
POLO ATIVO: VANILDE CANDIDA PIO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RENATTA TEODORO GONCALVES - GO54231-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1020645-34.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por Vanilde Candida Pio em face de sentença de ID364536644 (págs. 1 a 3) que negou a aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015).
Nas razões da apelação (ID 364536645 - Pág. 1 a 7), a parte recorrente alegou, em síntese: 1) nulidade da sentença recorrida pela ausência de fundamentação; 2) comprovação do período de atividade rural em tempo superior ao necessário para cumprimento de carência; 3) ainda que possua somente 1(uma) contribuição urbana, faz jus a concessão do benefício, porque a lei não fala em exigência mínima ou máxima de contribuições sob uma categoria para obtenção do benefício.
A parte recorrente pediu o provimento do recurso para anular a sentença recorrida e, no mérito, a reforma integral, com julgamento de procedência do pedido
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1020645-34.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
Deve ser afastada a arguição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, porque o referido ato processual apresentou, de forma suficientemente explícita, as razões do convencimento judicial, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
A partir de 13/11/2019, com a entrada em vigor da EC 103/2019, a aposentadoria por idade passou a ser devida ao segurados que preencherem os requisitos etários de 65 (sessenta e cinco) anos se homem, e 62 (sessenta e dois anos) se mulher, observadas as regras de transição.
Conforme regra de transição, prevista no artigo 18, §1º, da EC 103/2019, a contar de janeiro de 2020, para a mulher que completou 60 (sessenta) anos, aumentou a idade mínima a cada 6 (seis) meses, partindo da premissa de que já era filiada à Previdência anteriormente à Reforma. Para o ano de 2021, o requisito etário é de 61 anos; para o ano de 2022 é 61 anos e 6 meses. A partir de janeiro de 2023 terminará a regra transitória, sendo exigido da segurada mulher que implemente 62 anos de idade na DER.
A parte autora apresentou requerimento administrativo em 2022 (DER em 01/08/2022, conforme ID 364536630 - Pág. 26), pelo que incidirá a regra de transição da EC 103/2019. Verifica-se que no ano da DER, exigida a idade mínima de 61 anos e 6 meses. No caso da autora, completado 61 anos e 6 meses em 22/09/2010 (nascimento em 22/03/1949, conforme ID 364536635 - Pág. 10).
A concessão do benefício previdenciário referido na causa depende da demonstração, por prova idônea e suficiente de tempo de serviço/contribuição, efetivada por prova documental plena ou início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal. A Súmula 27 do TRF1 estabelece que “Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/1991, art. 55, § 3º)”.
A parte rural da carência não se encontrar sujeita ao recolhimento das contribuições correspondentes para efeito de sua utilização para obtenção do benefício de aposentadoria por idade no RGPS, conforme entendimento jurisprudencial dominante (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019).
É pacífica a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que permite a aceitação de outros documentos para a comprovação do exercício de atividade rural.
Na consideração da abrangência temporal da documentação apresentada, pode ser aplicada a inteligência da Súmula 577 do STJ, que estabelece que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório”.
As disposições contidas no § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003 dispensou o requisito da qualidade de segurado, na hipótese da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Irrelevante manter o segurado essa qualidade na data do implemento do requisito idade, pois nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/03, “na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”. (TRF-1 - AC: 10184940320204019999, Relator: JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO, Data de Julgamento: 30/06/2021, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: PJe 02/07/2021 PAG PJe 02/07/2021 PAG).
O referido dispositivo legal estabelece o seguinte:
Lei 10.666/2003.
Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
§ 2o A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do § 1o, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3o, caput e § 2o, da Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.
Consigne-se, ao ensejo, que em se tratando de aposentadoria por idade híbrida não se exige a simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural.
No caso em apreço, a atividade urbana foi comprovada pela apresentação do CNIS (ID 364536631 - Pág. 36), com registro de contribuição de 01/07/2022 a 31/07/2022, equivalente a 1 mês para efeito de carência.
Ao § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 não pode ser emprestada interpretação restritiva, de modo que a presença de parcas contribuições urbanas não é motivo válido para negar o benefício, se preenchido os requisitos exigidos, com o cômputo do trabalho rural exercido em regime em economia familiar, suficiente para a concessão da aposentadoria por idade híbrida.
Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
A autora alegou ter laborado nas lides campesinas no período de 15/06/1965 a 14/05/1980, suficiente para cumprimento da carência necessária.
O início de prova material da atividade rural está presente nos seguintes documentos: certidão de casamento da autora, lavrada no ano de 1965, na qual o cônjuge está qualificado como lavrador (ID 364536630 - Pág. 11); Escritura de Imóvel, referente a uma gleba de terra rural, com área de 2 alqueires e 41 litros, adquirido pelo cônjuge da autora, em 18/07/1973 (ID 364536630 - Pág. 12).
São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014).
Oportunamente, ressalto que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça.
A título de início de prova material, a certidão de casamento e a escritura de imóvel rural erigem-se em documentos hábeis a sinalizar a condição de rurícola da autora, prestando-se a prova testemunhal para complementar e ampliar a força probante dos referidos documentos (Súmula 149/STJ).
Ainda, da análise do extrato CNIS de Jovelino Barbosa Pio (ID 364536634 - Pág. 19 e 20), cônjuge da autora, verifica-se a existência de período reconhecido como segurado especial, com data de início em 31/12/2007 e anotação do indicador “PSE-POS” (período segurado especial positivo), o que denota a presença de prova de trabalho em regime de economia familiar, extensível à parte autora.
Ainda, foi concedido à Jovelino Barbosa Pio (cônjuge da parte autora) benefício previdenciário de Aposentadoria por Idade (NB 1338666166; DIB em 29/03/2005), o que permite concluir pela existência de labor rural em período anterior.
O conjunto probatório é satisfatório em demonstrar o labor rural da autora no período de 15/05/1965 até 14/05/1980.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 364536643) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental.
O tempo de serviço rural acima referido, no período de 1965 a 1980 (na condição de segurado especial), acrescido do tempo já certificado pelo CNIS, pode ser utilizado para o cumprimento da carência mínima necessária para concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Foram alcançadas a carência mínima de 180 contribuições e a idade mínima, necessárias para a concessão do benefício previdenciário.
A sentença recorrida deve ser reformada, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante a seguir transcrito.
TESE 1007 do STJ: O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação processual de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento, reformar a sentença e condenar o INSS a:
1.implantar o benefício de aposentadoria por idade híbrida desde o requerimento administrativo (01/08/2022);
2. pagar os valores devidos a serem calculados pela autarquia previdenciária, com aplicação de correção monetária e juros nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado, ressalvados os valores alcançados pela prescrição quinquenal e o montante pago administrativamente ou em cumprimento de tutela.
Quanto à verba honorária, inverto-a em favor da parte autora, fixando-a em 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação do acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º, e art. 11, ambos do CPC/2015.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1020645-34.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 5644905-62.2022.8.09.0032
RECORRENTE: VANILDE CANDIDA PIO
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. HÍBRIDA. APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE LABORAL RURAL E URBANA COMPROVADAS. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. APLICAÇÃO DA TESE 1007 DO STJ. NULIDADE AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Afastada a arguição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, pois exposto pelo Juízo de origem, de forma suficientemente explícita, as razões que lhe formaram o convencimento (art. 93, IX, CF/88).
2. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
3. As disposições contidas no § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003 dispensou o requisito da qualidade de segurado, na hipótese da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
4. Ao § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 não pode ser emprestada interpretação restritiva, de modo que a presença de parcas contribuições urbanas não é motivo válido para negar o benefício, se preenchido os requisitos exigidos, com o cômputo do trabalho rural exercido em regime em economia familiar, suficiente para a concessão da aposentadoria por idade híbrida.
5. Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
6. Período de labor rural remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade (TESE 1007 do STJ).
7. São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014).
8. A título de início de prova material, a certidão de casamento e a escritura de compra e venda de imóvel rural erigem-se em documentos hábeis a sinalizar a condição de rurícola da autora, prestando-se a prova testemunhal para complementar e ampliar a força probante dos referidos documentos (Súmula 149/STJ).
9. Sentença reformada para concessão de aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
10. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
