
POLO ATIVO: HERLANE MARIA SOARES DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FABIO ALVES DOS SANTOS SOBRINHO - PI8270-A e JOSE CARLOS VIEIRA BEZERRA DO VALE - PI12920-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS

Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por HERLANE MARIA SOARES DA SILVA, de sentença proferida pela 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Piauí, que condenou a Ré pela prática do delito previsto no art. 171, §3º c/c art. 71, ambos do Código Penal, atribuindo-lhe a pena de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.
A pena privativa de liberdade foi substituída, na forma na forma da parte final do § 2º do art. 44 do CP, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no importe de 2 (dois) salários mínimos e prestação de 640 (seiscentas e quarenta) horas de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Narra a Denúncia, verbis:
Consta do incluso Inquérito Policial que a beneficiária de pensão por morte rural, Terezinha Soares da Cruz, benefício n° 01/051.970.660-9, faleceu no dia 16 de agosto de 2014, conforme certidão de óbito de fls. 11/12. Entretanto, seu benefício continuou sendo sacado junto ao INSS, no período de agosto de 2014 a janeiro de 2015, totalizando prejuízo no montante de R$ 4.879,31 (quatro mil oitocentos e setenta e nove reais e trinta e um centavos) aos cofres públicos. A materialidade delitiva resta, portanto, devidamente comprovada, tendo em vista os saques do benefício assistencial terem continuado mesmo após a morte do beneficiário. Quanto à autoria, no curso da investigação policial foi realizada diligência para obter informações acerca dos saques indevidos realizados. Nessa diligência foi entrevistada Herlane Maria Soares da Silva (fl. 30), neta da beneficiária falecida, que admitiu que auxiliava a avó a realizar os saques e após o óbito permaneceu com a posse do cartão magnético realizando os saques indevidos investigados. Resta, portanto, comprovada a autoria delitiva de HERLANE MARIA SOARES DA SILVA, conforme se depreende do material probandi produzido em sede policial e de sua confissão (ID. 165053139 - Pág. 4).
Denúncia recebida em 15/02/2018 (ID 165053139 - Pág. 59). Sentença publicada em 09/01/2020 (ID 165053139 - Pág. 163).
Em suas razões, requer a defesa a absolvição da ré, sob a alegação de causa de exclusão e culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, nos termos do art. 20, §1º do Código Penal.
Requer, ainda, que a sentença seja declarada nula, e que seja determinada a baixa dos autos ao juízo de origem para que suspenda a ação penal e intime o Ministério Público acerca de eventual interesse na propositura de acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do CPP (ID 165053144 - Pág. 10).
Contrarrazões apresentadas (ID 165053149 - Pág. 2).
Sentença publicada em 09/01/2020 (ID 165053139 - Pág. 163). Denúncia recebida em 15/02/2018 (ID 165053139 - Pág. 59).
O Ministério Público Federal manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento da apelação defensiva (ID 168471519).
Ao Revisor (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III).
Esse o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR):
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação criminal.
No caso dos autos, a Ré foi condenada pelo crime de estelionato por ter recebido, dolosamente, pensão por morte rural em nome de sua avó, após o seu falecimento, no período de agosto de 2014 a janeiro de 2015, totalizando prejuízo no montante de R$ 4.879,31 (quatro mil oitocentos e setenta e nove reais e trinta e um centavos) aos cofres públicos.
A defesa da Ré alega, em síntese, a atipicidade da conduta e ausência de elemento subjetivo do tipo (dolo); excludente de culpabilidade prevista no art. 20, §1º do CP e nulidade da sentença, em razão da não propositura de acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do CPP.
Com razão a defesa.
Para a configuração do delito de estelionato devem concorrer os requisitos da finalidade de obter para si, ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, e da indução ou manutenção de alguém em erro, mediante utilização de meio fraudulento, como fatores elementares do tipo penal.
O estelionato exige que a conduta do agente esteja voltada para a obtenção de vantagem ilícita, mediante o uso de meio fraudulento, sobrevindo um prejuízo alheio.
Analisando detidamente o conjunto probatório acostado aos autos, concluo que não há prova robusta no sentido de que a acusada, de forma livre e consciente, agiu com o intuito de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Como demonstrado nos autos e diferentemente de outros casos semelhantes relativos à prática de estelionato contra o INSS, em que os réus apresentam documentos falsos, falsas procurações, pessoas se passam pelo beneficiário falecido e outras fraudes, verifica-se que não há nos autos qualquer menção de que a denunciada tenha se utilizado de documentos falsos ou simulações que pudessem mascarar a realidade, com o intuito de continuar a auferir o benefício de sua avó falecida.
Isso porque, conforme consta do Relatório da Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários “(...) o INSS apenas cessou o benefício no dia 30.11.2015 (quase 10 meses após o último saque) pelo fato do benefício ter ficado mais de 06 meses sem ser sacado (fls. 13). O INSS chegou a disponibilizar na conta do benefício os valores correspondentes às competências 02//2015, 03/2015, 04/2015 e 05/2015, competências estas que não foram sacadas (fls. 34). (ID. 165053139 - Pág. 51).
Consta, ainda, do referido Relatório que “O não saque destes outros 04 pagamentos disponibilizados demonstram com clareza que a sacadora do benefício não tinha nenhuma intenção de continuar a receber o benefício da de cujus (mas apenas intencionava pagar as despesas extraordinárias deixadas pela falecida), decerto que se tivesse esta intenção certamente teria continuado a realizar saques até que o INSS descobrisse o óbito e deixasse de creditar pagamentos na conta do benefício, ou seja, talvez até a presente data a sacadora ainda estivesse recebendo indevidamente o benefício”.
De fato, durante o intervalo entre o último saque e a visita da polícia à residência da denunciada, poderiam ter sido realizadas outras subtrações, as quais não foram feitas, tendo em vista que o benefício somente foi cessado em 10/11/2015, ficando disponíveis para saque ainda os meses de fevereiro a maio de 2015 (ID 165053139 - Pág. 49), o que fortalece o entendimento de que a ré agia de boa fé.
Ademais, o relato policial permite concluir que a denunciada vivia em situações precárias, tendo ela afirmado que utilizou os valores para pagamentos de dívidas deixadas pela falecida, remédios e gastos com funeral (ID 165053139 - Pág. 43/44)
Na hipótese, forçoso concluir que não há nos autos elementos capazes de concluir que a Ré agiu com a intenção de fraudar a União, permanecendo dúvida considerável em seu favor sobre a ciência ou não irregularidade dos saques e, portanto, sobre a presença do elemento subjetivo necessário à configuração do delito.
Tais considerações ensejam fundadas dúvidas sobre a existência do dolo, devendo ser levado em conta que, da mera existência de prova da materialidade e autoria delitivas não decorre, necessariamente, a presunção absoluta de existência de sua configuração. Deve ser levado em conta, por conseguinte, o brocardo in dubio pro reo.
