
POLO ATIVO: JOSE ERIVALDO DELMIRO FERREIRA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: NUMERIANO GILSON DE SOUZA - BA931-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS

Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta por JOSÉ ERILVADO DELMIRO FERREIRA da sentença do Juízo da Vara Federal da Subseção Judiciária de Paulo Afonso/BA, que condenou o réu pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
Foi fixada a pena de 11 (onze) meses e 09 (nove) dias de reclusão e 09 (nove) dias-multa, sendo o valor do dia-multa correspondente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito.
Consta na denúncia que (ID 254259090):
No dia 11/09/2019, no município de Paulo Afonso/BA, JOSÉ ERIVALDO DELMIRO FERREIRA, de forma livre, consciente e voluntária, tentou obter para si a concessão indevida de benefício previdenciário, em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, tentando induzir em erro os servidores daquela autarquia, mediante o uso de documentos públicos falsos (procuração e documento de identidade), não tendo obtido êxito por circunstâncias alheias a sua vontade. Na mencionada data, o denunciado compareceu à agência do INSS em Paulo Afonso/BA, por volta das dez horas, e apresentou ao servidor público federal, Washington Roberto Cavalcante da Silva, procuração e documento de identificação em nome de Edite Maria da Conceição, adulterados, na tentativa de desbloquear pagamento e valores atrasados referentes ao benefício previdenciário em nome de Edite Maria da Conceição, o qual está suspenso sob investigação de suspeita de fraude. Com efeito, a procuração apresentada pelo denunciado (fls. 23/24), do cartório de Glória, possui o mesmo número do DAJE (Documento de Arrecadação Judicial e Extrajudicial) e data de expedição de outra procuração já utilizada anteriormente perante o INSS pela pessoa de nome Celia Nunes Bezerra da Silva, para a transferência do benefício para a cidade de Paulo Afonso/BA (fls. 27/28), configurando assim evidente falsificação no documento apresentado. Ademais, a procuração utilizada pelo denunciante possui erro de português grosseiro, como o nome “ORTOGANTE” no lugar de “OUTORGANTE”, o que também indica que não foi confeccionada em cartório na presença das partes interessadas. Observa-se, ainda, que a cópia do documento de identidade de Edite Maria da Conceição, utilizada pelo denunciado na ocasião da tentativa de liberação do benefício, é falso, uma vez que a foto do documento de fl. 21 diverge com outro apresentado, também em nome de Edite Maria da Conceição, para a transferência do mesmo benefício para a agência de Santo Antão/PE, conforme se vê no documento de fl. 30. Da análise da cópia de ambos os documentos, constata-se ainda que, embora se refiram a Edite Maria da Conceição, CPF n. 018.862.804-52, os números do registro geral são diversos, bem como a filiação e a naturalidade, o que reforça que o documento de identificação usado pelo denunciado é falso. Por tais razões, na data de 11/09/2019 o denunciado foi então autuado em flagrante e, após, ouvido perante a autoridade policial, afirmou que “não teria parentesco com Edite Maria e que havia conhecido na cidade de Arapiraca/AL, embora não tenha nenhum dado de contato ou endereço da mesma. Aduziu ainda que receberia dez por cento (10%) pelos serviços destinados ao desbloqueio e pagamento do benefício em nome de Edite Maria da Conceição”. Por fim, afirmou que compareceu no cartório de Glória para fazer a procuração, não sabendo se era ou não original (fls. 13/14). Assim, o denunciado JOSÉ ERIVALDO DELMIRO FERREIRA encontram-se incurso na pena do art. 171, §3º na modalidade do art. 14, II, ambos do Código Penal Brasileiro. A materialidade do crime de uso de documento falso está comprovada nos autos por meio do depoimento do servidor do INSS (Washington Roberto Cavalcante da Silva) e dos agentes da Polícia Civil que efetuaram a prisão em flagrante, pelas cópias das carteiras de identidade de fl. 21 e 30 e cópias das procurações de fls. 23/24 e 27/28. A autoria também está demonstrada, diante dos documentos constantes nos autos, pelos depoimentos das testemunhas, e também pelo fato de o denunciado ter sido preso em flagrante no momento em que tentou praticar o crime de estelionato previdenciário junto à Autarquia Previdenciária, com o uso de documentos falsos.
