
POLO ATIVO: ELIZEU ARAUJO DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: NADIMA THAYS DIAS DE MENDONCA - MT21160-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por Elizeu Araújo dos Santos, na condição de sucessor de sua genitora, autora desta ação, em face de sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, ao fundamento de ausência de provas de incapacidade na ocasião da perícia.
O apelante alega, em preliminar, nulidade da sentença por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento de realização de perícia com médico especialista na patologia da autora. No mérito, sustenta que os laudos juntados comprovam a gravidade da patologia, pois a segurada faleceu no curso da ação. Requer, por isso, a reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido inicial; alternativamente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa e a determinação de realização de perícia médica indireta com a análise do prontuário médico no hospital onde a autora fez o tratamento.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Habilitação dos sucessores
Elias Ferreira dos Santos, filho de Eronilde Oliveira de Araújo Ferreira dos Santos, autora nesta ação, e Elias Ferreira dos Santos, nascido em 17/04/2000, requereu sua habilitação nestes autos, na condição de único herdeiro da genitora, falecida em 18/03/2019.
Intimado a manifestar-se sobre o requerimento, o INSS impugnou a habilitação, alegando que o nome da falecida constante na certidão de óbito (Eronilde Olviera de Araújo) divergia dos documentos apresentados quando do ajuizamento desta ação (Eronilde Oliveira de Araújo Ferreira dos Santos).
No entanto, conforme consta da certidão de casamento com averbação de divórcio, houve alteração do nome da autora, que já utilizava o sobrenome de solteira quando faleceu. Portanto, o apelante comprovou ser filho da autora falecido e, nos termos do que dispõem os arts. 687 a 692 do Código de Processo Civil, pode ser habilitado como seu sucessor.
Ante a ausência de manifestação no juízo da origem sobre o requerimento de habilitação do ora apelante, sanando a questão relativa à legitimidade recursal, homologo a habilitação requerida por Elias Ferreira dos Santos e recebo a apelação por ele interposta, pois presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Mérito
Concessão ou restabelecimento de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto nos arts. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei de Regência.
Requisitos
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência (segurado urbano) e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
Caso dos autos
A autora ajuizou esta ação em 2018, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença ou a concessão de aposentadoria por invalidez desde a data da cessação do benefício anterior (26/08/2014).
O requerimento administrativo foi indeferido ao fundamento de perda da qualidade de segurada. Entretanto, a jurisprudência se consolidou no sentido de que não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de exercer suas atividades laborais em decorrência de agravamento de patologia incapacitante.
Ademais, a autora recebeu auxílio-doença em 2014 e o pedido formulado nesta ação refere-se a restabelecimento daquele benefício. Se comprovado que a segurada ainda estava incapaz quando foi suspenso o benefício, não há falar em perda da qualidade de segurada, pois a concessão administrativa anterior comprova a qualidade de segurada da requerente.
A autora alegou na inicial que era portadora de neoplasia maligna da pele e, também, de depressão. O primeiro perito intimado para realização da perícia declinou da avaliação por ser especialista em ortopedia e peticionou ao juízo da origem sugerindo que a autora “necessitava de avaliação por médico dermatologista e psiquiatra”.
As informações dos autos sugerem que a autora era portadora de várias patologias importantes e que não foram consideradas nas perícias administrativa e judicial e outro documento que considero relevante anotar é o relatório de acompanhamento social, realizado pela Prefeitura Municipal de Sorriso-MT, o qual registrou que a autora fazia tratamento para câncer de pele, mas também apresentava “nódulos no pulmão e na cabeça”, diagnosticados quando ela acompanhava o tratamento do filho, também portador de câncer de “Linfoma de Hadgkin, esclerose nodular” (fls. 25/26 e 58-rolagem única-PJe/TRF1).
A perícia judicial foi realizada em 24/10/2018, por médica especialista em dermatologia, que registrou no laudo que a autora (39 anos à época, costureira) apresentou histórico de tratamento de dois tipos de câncer de pele malignos, mas registrou o tratamento que a autora se submeteu, portanto, estava curada e não apresentava incapacidade laboral naquela ocasião, concluindo a perícia nestes termos (fls. 63-69):
A requente apresenta laudo médico, relatando que faz regularmente acompanhamento no Hospital de Câncer de MATO GROSSO desde 2012, devido histórico de melanoma e carcinoma basocelular. O laudo afirma que as duas doenças mencionadas foram devidamente tratadas, estando a mesma curada.
Sugiro comprovação por meio de relatórios médicos, caso o quadro de depressão relatado no processo, esteja impedindo a requerente de realizar a sua atividade laboral.
Sugiro comprovação por meio de relatórios médicos, caso a doença do filho da requerente mencionada no processo, esteja impedindo a mesma de exercer a sua atividade laboral.
