
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:DELMA APARECIDA PLACIDO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ADALBERTO CESAR PEREIRA MARTINS JUNIOR - MT22241-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS em face de sentença que julgou procedente a pretensão e condenou-o a restabelecer o auxílio-doença à parte autora, desde a data da cessação do benefício anterior (18/04/2018), com conversão para aposentadoria por invalidez, a partir da perícia médica (24/10/2018).
O apelante alega, em preliminar, a necessidade de suspensão do julgado, tendo em vista a afetação do Tema 1.013 pelo STJ, que trata da questão posta neste recurso. No mérito, sustenta a impossibilidade de pagamento concomitante do benefício com remuneração. Sustenta que o retorno voluntário da segurado à sua atividade habitual demonstra que a autora estava capaz e, por isso, requer a reforma da sentença para que julgado improcedente o pedido. Na eventualidade, requer a fixação da DIB na data da cessação das atividades pela autora ou o desconto dos salários de contribuição vertidos no período concomitante.
É o relatório.
Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Benefício por incapacidade
Conforme disposto no art. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei 8.213/91.
A concessão de benefício previdenciário por incapacidade requer o preenchimento dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
Caso dos autos
A controvérsia limita-se à prova da incapacidade laboral da parte autora, em razão de ter contribuído para a Previdência Social após a cessação do auxílio-doença em 18/04/2018.
O CNIS juntado aos autos indica vínculo empregatício junto ao Estado de Mato Grosso dual até 06/2019 (fl. 126-rolagem única-PJe/TRF1).
De acordo com o laudo, a autora (42 anos na época, técnica de enfermagem) apresentou acidente vascular cerebral hemorrágico por provável trombofilia em 2016, que evoluiu para sequela de parestesia e diminuição da força de membro superior direito, além de hérnia de disco cervical com grave estenose de canal vertebral com radiculopatia e sequela motora e sensitiva em membros superiores. Aguarda procedimento cirúrgico pelo SUS com limitação funcional importante, concluindo pela existência de incapacidade total e permanente para o trabalho, sem condições de reabilitação profissional. (fls. 90-100-rolagem única-PJe/TRF1).
Exercício da atividade remunerada após o requerimento administrativo
O e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.013), analisou a questão controvertida acerca da possibilidade de recebimento de benefício por incapacidade, concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício, nestes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
(...).
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1.786.590/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 1/7/2020).
O referido precedente do STJ afasta a tese do INSS de inexistência de incapacidade em razão de a parte autora ter tido vínculo empregatício mesmo após o requerimento administrativo ou a cessação do benefício por incapacidade, também impossibilita o desconto do período em que houve atividade remunerada.
Consoante entendimento jurisprudencial do STJ, o termo inicial do benefício por incapacidade deve ser a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Precedentes: AgInt no AREsp n. 1.961.174/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022; REsp 1.475.373/SP, Rel. Min. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 8/5/2018.
Portanto, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a pretensão autora e fixou a DIB na data da cessação do benefício anterior.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos, desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC/2015.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1021592-93.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 1000826-72.2018.8.11.0009
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DELMA APARECIDA PLACIDO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TRABALHADORA URBANA. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA COM CONVERSÃO PARA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA CONCOMITANTE COM PERÍODO DAS PARCELAS RETROATIVAS. POSSIBILIDADE. TEMA 1013. SENTENÇA MANTIDA.
1. A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
2. No caso, o auxílio-doença foi cessado em 18/04/2018 e a parte autora contribuiu para a Previdência Social, na condição de empregada urbana, até 06/2019. De acordo com o laudo, a autora (42 anos na época, técnica de enfermagem) apresentou acidente vascular cerebral hemorrágico por provável trombofilia em 2016, que evoluiu para sequela de parestesia e diminuição da força de membro superior direito, além de hérnia de disco cervical com grave estenose de canal vertebral com radiculopatia e sequela motora e sensitiva em membros superiores. Aguarda procedimento cirúrgico pelo SUS com limitação funcional importante, concluindo pela existência de incapacidade total e permanente para o trabalho, sem condições de reabilitação profissional.
3. Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese jurídica: “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”. (REsp 1.786.590/SP, Tema 1.013).
4. Assim, correta a sentença que determinou ao INSS o restabelecimento do auxílio-doença desde a data de cessação do benefício anterior com a conversão para a aposentadoria por invalidez a partir da perícia, por isso, deve ser mantida integralmente.
5. Honorários de advogado majorados em dois pontos percentuais, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015 e da tese fixada no Tema 1.059/STJ.
6. Apelação do INSS não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator