
POLO ATIVO: NICOLE BALDISSERA SORIANO DE MELLO - ME
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, ELTON BARROSO SINIMBU FILHO - PA18318-A, ITALO FURTADO MORELLI ACATAUASSU - PA31252-A e PEDRO BENTES PINHEIRO FILHO - PA3210-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL e outros
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela Nicole Baldissera Soriano de Mello - ME em face da sentença pela qual se julgou improcedente o pedido da empresa para que as empregadas gestantes, cujas atividades não pudessem ser adaptadas para realização em modalidade de home-office ou teletrabalho remoto, fossem afastadas e remuneradas mediante salário-maternidade durante todo o período de emergência de saúde pública decorrente da COVID-19, deduzindo tais salários das suas contribuições sociais previdenciárias.
Alega em seu recurso, que dentre as tarefas desenvolvidas pela gestante está a administração da loja, atendimento de clientes, abertura e fechamento de caixa, além de supervisionar toda a operação de venda ao consumidor, tarefas essas que não podem ser exercidas á distância.
Foram apresentadas contrarrazões somente pela autarquia previdenciária.
Eis, em apertada síntese, o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Nos termos do artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal, a empregada gestante tem direito à licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.
O benefício de salário-maternidade está regulamentado no art. 71 da Lei nº 8.213/91, que assim dispõe:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
O art. 72 do mesmo diploma legal disciplina que o salário-maternidade será pago pelo empregador que, posteriormente, será ressarcido pela Previdência Social, in verbis:
Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.
§ 1º Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.
§ 2º A empresa deverá conservar durante 10 (dez) anos os comprovantes dos pagamentos e os atestados correspondentes para exame pela fiscalização da Previdência Social.
§ 3º O salário-maternidade devido à trabalhadora avulsa e à empregada do microempreendedor individual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, será pago diretamente pela Previdência Social.
Por sua vez, a Lei nº 14.151/2021, criada durante o estado de emergência em saúde pública nacional decorrente da pandemia do novo coronavírus, determinou o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades laborais, através da concessão da licença-maternidade de forma antecipada, com objetivo de preservar a saúde da gestante, sem prejuízo de sua remuneração, ainda que não houvesse incompatibilidade para o exercício do trabalho à distância.
Verifica-se que a legislação é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada das atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer as suas tarefas de forma remota. No entanto, não parece razoável imputar o custo decorrente da determinação do referido afastamento previsto na norma legal ao empregador.
Ademais, o art. 201, II, da Constituição Federal estabelece a proteção à maternidade pela seguridade social, de modo que eventuais ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
Situação tratada
No caso concreto, a parte autora atuava no ramo de comércio de artigos de vestiário e acessórios, e a sua empregada, que estava grávida, exercia as funções de administração da loja, atendimento de clientes, abertura e fechamento de caixa, supervisionando ainda toda a operação de venda ao consumidor.
Observa-se que diante do contexto e das peculiaridades do ramo de atividade empresarial da autora, ora recorrente, enquanto pessoa jurídica empregadora, sua empregada realmente estaria impossibilitada de realizar o mesmo trabalho de forma não presencial.
Dessa forma, deve ser reconhecido o direito de a empregadora pagar o salário-maternidade à funcionária afastada, por força da Lei nº 14.151/2021, enquanto durar o afastamento, excluindo os pagamentos da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais destinadas à previdência social, segundo a sistemática aplicável ao próprio benefício. Em consequência, também é pertinente o pedido de compensação (dedução) dos valores dos salários maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, nos termos do artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB nº 971/09.