Denúncia recebida em 11 de fevereiro de 2020 (ID 254259094).
Sentença proferida em 29 de setembro de 2021 (ID 254262555).
JOSÉ ERILVADO DELMIRO FERREIRA, em razões de apelação, requer (ID 254262558): “[...] requer-se a admissão do presente recurso e no mérito que a r. Sentença monocrática seja reformada para ABSOLVER JOSE ERIVALDO DELMIRO FERREIRA com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, haja vista a sustentação jurídica supramencionada, e pelo IN DUBIO PRO REO por ser medida de Direito e de Justiça.”
Contrarrazões apresentadas (ID 254262560).
A PRR-1ª Região se manifestou pelo não provimento do recurso (ID 262986052).
É o relatório.
À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III).
Relator

10ª Turma
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: JOSE ERIVALDO DELMIRO FERREIRA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: NUMERIANO GILSON DE SOUZA - BA931-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR: MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR):
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação criminal.
A JOSÉ ERILVADO DELMIRO FERREIRA foi imputado o delito de estelionato tentado. Assim é que teria tentado desbloquear o pagamento de valores em atraso relacionados ao benefício previdenciário de EDITE MARIA DA CONCEIÇÃO, comparecendo à agência do INSS em Paulo Afonso/BA, apresentando procuração e documento de identificação da pretensa beneficiária adulterados.
Pleiteia, em síntese, a reforma da sentença para que o réu seja absolvido, alegando a ausência de provas da autoria delitiva.
Afirma, que “Não há nos autos uma prova cabal que demonstre que o Acusado tenha praticado o crime descrito no artigo 171. O Acusado estava de boa fé no local citado, ou seja, na agência do INSS para efetuar atividade licita, e se havia algum tipo de erro ou fraude em qualquer documento, o Denunciado não as praticou e nem sabia de sua existência. Como se vê, ilustre julgador, quem na verdade pode ter sido lesado ou enganado, foi a apessoa do denunciado, que como dito alhures estava na aludida agência para cum,prir uma missão humanitária, sem ter praticado qualquer atividade ilícita.”
Requer, dessa forma, a aplicação do princípio do in dubio pro reo no presente caso.
Tenho que assiste razão ao Apelante.
A procuração apresentada pelo acusado possuía flagrantes erros internos, como se colhe a fundamentação da sentença (ID 254262555):
De fato, a procuração apresentada ao INSS tinha o mesmo número do DAJE (Documento de Arrecadação Judicial e Extrajudicial) e mesma data de expedição de outra procuração já utilizada anteriormente perante o INSS, pela pessoa de nome Célia Nunes Bezerra da Silva, para a transferência do benefício para a cidade de Paulo Afonso/BA (ID 155493394 – Pág. 23/24 e 27/28), configurando evidente falsificação no documento apresentado. Além disso, verifica-se no documento a existência de erro de português grosseiro, como o nome “ORTOGANTE” no lugar de “OUTORGANTE”.
A cópia do documento de identidade de Edite Maria da Conceição, apresentada no mesmo dia pelo réu, também é flagrantemente diferente do documento apresentado anteriormente para requerer a transferência do mesmo benefício para a agência de Santo Antão/PE (ID 155493394 – Pág. 26 e 30).
WASHINGTON ROBERTO CAVALCANTE DA SILVA, servidor do INSS, disse, em juízo, que já havia informações sobre o benefício previdenciário (um indicativo de irregularidade passado por e-mail), que estava aguardando que alguém comparecesse, que houve suspensão do benefício, devido à irregularidade, e que notou indicativo de falsidade, quanto à numeração do DAJE (ID 254262549).
Realmente, há erros graves, quanto à escrita, na procuração, a exemplo de “ortogante” (outorgante) e “adivinhos” (advindos) (ID 254259086, pp. 23/24).
Em assim sendo, forçoso reconhecer estarmos diante da hipótese de crime impossível (CP art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime).
