
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
POLO PASSIVO:OSVALDO PEREIRA DAMACENO e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: WELLINGTON ALVES SANTANA - GO26726-A, SYULLA NARA LUNA DE MEDEIROS DE SOUZA - DF18822-A, CARLOS ALBERTO ARAUJO DE SOUZA - DF42505-A e KELBE SILVA RIBEIRO - DF55705-A
RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES

Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Processo Judicial Eletrônico
RELATÓRIO
Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator):
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a presente ação penal contra Osvaldo Pereira Damasceno, Maria Elaine Bianor e Sandra Magaly Magalhães Maubrigades, imputando-lhes a prática dos crimes de estelionato previdenciário, de inserção de dados falsos em sistema de informações e de falsa perícia, em concurso material. Código Penal, Art. 171, § 3º; Art. 313-A; e Art. 342, § 1º. Id 196160097, pp. 3-6.
A denúncia foi recebida em 15 de dezembro de 2016. Id. 196160098, pp. 3-4.
Em 15 de novembro de 2021, o juízo absolveu a acusada Sandra Magaly Magalhães Maubrigades da imputação da prática de todos os crimes indicados na denúncia e absolveu o acusado Osvaldo Pereira Damaceno da imputação da prática dos crimes descritos nos arts. 313-A e 342, § 1º, ambos do Código Penal. Ao final, condenou o acusado Osvaldo Pereira Damaceno, como incurso nas sanções previstas no artigo 171, § 3º, do Código Penal, em continuidade delitiva, e a acusada Maria Elaine Bianor pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, § 3º, em continuidade delitiva e 313-A, ambos do Código Penal. Id. 196160664.
Inconformado, o MPF interpôs apelação requerendo o provimento da apelação para reformar parcialmente a sentença, a fim de condenar o acusado Osvaldo Pereira Damaceno pela prática do delito tipificado no art. 313-A do Código Penal (por duas vezes), bem como para condenar a acusada Sandra Magaly Magalhães Maubrigades pela prática dos crimes descritos nos arts. 171, § 3° (por duas vezes) e 313-A (por duas vezes) do Código Penal. Id 196160666.
Contrarrazões apresentadas.
Os acusados Osvaldo Pereira Damaceno e Maria Elaine Bianor interpuseram apelações, que não foram recebidas, por terem sido consideradas intempestivas.
A acusada Maria Elaine Bianor interpôs recurso em sentido estrito contra a decisão que não recebeu sua apelação. Assim, o juízo decidiu pelo desmembramento do feito e a remessa do recurso a este Tribunal. Id 196160688.
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficia pelo não provimento do recurso da acusação. Id. 200340026.
É o relatório. Remetam-se os autos ao eminente Revisor. CPP, Art. 613, I.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
VOTO
Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator):
I
A. “No Processo Penal cabe à acusação demonstrar e provar que a conduta do agente se amolda ao tipo penal, com a presença de todos os seus elementos”. (TRF1, ACR 4514-94.2006.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 22/03/2012.) “Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado.” (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766.) (Grifo no original.) A condenação demanda a produção, pelo órgão da acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, supra.) “Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.” (STF, HC 92435/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe-197 17-10-2008.) (Grifo acrescentado.) Por isso, o juiz não pode proferir decisão condenatória, “louva[ndo-se] em provas insuficientes ou imprecisas ou contraditórias para atestar a culpabilidade do sujeito que se ache no pólo passivo da relação processual penal.” (STF, HC 92435/SP, supra.) (Grifo acrescentado.)
B. Em geral, as constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor quando forem claramente errôneas, ou carentes de suporte probatório razoável. “A presunção é de que os órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade.” (STF, AI 151351 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 05/10/1993, DJ 18-03-1994 P. 5170.) Essa doutrina consubstancia o “[p]rincípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes.” (STF, RHC 50376/AL, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 17/10/1972, DJ 21-12-1972; STJ, RESP 569985, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, 20/09/2006 [prevalência da prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF1, REO 90.01.18018-3/PA, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Segunda Turma, DJ p. 31072 de 05/12/1991 [prevalência da manifestação do órgão do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição].) Dessa forma, as constatações de fato fixadas pelo Juízo somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor mediante demonstração inequívoca, a cargo do recorrente, de que elas estão dissociadas do conjunto probatório contido nos autos.