Cinco meses depois (18/03/2019), a autora faleceu, tendo a causa da morte sido registrada na certidão de óbito por “neoplasia cerebral” (fl. 90), o que confirma o relatório social emitido pela Prefeitura Municipal de que a autora era portadora, não só de câncer de pele, mas de outras patologias graves e que não foram consideradas na perícia judicial realizada.
A sentença de improcedência está fundamentada nestes termos (grifou-se):
De outro lado, a razão do óbito informada na Certidão de Óbito da segurada, NEOPLASIA CEREBRAL, não guarda relação direta com as enfermidades narradas na peça de ingresso, quais sejam, MELANOMA EXTENSIVO SUPERFICIAL; CARCINOMA BASOCELULAR; CERATOSE ACTÍNICA e OUTRAS NEOPLASIAS MALIGNAS DA PELE (CID10 C44), doenças as quais a perita médica judicial apontou estarem curadas, não havendo, portanto, relação entre as moléstias e tampouco de eventual agravamento com a enfermidade que deu causa ao falecimento da segurada.
Desta feita, não comprovado o requisito da incapacidade para atividade laborativa que garanta à “de cujus” sua própria subsistência à época do requerimento da manutenção do benefício auxílio-doença em 2014, nos termos do art. 42 e seguintes da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social, a improcedência dos pedidos iniciais é medida que se impõe na espécie.
Verifica-se equívoco na fundamentação utilizada pelo juiz a quo para julgar improcedente o pedido, porquanto o requisito legal da prova de incapacidade independe da relação entre as patologias citadas pela segurada quando requer o benefício ou ajuíza a ação judicial e aquelas efetivamente comprovadas por perícia médica, porquanto a pessoa que se sente sem condições de trabalhar, muitas vezes, sequer tem diagnóstico e/ou prognóstico conclusivos quando requer o benefício.
Entendo, ainda, precoce o julgamento que concluiu pela inexistência de incapacidade da autora, que faleceu em decorrência do agravamento das patologias de que padecia, quando há outros elementos nos autos que indicavam a necessidade de avaliação médica por outras especialidades diversas da dermatologia, conforme registro no próprio laudo da perícia judicial e não considerada na origem.
As informações dos autos indicam que a segurada encontrava-se em situação vulnerável, com saúde debilitada, tanto é que faleceu no curso da ação. Esse triste fato poderia, em princípio, evidenciar a incapacidade e autorizar, nesta instância, a concessão do benefício pleiteado na inicial se houvesse outros elementos de prova nos autos, como relatórios médicos particulares, que atestassem que a autora estava inapta para o trabalho em decorrência de alguma das patologias, mas não há.
Como, neste caso, o interesse recursal decorre não mais na implantação do benefício, mas nos efeitos da declaração do direito da segurada ao benefício e, por consequência, em relação às parcelas pretéritas a que a segurada teria direito se comprovada a incapacidade desde a data da cessação do benefício anterior em 2014, a prova de inaptidão para o trabalho desde aquela época, mostra-se fundamental para a resolução do mérito, não só para a fixação do termo inicial do benefício, se for devido, mas para a aferição do requisito da qualidade de segurada da autora, já que não houve recolhimentos da contribuição previdenciária após a cessação do benefício anterior.
Com essas observações, ficou evidente que houve prejuízo à autora, o que configura o cerceamento de defesa, pois a perícia judicial limitou-se a avaliar a patologia relativa à especialidade de dermatologia (câncer de pele) e foi inconclusiva em relação às demais patologias de que a autora era portadora. Portanto, deve-se oportunizar à parte interessada a complementação da prova e a realização de perícia indireta, para o fim de comprovar o que foi alegado na inicial.
Nesse sentido, precedentes de casos análogos deste Tribunal:
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E/OU MENTAL. ÓBITO DA PARTE AUTORA. HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES. POSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS E PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ESTUDO SOCIAL REALIZADO POR MEIO DE PERÍCIA INDIRETA. POSSIBILIDADE. 1. Recurso de apelação interposto contra sentença que negou a concessão de benefício assistencial. 2. Embora o benefício assistencial seja pessoal e intransferível, os sucessores têm direito de receber os valores reconhecidos no processo até a data do falecimento do beneficiário, nos termos do parágrafo único do artigo 23 do Decreto nº 6.214/2007. 3. Os sucessores têm legitimidade para receber os valores que não foram pagos ao segurado falecido, uma vez que esses valores já estavam incorporados ao patrimônio jurídico do falecido na data do óbito. Precedentes. 4. No presente caso, o falecimento da parte autora ocorreu antes da realização do estudo social. O estudo social é uma prova essencial em casos que envolvem a concessão do benefício assistencial, conforme previsto nos §§ 2º e 6º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. É necessário realizar um estudo social indireto para comprovar a condição de miserabilidade. 5. A sentença deve ser anulada e os autos devem retornar ao juízo de origem para dar continuidade ao processo, com a habilitação dos herdeiros e a realização do estudo social indireto. 6. Apelação da parte autora provida.
(AC 1026763-31.2020.4.01.9999, Des. Fed. JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 15/06/2023).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FALECIMENTO DA PARTE AUTORA NO CURSO DOS AUTOS. HABILITAÇÃO DE EVENTUAIS HERDEIROS. POSSIBILIDADE. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA INDIRETA. CABIMENTO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. 1. Apelação contra sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por ocorrência do falecimento da parte autora. 2. Ocorrendo o falecimento da parte, no curso do processo, seus herdeiros podem se habilitar como sucessores, devendo ser observado o procedimento próprio de habilitação, na instância de origem, por ocasião da efetivação do julgado ou na via administrativa. 3. O falecimento da parte autora, no curso dos autos, não impede os sucessores de receberem as parcelas pretéritas eventualmente devidas a título de benefício previdenciário até a data do óbito. 4. O feito não se encontra maduro para julgamento, impondo-se o retorno dos autos, para dilação probatória. 5. Considerando que ainda não foi concluída a fase instrutória, impõe-se a anulação da sentença que extinguiu o feito por falta de interesse processual, com o retorno dos autos ao Juízo de origem, para regular processamento. 6. Importa averiguar, mediante realização de prova técnica imparcial e equidistante das partes - ainda que por meio de perícia médica indireta -, se a parte autora atendia os requisitos exigidos, sem o que se inviabiliza o correto deslinde do presente processo. Precedentes desta Corte. 7. Apelação da parte autora provida, para determinar o retorno dos autos à Vara de origem, para regular processamento.
(AC 1014372-73.2022.4.01.9999, Juiz Fed. FAUSTO MENDANHA GONZAGA, TRF1 – Segunda Turma, PJe 16/08/2023).
Ante a situação destes autos, a sentença deve ser anulada com o retorno dos autos à origem para oportunizar à parte habilitada a complementação da prova que entender necessária e a realização de perícia médica indireta.
Honorários recursais
Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC ao caso dos autos, tendo em vista o que foi decidido no Tema 1.059/STJ.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para oportunizar a complementação da prova de incapacidade da parte autora, a realização de perícia médica indireta, e o regular processamento do feito, nos termos deste voto.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1016056-67.2021.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 1001778-55.2018.8.11.0040
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: ELIZEU ARAUJO DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SEGURADA URBANA. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA COM CONVERSÃO PARA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO INCONCLUSIVO. ÓBITO DA AUTORA. HABILITAÇÃO DE HERDEIRO.COMPLEMENTAÇÃO OU NOVA PERÍCIA INDIRETA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA.
1. A concessão de benefício previdenciário por incapacidade requer o cumprimento de ambos os requisitos, qualidade de segurado e incapacidade laboral. No caso, a sentença de improcedência está fundamentada na ausência de provas da incapacidade.
2. A autora ajuizou esta ação em 2018, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença cessado em 2014, por ser portadora de neoplasia maligna de pele e depressão.
3. Realizada a perícia judicial por dermatologista, o laudo atestou que a autora estava curada do câncer de pele, mas sugeriu a complementação do exame por relatórios médicos que demonstrassem a incapacidade pelas demais patologias reclamadas pela segurada. Cinco meses após a realização do exame pericial, a autora faleceu em consequência de “neoplasia cerebral”.
4. A sentença julgou improcedente o pedido, ao fundamento de ausência de provas da incapacidade.
5. Habilitação do herdeiro/sucessor nesta instância recursal, nos termos dos arts. 687 a 692 do CPC/2015. Pedido recursal de reforma integral da sentença, alternativamente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
6. Na hipótese, não há provas suficientes nestes autos de que em 2014, quando cessado o benefício anterior, a incapacidade da autora remanescia, o que impede a concessão do benefício neste momento processual. De outro lado, está caracterizado o cerceamento de defesa, porque evidenciado o prejuízo à parte autora, em razão de a perícia judicial realizada ter sido inconclusiva e não ter sido oportunizado à segurada a produção de provas com outra especialidade médica.
7. Ante a situação verificada nestes autos, a sentença deve ser anulada com o retorno dos autos à origem para oportunizar à parte habilitada a complementação da prova que entender necessária para comprovar as alegações da inicial, inclusive, com perícia médica indireta.
8. Apelação provida, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para oportunizar a complementação da prova de incapacidade laboral da autora, a realização de perícia médica indireta, e o regular processamento do feito.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
