
POLO ATIVO: FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA e outros
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):NEY DE BARROS BELLO FILHO

Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO
Processo Judicial Eletrônico
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO (Relator):
Cuida-se de recursos de apelação interpostos por Francisco Ribeiro de Souza e Emídio Ferreira Campos contra sentença prolatada pelo Juízo Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que condenou ambos os réus às penas de 04 (quatro) anos, 03 (três) meses de reclusão e 80 (oitenta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pela prática do delito do art. 313-A do Código Penal.
A denúncia, conforme resumida na sentença, dispôs que:
“Em abril de 2005, FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA, funcionário público autorizado à habilitação e concessão de benefícios no âmbito do INSS, em comunhão de esforços com EMÍDIO FERREIRA CAMPOS, obteve para Zacarias Alves de Queiroz, mediante a inserção de dados falsos no sistema informatizado da Previdência Social (períodos de trabalho inexistentes), vantagem ilícita, traduzida na concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, causando um prejuízo de R$ 42.365,50 (quarenta e dois mil, trezentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos) aos cofres públicos.
Acresce que EMÍDIO atuou como intermediário, tendo protocolado o pedido de aposentadoria em nome de Zacarias lastreado, em parte, por documentos e informações falsas por ele providenciados (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP e formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais em nome da SOCINTEL DE BRASÍLIA ENGENHARIA LTDA; e inserção de informações falsas na CTPS do segurado), recebendo como contraprestação a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de forma parcelada.”
Em razões de recurso, os réus, ambos representados pela Defensoria Pública da União, pedem, preliminarmente, seja reconhecida a continuidade delitiva ou conexão em relação a outras ações penais, nas quais eles respondem por fatos semelhantes. No mérito, requerem a absolvição ao argumento de que inexistem provas suficientes para uma condenação penal. Alternativamente, pedem a desclassificação da conduta para o tipo do art. 171, § 3º, do CP, pois a inserção de dados falsos no sistema de INSS constituiu o crime meio para o delito de estelionato e deve por este ser absorvido. Ainda alternativamente, almejam a revisão da dosimetria, para reduzir as penas impostas na sentença.
Com as contrarrazões do Ministério Público Federal, subiram os autos a este Tribunal.
Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo parcial provimento dos recursos, apenas para reduzir as penas aplicadas na sentença.
É o relatório.
Encaminhe-se à eminente Revisora.

Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO
Processo Judicial Eletrônico
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO (Relator):
Como relatado, cuida-se de recursos de apelação interpostos por Francisco Ribeiro de Souza e Emídio Ferreira Campos contra sentença que condenou ambos os réus às penas de 04 (quatro) anos, 03 (três) meses de reclusão e 80 (oitenta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pela prática do delito do art. 313-A do Código Penal.
Inicialmente, observo que, ao contrário do aduzido nas contrarrazões do MPF, o recurso de apelação interposto por Emídio Ferreira Campos não é intempestivo. Embora a Defensoria Pública da União não tenha apresentado as razões recursais na primeira intimação, é fato que o magistrado, ante o silêncio da defesa, abriu novo prazo recursal, quando então as razões foram devidamente apresentadas.
No mérito, dispõe o art. 313-A do Código Penal:
Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Para a configuração do art. 313-A do CP, basta a inserção de dados falsos, pelo funcionário competente, em sistema da Administração Pública, com o fim de gerar proveito para si ou para outrem ou para causar dano. É um crime formal, consumado com a inserção de dados falsos, e que independe do recebimento indevido do benefício ou de vantagens dele advindas. Ao inserir no banco de dados do INSS informações falsas sobre pessoas, há a consumação do tipo penal.
Segundo a denúncia, em abril de 2005, o réu Francisco Ribeiro, servidor público autorizado à habilitação e concessão de benefícios no âmbito do INSS, em comunhão de esforços com Emídio Ferreira, na qualidade de despachante, obtiveram para Zacarias Alves de Queiroz, mediante a inserção de dados falsos – de períodos de trabalho inexistentes - no sistema informatizado da Previdência Social, vantagem ilícita, traduzida na concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, causando um prejuízo de R$ 42.365,50 (quarenta e dois mil, trezentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos) aos cofres públicos.
Em preliminar, a defesa sustenta que os crimes apurados nestes autos são os mesmos apurados em outras ações penais a que respondem os réus, pelo que, entendem deve ser aplicada a continuidade delitiva.