Quando as constatações de fato fixadas pelo Juízo estão baseadas na análise de prova oral e na determinação da credibilidade das testemunhas ouvidas, maior deve ser a deferência do Tribunal Revisor a elas. É indubitável que o juiz responsável pela oitiva da testemunha, ao vivo, está em melhor posição do que os juízes de revisão para concluir pela credibilidade do depoimento respectivo. Na avaliação da prova testemunhal, somente o juiz singular pode estar ciente das variações no comportamento e no tom de voz da testemunha ao depor, elementos cruciais para a compreensão do ouvinte e a credibilidade do depoimento prestado. (TRF1, AC 60624-50.2000.4.01.0000/GO, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES, 6ª Turma Suplementar, e-DJF1 p. 183 de 19/10/2011.) Em suma, e considerando que o processo judicial consiste na tentativa de reconstituição de fatos históricos, as conclusões do Juízo responsável pela colheita da prova são de indubitável relevância na avaliação respectiva.
Além disso, uma das principais responsabilidades dos juízes singulares consiste na oitiva de pessoas em audiência, e a repetição no cumprimento desse dever conduz a uma maior expertise. Nesse ponto, é preciso reconhecer a capacidade do juiz singular de interpretar os depoimentos testemunhais para avaliar a credibilidade respectiva. Nesse sentido, esta Corte tem prestigiado as conclusões de fato expostas pelo magistrado que ouviu as testemunhas em audiência. (TRF1, ACR 2006.35.00.021538-0/GO, Rel. Juiz TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 89 de 14/08/2009.)
C. No entanto, a decisão do juiz deve “encontr[ar] respaldo no conjunto de provas constante dos autos.” (STF, AO 1047 ED/RR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2008, DJe-043 06-03-2009.) (Grifo acrescentado.) Dessa forma, os elementos probatórios presentes nos autos devem ser “vistos de forma conjunta” (TRF1, ACR 2003.37.01.000052-3/MA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Terceira Turma, DJ de 26/05/2006, p. 7; STF, RHC 88371/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 02-02-2007 P. 160; RHC 85254/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 04-03-2005 P. 37), e, não, isolada. Efetivamente, é indispensável “a análise do conjunto de provas para ser possível a solução da lide.” (STF, RE 559742/SE, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-232 05-12-2008.) (Grifo acrescentado.)
Por outro lado, cada prova, individualmente, deve ser analisada em conjunto com as demais constantes dos autos. Assim, “[o] laudo pericial há que ser examinado em conjunto com as demais provas existentes nos autos.” (STF, HC 70364/GO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 17/08/1993, DJ 10-09-1993 P. 18376.) (Grifo acrescentado.)
Em resumo, a decisão judicial deve “result[ar] de um amplo e criterioso estudo de todo o conjunto probatório”. (STF, RE 190702/CE, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 04/08/1995, DJ 18-08-1995 P. 25026.)
Com base nesses parâmetros, passo ao exame do presente caso.
II – Da conduta do artigo 313-A quanto ao acusado Osvaldo Pereira Damasceno.
A. Nos termos do Art. 313-A do CP, está sujeito às penas de dois a doze anos, e multa, “o funcionário autorizado” que “[i]nserir ou facilitar” “a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”.
O sujeito ativo desse delito é “[s]ó o funcionário autorizado, ou seja, aquele administrativamente designado para a função, e não qualquer funcionário público; trata-se de crime de mão própria.” (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FABIO MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Código Penal Comentado. – 7. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Renovar, 2007, p. 784. Itálico original.)
“[A] condição de funcionário autorizado” constitui “elementar do tipo”, e, por isso, “se comunica” ao terceiro, “a teor do artigo 30 do Código Penal, quando demonstrado que ele tinha ciência dessa condição especial do corréu e dela se valeu para a prática do crime.” (TRF 4ª Região, ACR 00004563920084047010, MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, SÉTIMA TURMA, D.E. 17/11/2015.) “O delito de inserção de dados falsos em sistemas de informações é um crime próprio, que exige determinada qualidade ou condição pessoal do agente (Bittencourt, 2002, p. 148). Dessa forma, o sujeito ativo deste crime é o funcionário público, não qualquer servidor, mas somente aquele funcionário autorizado pela Administração Pública a gerir o sistema de informações ou acessar e alterar o banco de dados específico. De todo modo, é possível haver concurso de agentes quando terceiros praticam a conduta descrita no tipo penal em conluio com o servidor público autorizado (art. 30, do CPB). Sendo assim, a qualidade de funcionário público exigida pelo delito deve se comunicar aos demais réus integrantes do grupo dos agenciadores, estando acertada a decisão ora combatida.” (TRF 5ª Região, ACR 200483000074669, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, PRIMEIRA TURMA, DJE 31/10/2013 P. 95.) “O delito do art. 313-A, CP, trata-se de crime próprio que somente pode ser cometido por servidor público devidamente autorizado a lidar com o sistema ou banco de dados, de modo que a comunicação dessa qualidade ao partícipe somente se afigura possível quando tenha havido auxílio deste ao servidor para lançamento, na espécie, de dados falsos no sistema informatizado do órgão público.” (TRF 1ª Região, ACR 00016891020064013200, DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 31/07/2015 P. 4501.) “A ausência de autorização para acesso ao banco de dados da Administração Pública descaracteriza o tipo penal previsto no art. 313-A do Código Penal.” (TRF 3ª Região, ACR 00001088120064036181, JUÍZA CONVOCADA DENISE AVELAR, SEGUNDA TURMA, APELAÇÃO CRIMINAL 0000673-12.2012.4.01.3814/MG Processo na Origem: 0000673-12.2012.4.01.3814 e-DJF3 17/06/2014.)
No mesmo sentido, concluindo que a “[c]onduta [...] não se enquadra no crime de inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A, do CP), à medida que o [agente], à época dos fatos, não era considerado funcionário autorizado a manejar o sistema de pagamentos da autarquia, pois não possuía senha de acesso para isto.” (TRF 5ª Região, ACR 200883000088017, DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO, SEGUNDA TURMA, DJE 17/10/2013 P. 237.)
“[O] legislador, ao criar o novo tipo penal previsto no art. 313-A do Código Penal, teve como intuito apenar de forma mais elevada a conduta de inserção de dados falsos em sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública, praticada tão somente pelos funcionários autorizados. Deixou de fora do referido tipo penal, portanto, o funcionário não autorizado a cuidar dos sistemas informatizados ou banco de dados da Administração Pública, aplicando-se, assim, a esses, o disposto no art. 299, parágrafo único, do Código Penal.” (STJ, HC 100.062/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 29/04/2009, DJe 25/05/2009.) No mesmo sentido: STF, RHC 100849, Rel. Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-118 21-06-2011.
Assim sendo, a condenação pela prática do delito descrito no Art. 313-A demanda a comprovação, acima de dúvida razoável, da “condição [do agente] de funcionário autorizado” (TRF 2ª Região, ACR 201251010318987, Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R 21/05/2014), e de que o terceiro (CP, Art. 30), estranho à Administração, tinha conhecimento da “condição [do agente] de funcionário autorizado”.
Na espécie, inexiste prova em nível acima de dúvida razoável de que o acusado Osvaldo Pereira Damasceno tinha conhecimento da “condição de funcionário autorizado” da acusada Sandra Magaly Magalhães Maubrigades.
Embora os fundamentos expostos pelo MPF sejam ponderáveis, na concreta situação de fato dos presentes autos, as constatações apresentadas pelo Juízo, com base no exame em conjunto das provas constantes dos autos, devem prevalecer.
Nesse sentido, a PRR1, em parecer do Dr. Luiz Fernando B. Viana:
Todavia, com a devida vênia, analisando detidamente o acervo probatório produzido nestes autos, tem-se que, conforme convicção externada pelo Juízo a quo, não há prova segura, acima de qualquer dúvida razoável, de que os ora apelados tenham, de fato, concorrido dolosamente para a prática dos crimes pelos quais foram absolvidos em primeira instância.(...)
O MPF alega que acusado Osvaldo Pereira Damaceno é contador e, por isso, conhece a burocracia e o funcionamento da máquina estatal. Assim, conclui que ele tinha conhecimento da necessidade de inserção das informações falsas no sistema do INSS para a concessão do benefício. 17. Todavia, trata-se de mera presunção, que não se mostra suficiente, por si só, para dar suporte a um decreto condenatório. Também é possível deduzir, com alguma possibilidade de acerto, que, mesmo sendo contador, o acusado não tinha conhecimento da necessidade de inserção de dados falsos nos sistemas do INSS para a concessão do benefício.
Id. 200340026.
“Os mesmos fatos, como é natural no mundo jurídico, nem sempre se submetem às mesmas leituras jurídicas; mas, na realidade, o decreto absolutório, com arrimo no conjunto da prova, produzida sob as luzes do contraditório e da ampla defesa, não deve ser alterado.” (TRF 1ª Região, ACR 00018795920044013000, Desembargador Federal OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 18/07/2016.)
Além disso, “[p]ouco importa que à leitura dos autos possa resultar uma impressão moral de culpa d[os] acusad[os]. Essa convicção íntima não basta para lastrear condenação legítima, que reclama convicção formada sob o devido processo legal.” (STF, HC 67917, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/04/1990, DJ 05-03-1993 P. 2897.) No mesmo sentido, reconhecendo que “[m]eras conjecturas ou ilações resultantes de avaliação subjetiva do julgador não são provas.” (STF, HC 76425, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 06/10/1998, DJ 13-11-1998 P. 2.)
III – Dos supostos crimes praticados por Sandra Magaly Magalhães Maubrigades.
A. O MPF pretende a reforma da sentença para que a acusada Sandra Magaly seja condenada pela prática dos delitos descritos no art. 171, § 3º, e no art. 313-A, ambos do CP.
De acordo com o Art. 171 do CP, constitui crime “[o]bter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.”
Para a caracterização do crime de estelionato, chamado por Franz Von Listz de “engano astuto”, é necessária a concorrência dos requisitos previstos no caput do Art. 171 do CP. Os requisitos são os seguintes: “1º) o emprego, pelo agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2º) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3º) obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; 4º) prejuízo alheio (do enganado ou de terceira pessoa).” (CELSO DELMANTO, Código Penal Comentado, 1991, Edição Renovar, p. 303.) “Várias e imprevisíveis são as formas que o estelionato pode assumir, mas todas têm de apresentar elementos comuns, sob pena de não se caracterizar o crime, podendo, então, surgir outro delito. Se quisermos decompô-lo em seus elementos, de maneira ampla, e abstraídos o sujeito ativo, o passivo e o dolo que aparecem em todo crime, podemos dizer que lhe são característicos: a) a consecução da vantagem ilícita; b) o emprego do meio fraudulento; c) o erro causado ou mantido por esse meio; d) o nexo de causalidade entre o erro e a prestação da vantagem; e) a lesão patrimonial.” (MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, vol. 3, Saraiva, São Paulo, 1996, p. 369.) “‘Na estrutura do crime’ – aprendemos definitivamente com Hungria (Comentários ao C. Penal, Forense, 4ª ed., 1980, VII/202, § 76), ‘apresentam-se (...) quatro momentos, que se aglutinam em relação de causa a efeito: a) emprego de fraude (isto é, de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento); b) provocação ou manutenção (corroboração) de erro; c) locupletação ilícita; d) lesão patrimonial...’.” (STF, RHC 80411/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 21/11/2000, DJ 02-03-2001 P. 18.) Em idêntica direção: TRF 1ª Região, INQ 2005.01.00.068422-8/MA, Rel. Desembargador Federal TOURINHO NETO, Segunda Seção, DJ de 13/04/2007 p. 4; ACR 2001.39.00.002710-7/PA, Rel. Desembargadora Federal ASSUSETE MAGALHÃES, Terceira Turma, e-DJF1 p. 389 de 19/12/2008.
Nos termos do § 3º do Art. 171 do CP, “[a] pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.” O Fundo Nacional de Saúde constitui “entidade de direito público”. Em caso envolvendo fraude perpetrada contra o programa Farmácia Popular, em detrimento do Fundo Nacional de Saúde, o TRF3 concluiu: “Incidente a causa de aumento do art. 171, § 3º, do Código Penal, em razão de o crime ter sido cometido em detrimento de entidade de direito público, à razão de 1/3 (um terço).” (TRF3, ApCrim 0000133-82.2017.4.03.6125, Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW, Quinta Turma, e-DJF3 16/09/2019.)
B. O elemento subjetivo do tipo e a intenção dolosa podem ser provados por meio de indícios. “O conjunto consistente de indícios presentes nos autos, ou seja, de provas indiretas, de circunstâncias conhecidas e provadas nos autos, autorizam o julgador, por indução, a concluir a existência do dolo na prática do delito, a teor do art. 239 do CPP.” (TRF1, ACR 1998.32.00.002889-2/AM, Rel. Juiz TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 53 de 06/03/2009; TRF2, ACR 200451020021220, Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, Segunda Turma Especializada, DJ 04/08/2009 P. 27.) “O dolo consiste na vontade livre e consciente de praticar uma das condutas tipificadas legalmente e, por constituir um elemento subjetivo, interno ao agente (psíquico), a sua aferição deve ocorrer a partir do exame das circunstâncias exteriores ao ato ilícito, observando-se as provas contidas nos autos e as regras normais da experiência.” (TRF1, ACR 0006960-53.2009.4.01.3601, Juiz Federal FABIO MOREIRA RAMIRO, Quarta Turma, e-DJF1 25/04/2018.) “A prova do elemento subjetivo do crime somente pode ser fornecida por meios indiretos que apontem a ocorrência do dolo, ou seja, a vontade de realizar a conduta, de produzir o resultado e a ciência de sua ilicitude, uma vez que não é possível penetrar na mente do acusado.” (TRF3, ACR 2001.60.00.006913-1/MS, Rel. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES, Segunda Turma, julgado em 27/08/2008, DJ 03/10/2008.) Em idêntica direção: TRF1, ACR 2001.36.00.005996-3/MT, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Terceira Turma, e-DJF1 p. 126 de 16/05/2008; ACR 2004.35.00.008620-1/GO, Rel. Juiz TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 35 de 03/07/2009; TRF3, ACR 2002.61.02.007236-1/SP, Rel. Desembargador Federal LEONEL FERREIRA, Quinta Turma, julgado em 25/08/2008, DJ 16/09/2008.
Em suma, “o dolo deve ser deduzido a partir de indicadores observáveis externamente (HASSEMER, Winfried. Kennzeichen des Vorsatzes. In: Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann. DORNSEIFER, Gerhard et alii (coord.). Köln: Heymanns, 1989).” (STF, AP 470 EI-sextos, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2014, DJe-161 21-08-2014.)
Assim, o dolo pode ser inferido a partir dos fatos e das circunstâncias que envolvem o comportamento do agente ou dos “indicadores observáveis externamente”. (STF, AP 470 EI- sextos, supra.)
Na espécie, o juízo concluiu pela ausência de prova suficiente à condenação, em nível acima de dúvida razoável, nos seguintes termos:
Por fim, entendo que não há provas de autoria em relação a SANDRA MAGALY MAGALHÃES MAUBRIGADES. Nada há nos autos que evidencie que tal denunciada tenha concorrido, de forma consciente, para o cometimento da fraude previdenciária descrita na denúncia. O inquérito policial relacionado demonstra somente que SANDRA MAGALY foi a responsável por redirecionar/reagendar a perícia médica em favor de OSVALDO PEREIRA DAMACENO para a perita MARIA ELAINE BIANOR, justificando tal alteração como “equilíbrio de agenda” (ID 217717425, fls. 66/67). No entanto, não foi a responsável por qualquer outra participação na concessão irregular do benefício, pois não fez a habilitação, a homologação ou mesmo a concessão do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez.
Em Juízo, a acusada negou os fatos descritos na peça inicial acusatória, sustentando que a transferência de perícia “era um procedimento normal dentro da agência, transferir de um médico para outro quando necessário, inclusive vendo nos autos a perícia estava agendada para o doutor Joelson às 13h51min, tá no processo isso, só que o doutor Joelson (inaudível) o expediente ás 14horas, então eu creio que essa perícia tenha sido transferida devido a isso. Quando atrasava as perícias, que cada caso é um caso, (inaudível) demorava algumas perícias e ia chegando para o final do expediente do médico, a gente era autorizado a transferir quando tinha esse acúmulo a transferir pra outro, porque a gente colocava reequilíbrio de agenda. Não sei se foi esse o caso, não me recordo, são muitos anos, mas era um procedimento normal dentro da agência transferir para equilibrar agendas” (arquivo de vídeo 534136958). (...)
Já as testemunhas de defesa ouvidas em Juízo também afirmaram que o procedimento de transferência de agendamentos periciais, ou seja, um segurado para outro médico perito, era uma prática administrativa comum para fins de equilíbrio de agenda. Por fim, o relato da testemunha Joelson Ferreira Ribeiro, também médico perito do INSS que atuava na APS de Formosa à época dos fatos, revelou que nunca entendeu que havia má-fé quanto à situação de remarcação de perícias médicas e que alertou SANDRA MAGALY para que a prática não perpetuasse por ocasião de sua gerência.
No caso dos autos, é possível que SANDRA MAGALY MAGALHÃES MAUBRIGADES tenha remarcado/reagendado a perícia médica de OSVALDO PEREIRA DAMACENO para a médica perita MARIA ELAINE BIANOR a fim de garantir o sucesso da fraude? A resposta pode ser afirmativa. No entanto, o simples fato de a aucusada ter remanejado a perícia médica para a agenda da denunciada Maria Elaine Bianor não constitui prova cabal e inequívoca de que agiu com intuito fraudulento, ume vez comprovado que o remanejamento de perícias era algo corriqueiro dentro da APS Formosa, inxistindo, ao mesmo tempo, qualquer outro elemento de prova que que faça concluir pela participação da acusada no conluio fraudulento descrito na inicial. Assim, considerando que, na forma do artigo 156 do Código de Processo Penal, “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer(...)” e que o Ministério Público Federal não logrou êxito em demonstrar a tese acusatória, impõe-se a absolvição de SANDRA MAGALY MAGALHÃES MAUBRIGADES.
Id. 196160664.
Nesse contexto, o dolo na conduta da recorrida não ficou comprovado em nível acima de dúvida razoável.
No presente caso, as provas contidas nos autos não são suficientes à conclusão, sem sombra de dúvidas, de que a acusada tenha participado dolosamente dos fatos delitivos narrados.
A simples atitude de alterar o agendamento da perícia médica não é suficiente para afirmar que a acusada participou ativamente da fraude. As testemunhas ouvidas em juízo afirmaram que o procedimento de transferência de agendamentos periciais era uma prática administrativa comum.
Logo, o simples fato da acusada ter realizado o remanejamento da perícia médica não constitui prova inequívoca de que tenha agido com dolo para o cometimento do crime em questão.
Em que pesem os fundamentos trazidos pelo MPF, na situação concreta apresentada, com base no exame em conjunto das provas constantes dos autos, são suficientes à demonstração da desnecessidade de prosseguimento da ação penal.
Segundo o Ministro GILMAR MENDES, a instauração de um processo criminal fadado ao insucesso agride a dignidade da pessoa humana, porquanto “respeitar a dignidade da pessoa humana, em uma de suas dimensões, significa que o homem não pode ser transformado em objeto dos processos estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [‘Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.’] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18). O processo criminal inviável, na verdade, é um processo pecaminoso no sentido constitucional, porque ele onera, penaliza a parte simplesmente pela sua propositura. Em escritos doutrinários recentes tenho sustentado que a cláusula da dignidade da pessoa humana constitui um tipo de cláusula subsidiária em matéria de processo penal, como o é também a cláusula do devido processo legal.” (STF, Pet 3898, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2009, DJe-237 18-12-2009.) (Grifo suprimido.)
“Os mesmos fatos, como é natural no mundo jurídico, nem sempre se submetem às mesmas leituras jurídicas; mas, na realidade, o decreto absolutório, com arrimo no conjunto da prova, produzida sob as luzes do contraditório e da ampla defesa, não deve ser alterado.” (TRF 1ª Região, ACR 00018795920044013000, Desembargador Federal OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 18/07/2016.)
Além disso, “[p]ouco importa que à leitura dos autos possa resultar uma impressão moral de culpa d[os] acusad[os]. Essa convicção íntima não basta para lastrear condenação legítima, que reclama convicção formada sob o devido processo legal.” (STF, HC 67917, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/04/1990, DJ 05-03-1993 P. 2897.) No mesmo sentido, reconhecendo que “[m]eras conjecturas ou ilações resultantes de avaliação subjetiva do julgador não são provas.” (STF, HC 76425, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 06/10/1998, DJ 13-11-1998 P. 2.)
IV
Em conformidade com as razões acima expostas, voto pelo não provimento da apelação do MPF.

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0003369-33.2016.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003369-33.2016.4.01.3506
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
POLO PASSIVO:OSVALDO PEREIRA DAMACENO e outros
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: WELLINGTON ALVES SANTANA - GO26726-A, SYULLA NARA LUNA DE MEDEIROS DE SOUZA - DF18822-A, CARLOS ALBERTO ARAUJO DE SOUZA - DF42505-A e KELBE SILVA RIBEIRO - DF55705-A
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. CÓDIGO PENAL, ART. 171, § 3º. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. PROVA INSUFICIENTE DO DOLO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do MPF, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal LEÃO ALVES