Nesse sentido, colaciono precedentes dos Tribunais Regionais Federais da Quarta e Terceira Região:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI 11.451/2021. RESPONSABILIDADE PELO SALÁRIO. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, AO SAT/RAT E A TERCEIROS. NÃO INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. 1. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às empregadas afastadas durante o período de emergência, motivo pelo qual não deve incidir contribuição previdenciária, inclusive ao SAT/RAT e a Terceiros, sobre tal verba, nos termos da Tese de Repercussão Geral do STF nº 72, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/1991. 2. A solução dada ao caso se dá no sentido de enquadrar os pagamentos realizados pelas empresas como salário-maternidade, implicando na redução da contribuição previdenciária patronal, sem a efetiva implantação do referido benefício previdenciário. 3. O ônus financeiro imposto pela Lei 14.151/2021 diz respeito à relação jurídica tributária estabelecida entre a empregadora e o Fisco. Isto porque, enquadrar os pagamentos realizados pelas empresas como salário-maternidade, implica na redução da contribuição previdenciária patronal, sem a efetiva implantação do referido benefício previdenciário. (TRF4 5004228-38.2021.4.04.7116, SEGUNDA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 20/06/2023)
PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE DO TRABALHO PRESENCIAL DURANTE A EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA. CORONAVÍRUS. PAGAMENTO ANTECIPADO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DURANTE O PERÍODO DE AFASTAMENTO. DEDUÇÃO DO VALOR QUANDO DO PAGAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RECURSO INTERPOSTO PELO INSS. PRELIMINARES DE MÉRITO RECHAÇADAS. A LEI Nº 14.151/2021 NÃO ESTABELECEU A EFETIVA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS NO PERÍODO DO AFASTAMENTO DAS EMPREGADAS GESTANTES, IMPOSSIBILITADAS DE TRABALHAR À DISTÂNCIA PELA PRÓPRIA NATUREZA DAS SUAS ATIVIDADES. INCUMBE AO INSS SUPORTAR O ENCARGO PREVIDENCIÁRIO, ATUANDO O EMPREGADOR, AO PAGAR O BENEFÍCIO DIRETAMENTE ÀS EMPREGADAS, APENAS COMO FACILITADOR DA OBRIGAÇÃO DEVIDA PELA AUTARQUIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INCIDÊNCIA DO ART. 46 DA LEI Nº. 9.099/95. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.(TRF-3 - RI: 50281741020214036100, Relator: MARISA REGINA AMOROSO QUEDINHO CASSETTARI, Data de Julgamento: 17/02/2023, 9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 27/02/2023)
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação da Nicole Baldissera Soriano de Mello - ME para garantir o pagamento de salário-maternidade a todas as empregadas gestantes da parte autora que estejam em regime de trabalho remoto/teletrabalho por força da Lei 14.151/2021, desde que estejam impossibilitadas de executá-los à distância, enquanto permanecerem em trabalho remoto em função da emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, bem como para autorizar a compensação do montante despendido com a remuneração das referidas empregadas, quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias.
Fica a parte recorrida condenada a ressarcir as custas iniciais adiantadas pela recorrente e ao pagamento de honorários advocatícios, ora fixados em 10% do valor atribuído à causa, na forma do art. 85, §§8º e 11, do CPC.
É o voto.

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1027194-92.2021.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 1027194-92.2021.4.01.3900
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: NICOLE BALDISSERA SORIANO DE MELLO - ME
REPRESENTANTES POLO ATIVO: RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, ELTON BARROSO SINIMBU FILHO - PA18318-A, ITALO FURTADO MORELLI ACATAUASSU - PA31252-A e PEDRO BENTES PINHEIRO FILHO - PA3210-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL e outros
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DO TRABALHO EM RAZÃO DA PANDEMIA (COVID-19). COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.
1. A Lei nº 14.151/2021, criada durante o estado de emergência em saúde pública nacional, decorrente da pandemia do novo coronavírus, determinou o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades laborais, através da concessão da licença-maternidade de forma antecipada, com objetivo de preservar a saúde da gestante, sem prejuízo de sua remuneração, ainda que não houvesse incompatibilidade para o exercício do trabalho à distância.
2. O art. 201, II, da Constituição Federal estabelece a proteção à maternidade pela seguridade social, de modo que eventuais ônus financeiros resultante do distanciamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.
3. O art. 72 da Lei 8.213/91 determina que o benefício de salário-maternidade será pago pelo empregador que, posteriormente, será ressarcido pela Previdência Social.
4. Diante da omissão quanto à responsabilidade pelo pagamento do benefício, é possível que o empregador pague o salário-maternidade às funcionárias afastadas, por força da Lei nº 14.151/2021, enquanto durar o afastamento decorrente do estado de emergência pública pelo surto de Covid-19, segundo a sistemática aplicável ao próprio benefício, com a possibilidade de compensação posterior na esfera administrativa.
5. Sentença reformada.
6. Fica a parte recorrida condenada a ressarcir as custas iniciais adiantadas pela recorrente e ao pagamento de honorários advocatícios, ora fixados em 10% do valor atribuído à causa, na forma do art. 85, §§8º e 11, do CPC.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da Nicole Baldissera Soriano de Mello - ME, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