O documento utilizado, dadas as características que apresentava, não foi capaz de enganar o servidor do INSS. Amolda-se, destarte, à definição de meio absolutamente inidôneo, isto é, “... aquele que, por sua essência ou natureza, não é capaz de produzir o resultado” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Ed. revista por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 248).
Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado deste Tribunal Regional Federal:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. CRIME IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA MANTIDA.
1. A partir do momento em que o documento falso empregado com o intuito de ludibriar a fé pública é sujeito à conferência e seus vícios são identificados, comprovando-se assim sua inidoneidade, não há que se falar em crime, dada a absoluta impropriedade do meio utilizado para a sua prática.
2. Hipótese em que no momento em que o denunciado apresentou o documento contrafeito ao agente de polícia, este, de logo, suspeitou tratar-se de documento público adulterado, o que foi confirmado momentos depois, afastando, em consequência, a sua potencialidade lesiva. 3. Recurso em sentido estrito desprovido. (RSE 0011192-27.2012.4.01.3400/DF, Rel. Des. Federal Mônica Sifuentes, 3ª Turma, unânime, e-DJF1 03/05/2013).
Dada a absoluta inidoneidade do meio utilizado para a prática do suposto delito, à míngua de potencialidade de iludir ou de enganar servidor da autarquia previdenciária, não induzindo nem mantendo alguém em erro, impõe-se a absolvição do réu.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para o fim de absolver JOSÉ ERILVADO DELMIRO FERREIRA, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
É o voto.
Des. Federal MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Relator

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
V O T O - R E V I S O R
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA):
Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento.
Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por José Erivaldo Delmiro Ferreira contra sentença que o condenou à pena de 11 (onze) meses e 09 (nove) dias de reclusão e 09 (nove) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º c/c art. 14, inciso II, do CP, consubstanciando na tentativa de obter para si a concessão indevida de benefício previdenciário, em prejuízo do INSS, tentando induzir em erro os servidores daquela autarquia mediante o uso de documentos públicos falsos (procuração e documento de identidade adulterados).
Adoto os mesmos fundamentos expostos pelo relator para absolver o réu pela atipicidade da conduta, ante a sua configuração como crime impossível, nos termos do art. 17 do CP, já que o documento utilizado, dadas as características que apresentava, não teria sido capaz de enganar o servidor da Autarquia.
Além disso, como bem consignado no voto relator, ouvido em juízo, o servidor disse que "já havia informações sobre o benefício previdenciário (um indicativo de irregularidade passado por e-mail), que estava aguardando que alguém comparecesse, que houve suspensão do benefício, devido à irregularidade, e que notou indicativo de falsidade, quanto à numeração do DAJE (ID 254262549)."
Por conseguinte, dada a absoluta inidoneidade do meio utilizado para a prática do suposto delito - já que a procuração possuía erros crassos na grafia - , e à míngua de potencialidade de iludir ou de enganar servidor do INSS, não induzindo nem mantendo alguém em erro, a absolvição do réu é medida que se impõe.
Ante o exposto, ACOMPANHO o eminente relator e dou provimento à apelação para absolver o réu José Erivaldo Delmiro Ferreira, com fundamento no art. 386, III, do CPP.
É o voto.
Desembargadora FederalDaniele Maranhão
Revisora

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000192-23.2020.4.01.3306 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000192-23.2020.4.01.3306
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: JOSE ERIVALDO DELMIRO FERREIRA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: NUMERIANO GILSON DE SOUZA - BA931-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. TENTATIVA. CRIME IMPOSSÍVEL.
1. A procuração apresentada para efetuar o desbloqueio do pagamento de valores atrasados de benefício previdenciário, pelas características que encerra e pelos erros ortográficos grosseiros, não detinha qualquer aptidão para iludir o servidor do Instituto Nacional do Seguro Social.
2. Hipótese de crime impossível (CP art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime).
3. O documento utilizado, dadas as características que apresentava, não foi capaz de enganar o servidor do INSS. Amolda-se, destarte, à definição de meio absolutamente inidôneo, isto é, “... aquele que, por sua essência ou natureza, não é capaz de produzir o resultado” (Heleno Cláudio Fragoso).
4. Apelação a que se dá provimento.
