o salário-maternidade para as demais seguradas, pago diretamente pela Previdência Social, consistirá: (Redação dada pela Lei nº 10.710, de 2003)
I - em um valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)
II - em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)
III - em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses, para as demais seguradas. (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)
Parágrafo único. Aplica-se à segurada desempregada, desde que mantida a qualidade de segurada, na forma prevista no art. 15 desta Lei, o disposto no inciso III do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) (grifos nossos)
Por sua vez, a Lei n. 14.151/21, criada durante o estado de emergência em saúde pública nacional decorrente da pandemia do novo coronavírus, determinou o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades laborais, através da concessão da licença-maternidade de forma antecipada, com objetivo de preservar a saúde da gestante, sem prejuízo de sua remuneração, ainda que não houvesse incompatibilidade para o exercício do trabalho à distância.
Verifica-se que a legislação é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada das atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer as suas tarefas de forma remota. No entanto, não parece razoável imputar o custo decorrente da determinação do referido afastamento previsto na norma legal ao empregador.
Ademais, o art. 201, II, da Constituição Federal estabelece a proteção à maternidade pela seguridade social, de modo que eventuais ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
Situação tratada
No caso concreto, a parte impetrante pretende incluir sua empregada doméstica gestante em afastamento por licença-maternidade, em razão do risco da pandemia.
Observa-se que, diante do contexto e das características do trabalho doméstico, a empregada doméstica da impetrante realmente estaria impossibilitada de realizar o mesmo trabalho de forma não presencial.
Nesse sentido, em casos análogos (confira-se, exemplificativamente: AC 1096392-76.2021.4.01.3300, Desembargador Federal Rui Costa Gonçalves, TRF1 - 2ª Turma, PJe 11/4/2024), esta 2ª Turma tem decidido - em lógica perfeitamente aplicável à situação sob exame - que se deve reconhecer o direito de a empregadora pagar o salário-maternidade à funcionária afastada, por força da Lei n. 14.151/21, enquanto durar o afastamento, excluindo os pagamentos da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais destinadas à previdência social, segundo a sistemática aplicável ao próprio benefício. Em consequência, também é pertinente o pedido de compensação (dedução) dos valores dos salários maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, nos termos do artigo 72, § 1º, da Lei n. 8.213/91, artigo 94 do Decreto n. 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB n. 971/09.
Na mesma linha, colaciono precedentes dos Tribunais Regionais Federais da Quarta e Terceira Região:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI 11.451/2021. RESPONSABILIDADE PELO SALÁRIO. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, AO SAT/RAT E A TERCEIROS. NÃO INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. 1. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às empregadas afastadas durante o período de emergência, motivo pelo qual não deve incidir contribuição previdenciária, inclusive ao SAT/RAT e a Terceiros, sobre tal verba, nos termos da Tese de Repercussão Geral do STF nº 72, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991. 2. A solução dada ao caso se dá no sentido de enquadrar os pagamentos realizados pelas empresas como salário-maternidade, implicando na redução da contribuição previdenciária patronal, sem a efetiva implantação do referido benefício previdenciário. 3. O ônus financeiro imposto pela Lei 14.151/2021 diz respeito à relação jurídica tributária estabelecida entre a empregadora e o Fisco. Isto porque, enquadrar os pagamentos realizados pelas empresas como salário-maternidade, implica na redução da contribuição previdenciária patronal, sem a efetiva implantação do referido benefício previdenciário. (TRF4 5004228-38.2021.4.04.7116, SEGUNDA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 20/06/2023)
PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE DO TRABALHO PRESENCIAL DURANTE A EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA. CORONAVÍRUS. PAGAMENTO ANTECIPADO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DURANTE O PERÍODO DE AFASTAMENTO. DEDUÇÃO DO VALOR QUANDO DO PAGAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RECURSO INTERPOSTO PELO INSS. PRELIMINARES DE MÉRITO RECHAÇADAS. A LEI Nº 14.151/2021 NÃO ESTABELECEU A EFETIVA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS NO PERÍODO DO AFASTAMENTO DAS EMPREGADAS GESTANTES, IMPOSSIBILITADAS DE TRABALHAR À DISTÂNCIA PELA PRÓPRIA NATUREZA DAS SUAS ATIVIDADES. INCUMBE AO INSS SUPORTAR O ENCARGO PREVIDENCIÁRIO, ATUANDO O EMPREGADOR, AO PAGAR O BENEFÍCIO DIRETAMENTE ÀS EMPREGADAS, APENAS COMO FACILITADOR DA OBRIGAÇÃO DEVIDA PELA AUTARQUIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INCIDÊNCIA DO ART. 46 DA LEI Nº. 9.099/95. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.(TRF-3 - RI: 50281741020214036100, Relator: MARISA REGINA AMOROSO QUEDINHO CASSETTARI, Data de Julgamento: 17/02/2023, 9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 27/02/2023)
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, mantendo a sentença em seus exatos termos.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1037208-74.2021.4.01.3500
PROCESSO REFERÊNCIA: 1037208-74.2021.4.01.3500
CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NAYARA CECILIO BRANDAO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DO TRABALHO EM RAZÃO DA PANDEMIA (COVID-19). COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. A Lei nº 14.151/2021, criada durante o estado de emergência em saúde pública nacional, decorrente da pandemia do novo coronavírus, determinou o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades laborais, através da concessão da licença-maternidade de forma antecipada, com objetivo de preservar a saúde da gestante, sem prejuízo de sua remuneração, ainda que não houvesse incompatibilidade para o exercício do trabalho à distância.
2. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, tendo em vista que o cerne da questão é a compensação tributária a posteriori.
3. O art. 201, II, da Constituição Federal estabelece a proteção à maternidade pela seguridade social, de modo que eventuais ônus financeiros resultante do distanciamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
4. O art. 72 da Lei 8.213/91 determina que o benefício de salário-maternidade será pago pelo empregador que, posteriormente, será ressarcido pela Previdência Social.
5. Diante da omissão quanto à responsabilidade pelo pagamento do benefício, é possível que o empregador pague o salário-maternidade às funcionárias afastadas, por força da Lei nº 14.151/2021, enquanto durar o afastamento decorrente do estado de emergência pública pelo surto de Covid-19, segundo a sistemática aplicável ao próprio benefício, com a possibilidade de compensação posterior na esfera administrativa.
6. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