No mesmo sentido a jurisprudência desta Corte, a saber:
| PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, § 3°, DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFICÍO PREVIDENCIÁRIO. TITULAR JÁ FALECIDO. AUSÊNCIA DE PROVAS DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. APELAÇÃO PROVIDA. Para que se caracterize o crime de estelionato é necessária a concorrência dos requisitos previstos no caput do art. 171 do Código Penal, quais sejam: o emprego, pelo agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; induzimento ou manutenção da vítima em erro; obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; prejuízo alheio (do enganado ou de terceira pessoa). Várias e imprevisíveis são as formas que o estelionato pode assumir, mas todas têm de apresentar elementos comuns, sob pena de não se caracterizar o crime, podendo, então, surgir outro delito. É necessário, portanto, que o dolo de enganar, com o uso do meio fraudulento, preexista à conduta de empregar o engodo. No caso, as provas coligidas aos autos não revelam, sem deixar dúvidas, o dolo na conduta do acusado, consistente na vontade livre e consciente de induzir ou manter outrem em erro mediante conduta fraudulenta, com a finalidade de obter vantagem ilícita para si ou para outrem. O Ministério Público Federal, além de pedir o arquivamento da denúncia, em seu parecer, manifestou-se pelo provimento do recurso de apelação do réu e sua absolvição. Apelação a que se dá provimento, para absolver o réu da imputação da prática do delito do artigo 171, § 3º, do Código Penal. (ACR 0003104-33.2018.4.01.4000, DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 04/11/2022.) PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO MAJORADO (ART. 171, § 3°, CÓDIGO PENAL). APOSENTADORIA POR IDADE. CERTIDÃO DE CASAMENTO FALSA. AUSÊNCIA DE PROVA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver o réu Geraldo Alves da Silva, da prática do delito previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal. 2. Segundo a denúncia, no período compreendido entre 06/2002 a 01/2010, o INSS, induzido em erro, em razão de fraude documental utilizada pelos réus Geraldo Alves da Silva e Célia Vendramin, teve um prejuízo de R$154.769,90 (cento e cinquenta e quatro mil, setecentos e sessenta e nove reais e noventa centavos), correspondente aos valores do benefício de aposentadoria por idade concedido indevidamente ao segurado Geraldo Alves da Silva. Relata o órgão de acusação que o requerimento do benefício foi intermediado pela procuradora do réu Geraldo Alves da Silva, de nome Célia Vendramin, e que a fraude consistiu na apresentação de documentação inidônea perante a autarquia previdenciária, qual seja, certidão de casamento com data de nascimento alterada. 3. A materialidade do delito está comprovada pelos documentos que instruíram os autos, notadamente o processo administrativo instaurado no âmbito do INSS que comprova que foi pleiteado e obtido benefício de aposentadoria por idade valendo-se, para tanto, de certidão de casamento alterada em relação à verdadeira idade do réu. 4. No caso, entretanto, o órgão de acusação não comprovou o dolo na conduta do réu, ficando demonstrado nos autos que o réu é pessoa humilde, aparentando ter poucos recursos, tem baixa instrução, embora tenha completado o ensino fundamental, e não possui, de fato, conhecimento dos trâmites legais exigidos para a aposentadoria, seja por invalidez (saúde), seja por idade, acreditando fielmente que Célia Vendramin, com quem mantinha união estável à época dos fatos, aliada a terceiro tinham conhecimento jurídico acerca dos requisitos legais referentes à concessão de aposentadoria por idade e que não se utilizariam de documento ideologicamente falso para tal fim. 5. Na hipótese, o conjunto probatório constante dos autos não oferece elementos de prova hábeis a demonstrar, com a necessária segurança a fundamentar uma condenação, que o réu, ora apelado, teria praticado ou concorrido, consciente e voluntariamente, para a prática do delito em análise, não sendo, portanto, suficiente para ensejar a condenação. Mantida a sentença recorrida que o absolveu, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal. 6. Apelação desprovida. (ACR 0001458-50.2011.4.01.3800, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 16/09/2022 PAG.) |
Não ficando evidenciada a má-fé, a intenção de levar a União em erro, o dolo não ficou caracterizado.
A condenação não pode se basear apenas em suposições. Deve haver prova concreta, e nesse caso, a acusação não se desincumbiu de apresentá-las.
Portanto, não se apresenta comprovada a existência do elemento subjetivo do tipo em comento, que seria a vontade livre e consciente da Ré em causar o prejuízo, mediante o uso de meio fraudulento.
Julgo prejudicado o pedido de propositura de acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do CPP.
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para reformar a sentença e absolver a apelante com base no art. 386, inciso V, do CPP.
É como voto.

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0005601-20.2018.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005601-20.2018.4.01.4000
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: HERLANE MARIA SOARES DA SILVA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: FABIO ALVES DOS SANTOS SOBRINHO - PI8270-A e JOSE CARLOS VIEIRA BEZERRA DO VALE - PI12920-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART 171, §3º, CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO.
1. Recebimento indevido de pensão por parte da ré após a morte da beneficiária.
2. Absolvição da Ré, haja vista a ausência de comprovação do dolo, elemento subjetivo indispensável para caracterização do delito de estelionato.
3. Apelação provida. Sentença reformada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Décima Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília-DF,
MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS
