
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:RAQUELLE MOREIRA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: TIAGO DO VALE PIO - GO31840-A, RODRIGO AGUIAR CRISPIM - DF36981-A e MARCUS PAULO RODRIGUES TORRES - GO22886-A
RELATOR(A):LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO

APELAÇÃO CÍVEL (198)1012120-63.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi acolhido o pedido inicial de concessão do benefício de salário-maternidade a trabalhadora rural.
Houve a condenação dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor atualizado da soma das parcelas vencidas, conforme dicção da súmula 111, do Superior Tribunal de Justiça, e fixação de multa prévia.
Em suas razões, a autarquia apelante pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento de que não estão presentes os requisitos necessários à concessão do benefício. Ao final, formula pedidos subsidiários relacionados à prescrição qüinqüenal e a exclusão da multa prévia.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.

VOTO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Do efeito suspensivo
Tratando-se de sentença que condenou a parte ré a implementar benefício previdenciário que atende a necessidade de natureza alimentar, não merece acolhimento o pedido formulado pela apelante para recebimento do recurso com efeito suspensivo, por força do disposto no art. 1.012, §1º, inciso II, do CPC.
Da prescrição
Em se tratando de relações jurídicas de trato sucessivo, a prescrição quinquenal atinge apenas as parcelas vencidas no período anterior aos cinco anos que precedem o ajuizamento da ação, não atingindo a pretensão ao próprio fundo de direito (Súmula 85 do STJ).
O salário-maternidade
O objeto da presente demanda é o instituto do salário-maternidade de segurada especial, previsto no artigo 7º da Constituição Federal, que, em seu inciso XVIII, aduz que é devido “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias”.
O salário-maternidade, no valor de um salário mínimo, é devido à segurada especial da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência.
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADIs 2.110 e 2.111/DF, reconheceu a inconstitucionalidade o art. 25, III, da Lei nº 8.213/91, afastando a exigência de carência de 10 (dez) meses de efetivo desempenho de atividade rural para a concessão do salário-maternidade.
O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, III, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/99 (Plenário, 21/3/2024). O acórdão, no ponto, restou assim ementado:
AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRIMEIRA REFORMA DA PREVIDÊNCIA (EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/1998 E LEI N. 9.876/1999). JULGAMENTO CONJUNTO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI N. 9.876/1999. REJEIÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. FATOR PREVIDENCIÁRIO E AMPLIAÇÃO DO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO (PBC) DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. CONSTITUCIONALIDADE. ATESTADO DE VACINAÇÃO E FREQUÊNCIA ESCOLAR PARA RECEBER SALÁRIO FAMÍLIA.EXIGÊNCIA LEGÍTIMA. REVOGAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR N. 84/1996 PELA LEI N. 9.876/1999. POSSIBILIDADE. AÇÕES DIRETAS CONHECIDAS EM PARTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO AOS ARTS. 25 E 26 DA LEI N. 8.213/1991, NA REDAÇÃO DA LEI N. 9.876/1999. IMPROCEDÊNCIA DOS DEMAIS PEDIDOS. (...) 3. A exigência legal de carência para a percepção do benefício de salário-maternidade pelas seguradas contribuintes individuais e seguradas especiais (caso contribuam e requeiram benefício maior que o valor mínimo) foi reformulada, desde a propositura das ações diretas em julgamento, pela Medida Provisória n. 871/2019 e pela Lei n. 13.846/2019, remanescendo, porém, o período mínimo de 10 (dez) meses para a concessão do benefício. 4. Viola o princípio da isonomia a imposição de carência para a concessão do salário-maternidade, tendo em vista que (i) revela presunção, pelo legislador previdenciário, de má-fé das trabalhadoras autônomas; (ii) é devido às contribuintes individuais o mesmo tratamento dispensado às seguradas empregadas, em homenagem ao direito da mulher de acessar o mercado de trabalho, e observado, ainda, o direito da criança de ser cuidada, nos primeiros meses de vida, pela mãe; e (iii) há um dever constitucional de proteção à maternidade e à criança, nos termos do art. 227 da Constituição de 1988, como sublinhou o Supremo no julgamento da ADI 1.946. (...) 9. Ações parcialmente conhecidas, e, na parte conhecida, pedido julgado parcialmente procedente, quanto à alegada inconstitucionalidade dos arts. 25 e 26 da Lei n. 8.213/1991, na redação da Lei n. 9.876/1999, conforme postulado na ADI 2.110, e improcedente em relação às demais pretensões, declarando-se a constitucionalidade dos dispositivos impugnados. (grifos nossos)
Do regime de economia familiar/regime individual
Nos termos do art. 11, §10, da Lei nº 8.213/91, considera-se trabalho rural em regime de economia familiar a atividade em que o labor dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, ainda que com auxílio eventual de terceiros.
Das provas – qualidade de segurado
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive aqueles que estejam em nome de membros do grupo familiar (REsp n. 1.354.908/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 9/9/2015, DJe de 10/2/2016).
A Primeira Seção da Corte Superior sedimentou entendimento, inclusive sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, acerca da possibilidade de extensão da eficácia probatória da prova material, tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento apresentado, desde que corroborada por robusta prova testemunhal (Súmula n. 577/STJ), não admitindo, nos termos da Súmula 149, a prova exclusivamente testemunhal (AgInt no REsp n. 1.949.509/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 17/2/2022.).
Do caso concreto
No caso, o juiz monocrático bem fundamentou a concessão do benefício, não merecendo reparos a sentença posta, conforme o seguinte trecho:
"(...)Da análise dos autos, fazem-se presentes os requisitos que autorizam a concessão do benefício: a prova documental apresentada comprova a qualidade de trabalhadora rural da segurada, conforme assento de nascimento registrado sob o n° 1.695, do qual se extrai que a requerente é residente e domiciliada na comunidade Kalunga, em meio rural (ev. 01- doc. 06- fl.02), além da ficha clínica da autora, constando na profissão “lavradora” (fl.05). (...)Em sede de audiência de instrução, a autora, ouvida em juízo, narrou ter dezoito anos e que quando Lucas nasceu trabalhava na roça de seu pai, com plantações. Narrou, ainda, que plantava para a própria subsistência e que antes do nascimento de Lucas, auxiliava os genitores na roça, capinando e plantando arroz, feijão, abóbora. Ensinou o juízo como plantar milho, bem como “cavar a cova de plantação”. A senhora Maria José dos Santos, ouvida em juízo, disse que conhece a autora da comunidade Kalunga. Afirmou que planta para própria subsistência, juntamente aos seus genitores, realizando plantação de milho, arroz, mandioca. Por fim, acrescentou que a autora nunca residiu em âmbito rural. O senhor Valdesin Fernandes da Cunha, ouvido em juízo, disse que conhece a autora desde quando nasceu. Disse que também é Kalunga e que exerce trabalho exclusivamente na roça, plantando com a família. Narrou que a autora reside com os pais e que agora construiu um “barraquinho”, em que reside na comunidade Kalunga. Com efeito, pela análise da prova oral coligida, esta revela-se coerente e harmônica com os documentos acostados aos autos, corroborando as informações ventiladas na peça vestibular, sendo de rigor o reconhecimento do direito ao auxílio-maternidade relativo ao filho mais novo da requerente Vejamos: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. 1. A segurada especial definida no artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/91, tem direito ao benefício de salário-maternidade mediante comprovação do exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores ao parto (art. 71 da Lei 8.213/91 e art. 93, § 2º do Decreto 3.048/99). 2. Deve ser reconhecido o direito ao benefício uma vez estando comprovado o efetivo exercício de atividade rural, pelo prazo de carência necessário, mediante início razoável de prova material, corroborado por prova testemunhal. 3. Apelação a que se nega provimento. (TRF-1 - AC: 10206225920214019999, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA MAURA MARTINS MORAES TAYER, Data de Julgamento: 15/09/2021, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: PJe 22/09/2021 PAG PJe 22/09/2021 PAG). Diante disto, havendo elementos coesos para fins de demonstração da atividade rural, inclusive com as testemunhas e pela narrativa da autora reafirmando a tese disposta na inicial, caberia à Autarquia Federal demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, com a juntada dos elementos probatórios correspondentes, incidindo a regra do art. 373, II, do Código de Processo Civil. No caso, além de não trazer quaisquer fatos que possam extinguir ou modificar o direito pleiteado, o representante da Autarquia Federal não compareceu à audiência, nem tampouco manifestou-se durante a fase instrutória(...)"
Assim sendo, restando demonstrada a condição de segurado especial rural, a parte autora faz jus ao benefício de salário-maternidade.
Dos acessórios
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação ou do ajuizamento da ação, em observância ao entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na tese sob o Tema 350, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal, sob pena de violação ao princípio da no reformatio in pejus.
À multa prévia por descumprimento do comando de implantação do benefício, o entendimento desta Corte é de que a sanção somente é aplicável na hipótese de efetivo descumprimento do comando relativo à implantação do benefício.
Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR URBANO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC. REQUISITOS PREENCHIDOS. MULTA DIÁRIA. IMPOSIÇÃO À FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. São requisitos para a concessão/restabelecimento dos benefícios previdenciários de auxilio-doença/aposentadoria por invalidez: a) comprovação da qualidade de segurado; b) carência de 12 contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II da Lei 8.213/91; c) incapacidade parcial ou total e temporária (auxilio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez). 2. No que diz respeito à comprovação da incapacidade parcial ou total e temporária (auxilio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez), é cediço que embora a perícia médica realizada pelo INSS goze de presunção de legitimidade, esta não é absoluta, podendo ser relativizada. Precedentes. 3. Na hipótese, verifica-se que os documentos juntados aos autos evidenciam, em um juízo prelibatório, a incapacidade laboral. 4. Presença dos pressupostos que autorizam a concessão do benefício em questão. 5. A posição desta Corte é no sentido de que a cominação antecipada de multa pelo juízo a quo em caso de descumprimento da decisão que determinou a implantação do benefício é incompatível com os preceitos legais da Administração Pública. 6.Agravo de Instrumento parcialmente provido para excluir a cominação de multa diária. ( AG 1016178-12.2018.4.01.0000, Desembargador Federal João Luiz de Sousa, Segunda Turma, PJe de 22/07/2020).
Finalmente, nos termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905), devem ser aplicados o INPC para a correção monetária e juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
O Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal em sua versão mais atualizada contempla a unificação dos critérios de cálculos nos processos em trâmite na Justiça Federal com base na legislação e entendimentos consolidados pelos Tribunais Superiores.
Manutenção dos honorários advocatícios arbitrados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para afastar a multa prévia
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada

APELAÇÃO CÍVEL (198)1012120-63.2023.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RAQUELLE MOREIRA SILVA
Advogados do(a) APELADO: MARCUS PAULO RODRIGUES TORRES - GO22886-A, RODRIGO AGUIAR CRISPIM - DF36981-A, TIAGO DO VALE PIO - GO31840-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. AFASTAMENTO DA MULTA PRÉVIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMDA.
1. A segurada especial definida no artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/91, tem direito ao benefício de salário-maternidade. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADIs 2.110 e 2.111/DF, reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999.
2. Considerando o conjunto probatório dos autos, verifica-se que a autora logrou comprovar o efetivo exercício de atividade rural, mediante início razoável de prova material, corroborado por prova testemunhal.
3. Fica expressamente afastada a fixação prévia de multa, sanção esta que somente é aplicável na hipótese de efetivo descumprimento do comando relativo à implantação do benefício.
4. Manutenção dos honorários advocatícios arbitrados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
5. Apelação do INSS parcialmente provida (para afastar a multa prévia).
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada
