
POLO ATIVO: TEODORA XAVIER DE SOUZA DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARCIO VINHAS BARRETTO - BA14427-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):CESAR CINTRA JATAHY FONSECA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0039266-27.2017.4.01.3300 PROCESSO REFERÊNCIA: 0039266-27.2017.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela ré Teodora Xavier de Souza dos Santos contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia (ID 154096439), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condená-la pela prática dos crimes previstos no art. 337-A, I e III, do Código Penal, art. 1°, I, da Lei 8.137/90, e art. 168-A, §1°, I, do Código Penal, todos em continuidade delitiva, à pena total (concurso material) de 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 34 (trinta e quatro) dias-multa, à razão de 1/30 (trigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, em regime inicial aberto.
Não houve substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito em razão do quantum condenatório.
De acordo com a denúncia, a apelante, na condição de gestora da firma individual Teodora Xavier de Souza — Centro Educacional Arco Iris, nas competências de 01/2008 a 12/2008 e 01/2009 a 08/2009, efetuou desconto das contribuições devidas por seus empregados à Previdência sem que tenha havido o seu integral recolhimento aos cofres públicos, assim como, deixou de informar nas Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIPs) as remunerações pagas à totalidade dos segurados nos períodos de 01/2008 a 12/2008 e 01/2009 a 11/2009, tendo suprimido o pagamento das contribuições previdenciárias e de contribuições devidas a outras entidades.
A denúncia foi recebida em 31/10/2017 e a sentença publicada em 05/11/2020.
Em suas razões recursais (ID 154096466), a ré alega a ocorrência da prejudicial de mérito de prescrição, afirmando que o crime de sonegação, tanto fiscal quanto previdenciária, tem o início a contagem do seu prazo prescricional verificada desde quando os tributos ou contribuições deveriam ter sido quitados e não o foram, não se tratando de crime continuado, mas sim de crime que prescreve em cada momento em que o tributo ou contribuição previdenciária deveria ter sido quitada, estando os créditos devidos prescritos, pois só foram inscritos em dívida ativa em 2015.
No mérito, alega não ter praticado qualquer crime, e que, quando muito, o que houve foi erro ou falha de gestão que gerou inadimplemento parcial de valores acordados e reconhecidos junto à Fazenda. Alega que é professora, e que, embora tenha assumido a posição de gestora de sua empresa, não tinha experiência em gestão, e que se houve erro foi por inexperiência sua e de seu contador, mas não por atitude deliberada, dolo ou má-fé, bem como aponta ausência de dolo específico referente à prática de sonegação fiscal.
Alega, ainda, que o seu contador, que trabalhou para ela de 2008 a 2013, não presta mais serviços à sua empresa, por motivo da sua incompetência e falta de conhecimentos no setor onde atua, o que somente mais tarde fora descoberto por ela, asseverando que ele tinha a gestão contábil da pessoa jurídica, isto é, que muito embora a responsabilidade e as decisões coubessem a ela, na condição de gestora, era o contador “quem fazia a gestão contábil dessas decisões e as encaminhava à Autoridade Fazendária”, e que jamais “praticou direta ou indiretamente, determinou ou orientou para que se praticasse de modo doloso ou intencional qualquer ato”.
Observa que sua empresa passou por grave situação de dificuldade financeira que levou a mesma a não conseguir realizar alguns recolhimentos à Previdência, o que ocorreu sem intenção de apropriação de valores ou de ganhos indevidos, tanto que tais valores foram objeto de parcelamento e de posterior acordo com o Órgão Previdenciário, quando afirma ter confessado sua dívida, e que só suspendeu o pagamento do acordo nos meses em que não possuía dinheiro para tanto, quando teve que optar entre pagar o parcelamento ou pagar o salário dos seus professores e demais empregados, pugnando pela extinção da punibilidade por força do quanto determina o parágrafo 2º do art. 168 - A do CP em relação aos crimes de apropriação Indébita previdenciária e de sonegação previdenciária.
Afirma, outrossim, que as provas que apresentou, relativas ao parcelamento do débito, sequer foram mencionadas na sentença. Que o depoimento do contador é viciado, pois ele tinha interesse em ocultar sua culpa, e que as testemunhas de defesa comprovam sua tese, mas que também não foram consideradas na sentença. Aduzindo a violação dos princípios constitucionais da responsabilidade pessoal pelo crime e da tipicidade do fato, pugna por sua absolvição, requerendo a concessão da justiça gratuita.
As contrarrazões foram ofertadas pela acusação (ID 154096469).
O Ministério Público Federal, em parecer (ID 157698051), opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
Sigam os autos ao exame do Revisor, que pedirá a designação de dia para o julgamento (art. 613, I, CPP).

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0039266-27.2017.4.01.3300 PROCESSO REFERÊNCIA: 0039266-27.2017.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR):
Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta.
A apelante foi condenada em 1ª instância pela prática dos crimes sonegação fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, e apropriação de contribuição previdenciária, condutas estas tipificadas no art. 1°, I, da Lei 8.137/90, art. 337-A, I e III, e art. 168-A, §1°, I, ambos do Código Penal, que assim dispõem:
Sonegação fiscal – Lei 8.137/90
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
(...)
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Sonegação de contribuição previdenciária - CP
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
(...)
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos
geradores de contribuições sociais previdenciárias:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa
Apropriação indébita previdenciária - CP
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
Da prejudicial de mérito de prescrição
A teor da jurisprudência do STJ, “os crimes de sonegação e apropriação indébita previdenciárias, a exemplo dos delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/1990, são materiais, não se configurando enquanto não lançado definitivamente o crédito, o que também impede o início da contagem do prazo prescricional” (AgRg nos EDcl no REsp 1806096 / SP, Relator Min. Néfi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 08/10/2019).
Desse modo, o marco inicial para cômputo do prazo prescricional inicia-se na constituição definitiva do crédito, que ocorreu em 24/05/2012 (ID 154096445 - Pág. 173). A inscrição em dívida ativa ocorreu em 2014 e 2015, portanto, dentro do prazo prescricional para a cobrança da dívida.
A denúncia foi recebida em 31/10/2017 e a sentença publicada em 05/11/2020.
Tendo em vista que a sentença condenatória transitou em julgado para o órgão acusatório, o prazo prescricional regula-se pela pena em concreto (art. 110, §1º, do CP).
A pena corporal definitiva fixada na sentença recorrida para cada um dos crimes foi de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, razão pela qual a prescrição é de 8 (oito) anos, conforme art. 109, IV, do CP.
No contexto, não transcorreu tal lapso temporal entre a data da constituição definitiva do crédito e o recebimento da denúncia, em relação a nenhum dos crimes imputados à apelante, nem entre esta data e a data da publicação da sentença penal condenatória recorrida.
Portanto, não há que se falar em extinção da punibilidade em face da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Mérito
Da materialidade
Do crime de apropriação indébita previdenciária
A materialidade do crime previsto no art. art. 168-A, §1°, do CP encontra-se demonstrada pelos documentos de Representação Fiscal para Fins Penais - RFFP e pelo processo administrativo correlato, onde consta o Auto de Infração - AI n° 37.376.881-8, referente ao período 01/2008 a 12/2008, no valor consolidado de R$50.939,52, e o AI n° 51.020.125-3, referente ao período 01/2009 a 08/2009, no valor consolidado de R$52.204,37, cujos créditos foram definitivamente constituídos e inscritos em Dívida Ativa da União.
Do crime de sonegação de contribuição previdenciária
A materialidade do crime previsto no art. 337-A, I e III, do CP ficou demonstrada pelos documentos de Representação Fiscal para Fins Penais-RFFP e processo administrativo correlato, onde consta o AI n° 37.376.88b-8, referente ao período 01/2008 a 12/2068, no valor consolidado de R$143.158,73 e AI n° '51.620.124-5, referente ao período de 01/2009 a 11/2009, no valor consolidado de R$128.796,86, cujo créditos foram definitivamente constituídos e inscritos em Dívida Ativa da União.
Do crime de sonegação fiscal
A materialidade do crime previsto no art. 1°, I, da Lei 8.137/90, ficou demonstrada pelos documentos de Representação Fiscal para Fins Penais e processo administrativo correlato, onde consta o Auto de Infração n° 37.376. 2-16, referente ao período 01/2008 a 12/2008, no valor consolidado de R$29.328,92 e o AI n° .51.024.929-9, referente ao período 01/2009 a 11/2009, no valor consolidado de R$27.640,57, cujos créditos foram definitivamente constituídos e inscritos em Dívida Ativa da União.
Da autoria e do elemento subjetivo do tipo penal
Quanto à autoria, não sobejam dúvidas. A apelante confessou em Juízo ser a única administradora do estabelecimento educacional, o que foi confirmado pelas testemunhas.
O fato dela ser professora e a alegação de que ela não tinha experiência em gestão, não lhe exime da responsabilidade criminal, uma vez que, se verdadeira a afirmação, optou por gerir uma empresa sem ter o conhecimento para tanto, assumindo os riscos, e, sobretudo, porque não é crível essa tese considerando o longo tempo que já possuía a empresa, pois sua escola foi fundada em 1986, há mais de 25 anos à época dos fatos, conforme comprova o documento ID 154096445 – Pág 15.
Quanto à alegação de que “se houve erro foi por inexperiência de seu contador”, tal tese também não se sustenta, porque ele continuou trabalhando para ela até o ano de 2013, mesmo após, segundo ela, ter descoberto erros da parte deste na prestação do serviço de contabilidade. Ademais, se o problema tivesse decorrido apenas de erro por parte do contador, quando da notificação do problema pelos órgãos públicos, ela já teria regularizado a situação e não afirmaria em Juízo que deixou de pagar contribuições alguns meses por falta de dinheiro, confessando, portanto, a ciência das irregularidades.
Quanto à alegação da apelante de que a gestão contábil da pessoa jurídica era feita pelo contador da empresa, tal alegação também não exclui sua culpabilidade, pois ouvido em Juízo, como informante, o contador Adauri afirmou que não trabalhava na empresa da ré, mas apenas lhe prestava serviço por meio de seu escritório de contabilidade, e que o serviço era de preparar a documentação da folha de pagamento e enviar para a empresa dela, para proceder ao pagamento dos funcionários, e que as declarações feitas ao Fisco e à Previdência se davam a partir da documentação enviada por ela, isto é, o contador prestava as declarações com fundamento na documentação a ele repassada pela apelante.
Ademais, em Juízo, a ré confirmou que havia alguns meses que não tinha como pagar as contribuições e impostos devidos, porque não possuía o dinheiro, o que afasta a hipótese de erro de tipo. As provas existentes indicam que a apelante detinha, portanto, conhecimento da ilicitude.
Outrossim, não trouxe a apelante nenhuma prova de que o contador agiu à sua revelia, não demonstrando qualquer vantagem pecuniária que a este aproveitaria, sendo certo que as vantagens obtidas em razão da omissão de informações ao Fisco em GFIP’s e a ausência de repasse dos recolhimentos de contribuições descontadas de seus empregados, aproveitaria à sua firma individual.
A jurisprudência dessa Corte não admite a imputação genérica da autoria delitiva ao contador contratado pela empresa contribuinte. Assim, a responsabilidade penal do gestor da pessoa jurídica não fica afastada, por si só, nas situações em que contrata um contador, pois é ele o responsável por repassar as informações tributárias a este profissional, a menos que haja comprovação de que as informações foram prestadas por terceiro à sua revelia. Veja-se os julgados abaixo transcritos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990). RESPONSABILIDADE DO CONTADOR DA EMPRESA AUTUADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS A COMPROVAR A CONCORRÊNCIA PARA A PRÁTICA DO ILÍCITO FISCAL. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1.(omisse). 5. Para que se possa imputar responsabilidade penal ao contador da empresa, deve estar evidenciado que o mesmo colaborou, consciente e espontaneamente, com as omissões e/ou sonegações fiscais, obtendo benefícios, diretos ou indiretos, da prática ilícita, hipótese não comprovada no caso dos autos. 6. Em que pese o apelado ter sido contador da empresa autuada à época dos fatos delituosos, não se vislumbra sua participação de forma decisiva, livre e consciente, para o ilícito. Com efeito, não houve comprovação de que os administradores da empresa determinaram a exclusão das receitas apontadas no procedimento fiscal com o fito de evitar o pagamento dos tributos federais devidos, nem tampouco da comunhão de desígnios criminosos entre o apelado e o efetivo gestor da firma individual F. Dantas de Araújo, Melquíades Dantas de Araújo, este último já condenado nos presentes autos pela prática do crime tipificado no art. 1°, I, da Lei 8.137/1990, à pena de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 7. O fato de ser o contador da empresa, por si só, não atrai a responsabilidade criminal pelo delito imputado, sendo indispensável para o juízo condenatório a comprovação de efetiva colaboração para o crime. A condição de profissional contábil não caracteriza, portanto, e obrigatoriamente, adesão ao crime tributário, salvo se provado que obtinha, direta ou indiretamente, vantagem decorrente das omissões ou sonegações. 8. O conjunto probatório não oferece elementos de provas hábeis a demonstrar, com a necessária segurança a fundamentar uma condenação, que o apelado, teria praticado ou concorrido, consciente e voluntariamente, para a prática do delito em análise. E nem poderia ser diferente, pois meros indícios, desprovidos de qualquer elemento de prova mais consistente, não são aptos a dar ensejo à condenação do acusado, resultando inevitável a manutenção da absolvição, com supedâneo no princípio in dubio pro reo. 9. Não vislumbrando a presença de provas suficientes para demonstrar ter o apelado concorrido para a infração penal, deve ser mantida a sentença recorrida. 10. Apelação a que se nega provimento. (ACR 0001455-46.2007.4.01.3700, Desembargador Federal Néviton Guedes, TRF1 - Quarta Turma, e-DJF1 07/05/2021 Pag.)
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I E II, DA LEI 8.137/90. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. AUSÊNCIA DE PROVAS. INAPLICABILIDADE. I. Autoria e materialidade do crime previsto no art. 1º, I e II, da Lei 8.137/90 devidamente comprovada. II. "A responsabilidade penal pelo não pagamento do tributo não é elidida pela contratação de um contador, não havendo qualquer comprovação efetiva por parte do denunciado de que as informações foram prestadas por terceiro à sua revelia, sendo o dolo do réu comprovado pela omissão das informações solicitadas pela Receita Federal. (ACR 0002616-37.2007.4.01.4300/TO, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Terceira Turma, e-DJF1 31/01/2013, p. 59)." III. Apelação desprovida. (ACR 0020950-10.2010.4.01.3300, Juiz Federal Antonio Oswaldo Scarpa (CONV.), TRF1 - Quarta Turma, e-DJF1 31/05/2017 PAG.)
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART 1º, I, II e V LEI 8.137/90. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA. 1. A autoria e materialidade estão devidamente comprovadas pelos documentos acostados aos autos. 2. Não há que se falar em cerceamento de defesa em virtude do indeferimento de prova pericial contábil, quando o réu teve diversas oportunidades de apresentar os documentos solicitados e não o fez por culpa exclusivamente sua. 3. Não há nulidade por ausência de notificação de exclusão dos programas PAES e REFIS, uma vez que o réu foi notificado mais de uma vez quando se absteve de pagar o parcelamento a que aderiu. 4. A responsabilidade penal pelo não pagamento do tributo não é elidida pela contratação de um contador, não havendo qualquer comprovação efetiva por parte do denunciado de que as informações foram prestadas por terceiro à sua revelia, sendo o dolo do réu comprovado pela omissão das informações solicitadas pela Receita Federal. 5. Apelação não provida. (ACR 0000282-80.2003.4.01.3100, Desembargador Federal Tourinho Neto, TRF1 - Terceira Turma, e-DJF1 19/12/2012 PAG 184.)
Quanto ao dolo em relação aos delitos perpetrados, a apelante alega que não teve intenção em fraudar o Fisco ou a Previdência e nem de se apropriar de valores, tendo agido de boa-fé.
No caso, embora o apelante defenda a ausência de dolo nas condutas narradas na denúncia em virtude de não ter agido de forma consciente e voluntária na produção de danos a Previdência ou ao Fisco, tal narrativa não é capaz de modificar o entendimento da sentença recorrida.
Note que o crime de sonegação fiscal, tipificado no art. 1º, I e III, da Lei 8.137/90, não exige para sua configuração o ânimo específico de apropriação dos valores iludidos, bastando para tanto que a conduta se dirija para impedir a correta tributação dos rendimentos do contribuinte. A mera alegação de ausência do elemento subjetivo, ou seja, do dolo, quando isolada dos autos sem qualquer outra prova que a corrobore, não descaracteriza a intenção do acusado em suprimir recolhimento de tributos através da omissão de rendas auferidas.
E, nos termos da jurisprudência do STF, em se tratando de crime de sonegação de contribuição previdenciária, tal como ocorre no crime de apropriação indébita previdenciária, basta que seja demonstrado o dolo genérico, referente à intenção de concretizar a evasão tributária, a fim de tipificar a conduta delituosa prevista no art. 337-A do CP, sendo irrelevante a demonstração do animus específico de fraudar a Previdência Social.
Desta feita, é cediço que os referidos delitos são crimes omissivos próprios (ou omissivos puros), isto é, aqueles em que não se exige necessariamente resultado naturalístico, esgotando-se o tipo subjetivo apenas na transgressão da norma incriminadora, no dolo genérico, sem necessidade de comprovação do fim especial de agir, ou dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi).
O simples fato de suprimir ou reduzir impostos e contribuição social previdenciária mediante omissão de receitas/lucros auferidos e remunerações pagas ou creditadas de contribuições sociais previdenciárias já constitui os crimes de sonegação fiscal e de sonegação de contribuição previdenciária, como meras condutas do agente, desde que proceda com a vontade livre e consciente nesse agir (dolo genérico).
Nesse sentido, sobre ser irrelevante a demonstração do animus específico de fraudar o Fisco ou a Previdência Social, entende a jurisprudência do STJ e deste Tribunal, o seguinte:
[...] 2. Os crimes contra a ordem tributária previstos no art. 1º, incisos I a IV da Lei 8.137/90 não se tipificam antes do lançamento definitivo do tributo, nos termos da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal. Contudo, o delito do art. 1º, inciso V, da Lei n.º 8.137/90 é formal, não estando incluído na exigência da referida Súmula Vinculante. (HC 195.824/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 06/06/2013).
3. Em crimes de sonegação fiscal e de apropriação indébita de contribuição previdenciária, este Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação no sentido de que sua comprovação prescinde de dolo específico sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos (AgRg no AREsp 493.584/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 08/06/2016).
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1477691/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 11/10/2016, DJe 28/10/2016)
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMBARGOS ACOLHIDOS.
1. O delito de apropriação indébita previdenciária constitui crime omissivo próprio, que se perfaz com a mera omissão de recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, prescindindo, portanto, do dolo específico.
2. Embargos de divergência acolhidos para cassar o acórdão embargado, nos termos explicitados no voto.
(STJ – EREsp 1296631/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 11/09/2013, DJe 17/09/2013)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990). PRAZO RECURSAL. RÉU SOLTO COM DEFENSOR CONSTITUÍDO. NECESSIDADE INTIMAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA. TEMPESTIVIDADE DO APELO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. DOLO CONFIGURADO. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. DOSIMETRIA. QUANTIDADE DE DIAS-MULTA. 1. (Omisses) 3. Nas hipóteses do crime de sonegação fiscal, na forma tipificada no art. 1º, I, da Lei 8.137/1990, a materialidade e a autoria do delito ficam comprovadas pela omissão do cumprimento da obrigação tributária pelo sujeito passivo em sua declaração de imposto de renda, com prejuízo para o fisco. 4. A mera alegação de ausência do elemento subjetivo (dolo), quando isolada nos autos sem outra prova que a corrobore, não descaracteriza a intenção do acusado de suprimir o recolhimento de tributos por meio da omissão de rendas auferidas. 5. Para caracterizar-se o crime de sonegação fiscal, fica dispensado o dolo específico, e basta o dolo genérico da omissão voluntária do recolhimento dos valores devidos no prazo legal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 6. (Omisses) 8. Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação do MPF a que se dá provimento.
(ACR 0030202-95.2014.4.01.3300, Desembargadora Federal Maria Do Carmo Cardoso, TRF1 - Terceira Turma, PJe 01/04/2022 PAG.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 1°, I, DA LEI N. 8.137/90. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. IRPF. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO DEMONSTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NÃO DEMONSTRADA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA INALTERADA. 1. Nos termos do art. 1º, I, da Lei 8.137/1990, ficou seguramente demonstrado nos autos que o acusado, com consciência e vontade, durante os exercícios de 2007 a 2010 (anos-calendário 2006 a 2009), reduziu tributo - IRPF - mediante a conduta de prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, mediante deduções que não foram comprovadas na fase administrativa, tampouco na judicial. 2. No que diz respeito ao elemento subjetivo do crime, registra-se que o tipo penal sob exame exige tão somente o dolo genérico para a sua configuração concreta, consistente na vontade de omitir informações ao Fisco e, por consectário, suprimir o pagamento de tributos. Desse modo, os valores significativos indevidamente recebidos a título de restituição - R$ 87.867,21 (oitenta e sete mil, oitocentos e sessenta e sete reais e vinte e um centavos) - e o fato de a conduta ser perpetrada durante 4 (quatro) anos consecutivos, autorizam concluir pela presença do dolo na conduta do acusado. 3.(omisses)... 6. Apelação desprovida.
(ACR 0042742-15.2013.4.01.3300, Juiz Federal Saulo José Casali Bahia, TRF1 - Quarta Turma, e-DJF1 24/05/2021 PAG.)
Destarte, pela análise das provas produzidas nos autos, depreende-se que a apelante tinha pleno conhecimento dos fatos ocorridos na empresa e poderes de administração para evitar as condutas delitivas.
Repise-se, que em Juízo a apelante confirmou que em alguns meses deixou de pagar as contribuições e impostos devidos porque não tinha o dinheiro suficiente. Tal afirmação corrobora a tese de que tinha consciência da supressão de tributos, de contribuição social previdenciária e da falta de repasse à previdência social das contribuições recolhidas dos seus funcionários, no intuito de pagar menos impostos e contribuições previdenciárias.
Ficou claro, portanto, que a apelante optou por dolosamente omitir receitas e prestar informações falsas ao Fisco e à Previdência com o intuito de evitar a devida tributação e contribuição previdenciária, ficando caracterizado o dolo genérico.
Quanto à ausência de repasse das contribuições descontadas dos contribuintes, a afirmação da defesa de que a empresa da apelante passou por grave situação de dificuldade financeira que a levou a não conseguir realizar alguns recolhimentos à Previdência, não se sustenta diante da ausência de provas, sendo certo que dificuldades financeiras também não eximem o contribuinte da culpabilidade na omissão dolosa de informação e a prestação de declaração falsa com vistas à supressão e redução do pagamento de tributo, pois não se trata de inadimplemento, mas de comportamento fraudulento.
Nos termos da jurisprudência desta Quarta Turma, com relação à justificativa da defesa de dificuldade financeira, o entendimento é no sentido de que as dificuldades financeiras aptas a ensejar o acolhimento da causa supra legal de exclusão de culpabilidade são aquelas decorrentes de circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis, sendo necessária a produção de provas no sentido da impossibilidade de atuar em conformidade com o que determina a norma penal, o que não se faz presente nestes autos.
Neste sentido, cito os precedentes deste Tribunal:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO QUALIFICADO. INSS. CP, ART. 171, § 3º. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. CULPABILIDADE. CAUSA SUPRA LEGAL DE EXCLUSÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. NÃO COMPROVAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PERDÃO JUDICIAL. CP, ART. 107, IX. LEI N. 9.807/1999, ART. 13. NÃO CABIMENTO. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CP, ART. 59. MOTIVO DO CRIME. LUCRO FÁCIL. ÍNSITO AO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS NORMAIS À ESPÉCIE. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. CP, ART. 65, III, "A" E "C". NÃO APLICAÇÃO. ALÍNEA "D". CONFISSÃO ESPONTÂNEA. JÁ APLICADA NA SENTENÇA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR. RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA. REDUÇÃO. CUSTAS.
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados nos autos. O réu agiu com a vontade livre e consciente de enganar a vítima, obtendo vantagem ilícita em prejuízo alheio, com o emprego de artifício.
2. Quanto à tese da inexigibilidade de conduta diversa, as dificuldades financeiras aptas a ensejar o acolhimento da causa supra legal de exclusão de culpabilidade alegada são aquelas decorrentes de circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis, sendo necessária a produção de provas no sentido da impossibilidade de atuar em conformidade com o que determina a norma penal, ônus do qual não se desincumbiu a defesa (art. 156 Código de Processo Penal).
3. O apelante não faz jus à extinção da punibilidade pelo perdão judicial (art. 107, IX, do Código Penal e art. 13 da Lei n. 9.807/1999), à míngua de observância de seus requisitos.
4. O estelionato é crime contra o patrimônio. Sendo o motivo lucro fácil ínsito ao tipo penal, o magistrado não pode considerá-lo como circunstância judicial negativa para exasperar a pena-base. As circunstâncias do crime são normais à espécie. Redução da pena-base que se impõe.
5. A defesa não comprovou ter o apelante cometido os crimes em alguma das circunstâncias previstas nos arts. 65, inciso III, "a" e "c", e 66, ambos do Código Penal. Por sua vez, a atenuante da confissão espontânea (alínea "d" do referido art. 65) já foi considerada na sentença.
6. O valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), fixado na sentença a título de prestação pecuniária, a ser pago ao INSS, não se mostra razoável no caso em tela, impondo-se sua redução. 7. A isenção de custas processuais deve ser requerida ao juízo da execução penal. 8. Apelação provida em parte.
(ACR 0007272-23.2009.4.01.3700/MA, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, e-DJF1 p.423 de 16/01/2013) (g.n.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUES FRAUDULENTOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. ÓBITO DA GENITORA. ESTELIONATO MAJORADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DE PROIBIÇÃO E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO CONFIGURADOS. PRINCÍPIOS DO FAVOR REI E IN DUBIO PRO REO. INAPLICABILIDADE. VANTAGEM ILÍCITA. DOSIMETRIA. AJUSTE.
1. O crime de estelionato previdenciário, previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, ficou configurado. Aplica-se a causa de aumento do parágrafo 3º, quando o crime é cometido contra entidade de direito público.
2. No estelionato é necessário que esteja presente o elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade do agente de se apropriar de vantagem ilícita pertencente a outrem, causando prejuízo, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Aplica-se a causa de aumento do parágrafo 3º quando o crime é cometido contra entidade de direito público.
3. Para que fique configurado o erro de proibição sobre a ilicitude do fato é necessário que seja demonstrado que o acusado não tinha, de forma alguma, conhecimento ou noção de sua conduta ilícita, proibida pelo Direito Penal. Erra-se quanto ao caráter proibido da conduta ao se acreditar, fundamentadamente, lícita uma ação ilícita. O agente carece do conhecimento potencial da proibição que recai sobre um fato típico e ilícito. Não configurado o erro de proibição no presente caso, não há que se falar em causa de exclusão da culpabilidade.
4. Não há falar em inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade quando o acusado não comprova nos autos que não poderia agir de modo diferente. O ônus de provar inexigibilidade de conduta diversa é da defesa, nos termos do art. 156 do CPP, o que não foi feito, in casu.
5. Não cabe, na espécie, a aplicação dos princípios do favor rei e in dubio pro reo. Dolo específico caracterizado pela intenção de obter vantagem ilícita. Materialidade e autoria do delito de estelionato comprovadas pelos documentos acostados aos autos.
6. Aplicada na sentença a hipótese do §1º do art. 171 do Código Penal. Redução da pena de multa.
7. Apelação a que se dá parcial provimento.
(ACR 0002560-34.2011.4.01.3307/BA, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Rel.Conv. Juiz Federal Marcio Sá Araújo (Conv.), Terceira Turma, e-DJF1 de 17/02/2017) (g.n.)
O Superior Tribunal de Justiça não discrepa deste entendimento. Vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MINUCIOSA DAS CONDUTAS PRATICADAS PELOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ÔNUS DA PROVA DA DEFESA. INVERSÃO DO JULGADO. SÚMULA 07/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. CRITÉRIO DE EXASPERAÇÃO. NÚMERO DE INFRAÇÕES. IDONEIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
(...)
2. Não cabe à acusação demonstrar e comprovar elementares que inexistem no tipo penal, de forma que o ônus da prova da impossibilidade de repasse das contribuições previdenciárias apropriadas ante às dificuldades financeiras da empresa, a evidenciar, assim, a inexigibilidade de conduta diversa - causa supralegal de exclusão da culpabilidade -, é da defesa, a teor do art. 156 do CPP. Precedentes.
(...)
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1178817/SC, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Sexta Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 03/11/2011)
Na qualidade de administradora da empresa individual, a apelante tinha o dever de negociar os débitos com o fisco federal, sem ter que, no contexto apresentado, deixar de recolher tributos ou suprimir informações a fim de não os pagar.
Desta feita, não cumprindo suas obrigações legais decorrentes da atividade empresarial, ficou claro que a apelante praticou, de forma livre e consciente, as condutas previstas no art. 1°, I, da Lei 8.137/1990, art. 337-A, I e III, e art. 168-A, §1°, I, ambos do CP.
Quanto à alegação da apelante de que as provas que apresentou relativas ao parcelamento do débito sequer foram mencionadas na sentença, com razão quanto à ausência de menção.
Relativamente ao tema, de acordo com a legislação pátria, nos crimes contra o sistema financeiro ou contra a Previdência Social, o único modo de que dispõe o agente do delito para evitar a persecução penal é efetuar o pagamento do crédito tributário ou o seu parcelamento. No presente caso, não houve pagamento do crédito, e embora tenha havido o parcelamento, este se deu em momento posterior às inscrições em dívida ativa, e não foram totalmente adimplidos.
Quanto à prova testemunhal, de fato, o Magistrado que sentenciou o feito não fez menção na sentença. Entretanto, ouvindo a mídia de audiência e os depoimentos testemunhais não identifico motivo para a reforma da sentença, pois embora as testemunhas de defesa aleguem o mesmo que a apelante, isto é, que esta não entendia de gestão financeira e que o contador cometia inúmeros erros, não há qualquer prova documental que respalde suas alegações, não conseguindo infirmar a fundamentação da sentença e nem deste voto, pois suas declarações não são suficientes para comprovar se ré tinha ou não experiência. A apelante teria outros meios de comprovar a insatisfação com o trabalho do contador ou que ele cometeu erros que a teriam prejudicado, como notificações à empresa daquele, no sentido de pedir esclarecimentos sobre os erros cometidos, ou troca de mensagens entre eles, o que não fez, não havendo nestes autos provas do quanto alegado pela defesa.
Não pode a apelante, ao praticar inúmeros ilícitos, vir a Juízo, colocar a culpa em terceiro ou em sua própria inexperiência, sem qualquer embasamento probatório que respalde suas alegações, sobretudo, quando confessa que deixou de quitar alguns débitos previdenciários por falta de dinheiro, afirmando que teve que optar entre pagar o parcelamento (relativos aos débitos aqui discutidos) ou pagar o salário dos seus professores e demais empregados.
Por fim, a confissão de ter tomado a decisão de suspender o pagamento de parte de suas obrigações tributárias, em face das dificuldades financeiras da empresa, que não foram provadas nos autos, comprova que os crimes foram perpetrados deliberadamente pela única administradora da empresa, a apelante.
Destarte, pela análise das provas produzidas nos autos, a apelante tinha pleno conhecimento dos fatos ocorridos na empresa e poderes de administração para evitar as condutas delitivas, o que não fez.
Sentença mantida quanto ao mérito.
Da dosimetria
Não identifico ilegalidade ou desproporcionalidade na fixação das penas-base, pois todas foram fixadas no mínimo legal, não existindo agravantes ou atenuantes da pena e nem causas de diminuição desta, presente apenas o aumento decorrente da continuidade delitiva.
Quanto ao aumento decorrente de crime continuado, de acordo com a Súmula 659 do STJ "A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
Assim, escorreita a sentença que fixou a fração de 2/3 para cada crime continuado, que ultrapassaram a quantidade de sete, já que a prática criminosa foi praticada a cada mês, no interregno de 01/2008 a 12/2008 e 01/2009 a 08/2009, para cada um dos crimes.
Portanto, nada há que reparar na pena aplicada, que em concurso formal entre os crimes do art. 337- A, I e III, do CP e do art. 1°, I, da Lei 8.137/90, e em concurso material entre estes dois crimes e o crime do art. 168-A, §1°, I do Código Penal, totalizam 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 34 (trinta e quatro) dias-multa.
Da assistência judiciária gratuita
Consoante o art. 99, §3º, do CPC, para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita, basta a simples afirmação da parte de que não poderá arcar com as custas do processo e os honorários de advogado.
Não há informações sobre a vida econômica atual da apelante nos autos, não tendo o Parquet Federal impugnado ou apresentado prova em contrário à alegação de hipossuficiência da apelante, motivo pelo qual defiro a concessão de assistência judiciária gratuita.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da ré apenas para lhe deferir a assistência judiciária gratuita.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0039266-27.2017.4.01.3300/BA PROCESSO REFERÊNCIA: 0039266-27.2017.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
APELANTE: TEODORA XAVIER DE SOUZA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: MARCIO VINHAS BARRETTO - BA14427-A
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1°, INCISOS I, DA LEI 8.137/1990). SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL). APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AFASTAMENTO. DOLO GENÉRICO. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CRIMES CONTINUADOS. CONCURSO MATERIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DEFERIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A teor da jurisprudência do STJ, “os crimes de sonegação e apropriação indébita previdenciárias, a exemplo dos delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/1990, são materiais, não se configurando enquanto não lançado definitivamente o crédito, o que também impede o início da contagem do prazo prescricional” (AgRg nos EDcl no REsp 1806096 / SP, Relator Min. Néfi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 08/10/2019).
2. Na ausência de recurso da acusação, o prazo prescricional regula-se pela pena em concreto (art. 110, §1º, do CP), que no caso foi de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão para cada um dos crimes imputados à apelante, cuja prescrição ocorre em de 8 (oito) anos, conforme art. 109, IV, do CP. No contexto probatório, não transcorreu o lapso temporal entre a data da constituição definitiva do crédito (24/05/2012) e o recebimento da denúncia (31/10/2017), nem entre esta e a data da publicação da sentença penal condenatória recorrida (05/11/2020). Prejudicial de mérito afastada.
3. Não há discussão acerca da materialidade dos crimes mediante as provas existentes nos autos. O cerne da apelação gira em torno da discussão sobre a autoria e dolo dos crimes em comento.
4. Quanto à autoria, não sobejam dúvidas. A apelante confessou em Juízo ser a única administradora do estabelecimento educacional, o que foi confirmado pelas testemunhas. A jurisprudência dessa Corte não admite a imputação genérica da autoria delitiva ao contador contratado pela empresa contribuinte. Assim, a responsabilidade penal do gestor da pessoa jurídica não fica afastada, por si só, nas situações em que contrata um contador, pois é ele o responsável por repassar as informações tributárias a este profissional, a menos que haja comprovação de que as informações foram prestadas por terceiro à sua revelia, o que inexistente no caso dos autos. Precedentes.
5. É cediço que os delitos de sonegação fiscal e de contribuição previdenciária e o de apropriação indébita previdenciária são crimes omissivos próprios (ou omissivos puros), isto é, aqueles em que não se exige necessariamente resultado naturalístico, esgotando-se o tipo subjetivo apenas na transgressão da norma incriminadora, no dolo genérico, sem necessidade de comprovação do fim especial de agir, ou dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi). Precedentes do STJ e desta Corte.
6. Da análise das provas produzidas nos autos, depreende-se que a apelante tinha pleno conhecimento dos fatos ocorridos na empresa e poderes de administração para evitar as condutas delitivas, sobretudo, porque a apelante confirmou que em alguns meses deixou de pagar as contribuições e impostos devidos porque não tinha o dinheiro suficiente. Tal afirmação corrobora a tese de que tinha consciência da supressão de tributos, de contribuição social previdenciária e da falta de repasse à previdência social das contribuições recolhidas dos seus funcionários, no intuito de pagar menos impostos e contribuições previdenciárias, ficando caracterizado o dolo genérico.
7. Nos termos da jurisprudência desta Quarta Turma, com relação à justificativa da defesa de dificuldade financeira, o entendimento é no sentido de que as dificuldades financeiras aptas a ensejar o acolhimento da causa supra legal de exclusão de culpabilidade são aquelas decorrentes de circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis, sendo necessária a produção de provas no sentido da impossibilidade de atuar em conformidade com o que determina a norma penal, o que não se faz presente nestes autos. Precedentes.
8. Na qualidade de administradora da empresa individual, a apelante tinha o dever de negociar os débitos com o fisco federal, sem ter que, no contexto apresentado, deixar de recolher tributos ou suprimir informações a fim de não os pagar. Desta feita, não cumprindo suas obrigações legais decorrentes da atividade empresarial, ficou claro que a apelante praticou, de forma livre e consciente, as condutas previstas no art. 1°, I, da Lei 8.137/1990, art. 337-A, I e III, e art. 168-A, §1°, I, ambos do CP.
9. Quanto à alegação da apelante de que as provas que apresentou relativas ao parcelamento do débito sequer foram mencionadas na sentença, com razão quanto à ausência de menção. Relativamente ao tema, de acordo com a legislação pátria, nos crimes contra o sistema financeiro ou contra a Previdência Social, o único modo de que dispõe o agente do delito para evitar a persecução penal é efetuar o pagamento do crédito tributário ou o seu parcelamento. No presente caso, não houve pagamento do crédito, e embora tenha havido o parcelamento, este se deu em momento posterior às inscrições em dívida ativa, e não foram totalmente adimplidos.
10. Quanto à prova testemunhal, de fato, o Magistrado que sentenciou o feito não fez menção na sentença. Entretanto, da oitiva da mídia de audiência e dos depoimentos testemunhais, não se identifica motivo para a reforma da sentença, pois embora as testemunhas de defesa aleguem o mesmo que a apelante, isto é, que esta não entendia de gestão financeira e que o contador cometia inúmeros erros, não há qualquer prova documental que respalde suas alegações, não conseguindo infirmar a fundamentação da sentença e nem deste voto, pois suas declarações não são suficientes para comprovar se a ré tinha ou não experiência. A apelante teria outros meios de comprovar a insatisfação com o trabalho do contador ou que ele cometeu erros que a teriam prejudicado, como notificações à empresa daquele, no sentido de pedir esclarecimentos sobre os erros cometidos, ou troca de mensagens entre eles, não havendo nestes autos provas do quanto alegado por ela e por suas testemunhas.
11. Não pode a apelante, ao praticar inúmeros ilícitos, vir a Juízo, colocar a culpa em terceiro ou em sua própria inexperiência, sem qualquer embasamento probatório que respalde suas alegações, sobretudo, quando confessa que deixou de quitar alguns débitos previdenciários por falta de dinheiro, afirmando que teve que optar entre pagar o parcelamento (relativos aos débitos aqui discutidos) ou pagar o salário dos seus professores e demais empregados.
12. Não se verifica ilegalidade ou desproporcionalidade na fixação das penas-base, pois todas foram fixadas no mínimo legal, não existindo agravantes ou atenuantes da pena e nem causas de diminuição desta, presente apenas o aumento decorrente da continuidade delitiva, para cada um dos crimes.
13. Escorreita a sentença que fixou a fração de 2/3 para cada crime continuado, na esteira da Súmula 659 do STJ, que ultrapassaram a quantidade de sete, já que a prática criminosa foi praticada a cada mês, no interregno de 01/2008 a 12/2008 e 01/2009 a 08/2009, para cada um dos crimes.
14. Nada há que reparar na pena aplicada, decorrente do concurso formal entre os crimes do art. 337- A, I e III, do CP e do art. 1°, I, da Lei 8.137/90, e do concurso material entre estes dois crimes e o crime do art. 168-A, §1°, I do Código Penal, que totalizaram 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 34 (trinta e quatro) dias-multa.
15. Não há informações sobre a vida econômica atual da apelante nos autos, não tendo o Parquet Federal impugnado ou apresentado prova em contrário à alegação de hipossuficiência da apelante, motivo pelo qual defiro a concessão de assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 99, §3º, do CPC.
16. Apelação da ré parcialmente provida (item 15).
A C Ó R D Ã O
Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
4ª Turma do TRF/1ª Região - Brasília/DF, 16 de julho de 2024.
Desembargador Federal CÉSAR JATAHY
Relator
KE/TL