Não merece prosperar a tese. O fato de terem sido instauradas outras ações penais contra os acusados por fatos semelhantes não impõe, neste momento processual, o reconhecimento da continuidade delitiva. Na hipótese de várias condenações, compete ao Juízo da Execução dar aplicabilidade ao art. 71 do Código Penal. Nesse sentido:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. ART. 313-A DO CP. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. UNIDADE DOS PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ARTIGO 171, § 3º, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REFORMA. 1. A unidade de processos deve se dar na execução, se eventualmente reconhecida a continuidade delitiva - ou o concurso de crimes, material ou formal -, para efeito de soma ou unificação de penas, nos termos do art. 66, III, a, da lei n. 7.210/84 (LEP). 2. Incorre no crime de inserção de dados falsos em sistema de informações o servidor do INSS e cúmplice que concedem benefício previdenciário indevido, com base em informações inverídicas, consciente da ação criminosa, com o objetivo de obter vantagem para si ou outrem. Com base no princípio da especialidade, o tipo penal a ser aplicado é o do art. 313-A, pois acrescenta elementos específicos à descrição típica prevista na norma descrita no art. 171, § 3º, do Código Penal. 3. Materialidade e autoria do crime previsto no art. 313-A suficientemente demonstradas nos autos por farta documentação e prova testemunhal. Dolo caracterizado. Mantida a condenação. 4. Apelações parcialmente providas, para reduzir as penas aplicadas. (ACR 0037985-71.2010.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 13/11/2018 PAG.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉ- RITO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 267, V, DO CPC. PARTES DIVERSAS. LITISPENDÊNCIA. CPP, ART. 110. INOCORRÊNCIA. INFRAÇÃO PENAL. DANOS. REPARAÇÃO CIVIL. CPP, ART. 387, IV. FASE INSTRUTÓRIA ANTERIOR À LEI N. 11.719/2008. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO. REQUERIMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO SOMENTE APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPERTINÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE ANULADA. 1. Tratando-se de partes diversas, é impossível o reconhecimento da ocorrência do fenômeno processual da litispendência entre o presente feito e a Ação Penal n. 2001.37.00.000328- 6/MA. 2. Inoportuna a aplicação subsidiária do art. 267 do CPC, com a consequente extinção do processo sem a resolução do mérito, uma vez que a continuidade delitiva, que serviu de fundamento da decisão, é matéria de mérito. 3. Não é razoável buscar-se o antecipado reconhecimento da continuidade delitiva pelos fatos que ainda estão sendo processados, porquanto os acusados tanto podem ser condenados como absolvidos. 4. Na hipótese de ser reconhecido, ao final, eventual concurso de crimes, material ou formal, ou crime continuado, a unidade dos processos se dará na execução, para efeito de soma ou unificação de penas, nos termos do art. 66, III, "a", da Lei n. 7.210/84 (LEP). 5. No caso em tela, a fase instrutória ocorreu antes do advento da Lei n. 11.719/2008, sem que o Ministério Público Federal requeresse a fixação de reparação civil dos danos causados pelo crime cometido por MARINALVA CARDOSO PEREIRA (art. 171, § 3º, do CP), prevista, a partir de 23/06/2008, no art. 387, IV, do CPP. Assim, não há como o magistrado incluir na sentença um capítulo a respeito da matéria, sob pena de desrespeitar os limites estabelecidos pela demanda. 6. Apelação provida em parte, apenas para anular a sentença no ponto em que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, em relação a FRANCISCO JOSÉ NASCIMENTO SOUSA e EUNICE MEIRELES MOREIRA e determinar o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito. (ACR 0005840-76.2003.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p.6 de 03/10/2012) (Grifei)
Por outro lado, o instituto da conexão visa facilitar a instrução dos feitos, otimizando a colheita de provas e promovendo o completo aproveitamento dos atos processuais, de forma a se chegar a um julgamento único. Sua finalidade, portanto, está intimamente relacionada com a fase processual em que se encontram as ações penais para as quais se deseja um julgamento conjunto.
E, ainda, o art. 82 do Código de Processo Penal dispõe que:
Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.
De acordo com este dispositivo, a reunião dos processos sofre limitação justamente no que tange à fase processual em que se encontram os feitos conexos, não podendo alcançar os processos já sentenciados. Nota-se, ainda, que basta, para tanto, a prolação de sentença, não havendo necessidade de que tenha transitado em julgado.
Nesse seguimento, o enunciado de Súmula 235 deste Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".
Nesse sentido, as jurisprudências a seguir:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (CP, ART. 171, §3º) E INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO (CP, ART. 313-A). AFASTADA NULIDADE DO INTERROGATÓRIO DO RÉU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ALEGAÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. PLEITO DE REUNIÃO DOS PROCESSOS EM UMA MESMA VARA CRIMINAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA FIXADA À RÉ. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU. 1. A mera irregularidade formal, por ausência de prejuízo, inclusive abstrato, não acarreta qualquer nulidade no ato praticado. Nulidade do interrogatório do réu afastada. 2."Não há que se falar em necessidade de reunião do processo com os vários outros em curso neste Juízo atinentes a fraudes contra o INSS, tendo em vista que inexiste a conexão verberada pelas defesas, na medida em que não há identidade entre eles e nem conexão de provas. Nesse sentido, cada processo tem seu próprio objeto, qual seja, o crime supostamente cometido na concessão individual de cada benefício previdenciário, em circunstâncias particulares e atribuídos a beneficiários distintos." 3. Rejeitado "o pedido de exclusão dos réus do polo passivo por responderem a outros processos semelhantes, uma vez que tal circunstância, em princípio, indica, tão somente, hipóteses de continuidade , que poderá e deve ser analisada pelo Juízo da execução penal (LEP, art. 666, III, a), se houverem múltiplas sentenças penais condenatórias, sem prejuízo da unificação das penas individualizadas em cada processo, em atendimento à garantia constitucional (CF, art. 5º, XLVI) .". 4. Materialidade e autoria delitivas demonstradas. 5. Ex oficio, com esteio no art. 383 do Código de Processo Penal, alterada a capitulação dada ao crime imputado à Recorrente para estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do CP). E, nos termos da r. sentença impugnada, mantida a do réu pela prática do mesmo delito, no caso, o previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal. 6. A culpabilidade é grave e a reprimenda merece incremento, na medida em que a conduta da ré foi decisiva para a consumação do delito. Sustentando a condição, na época dos fatos, de servidora do INSS, com acesso pleno ao sistema de concessão de benefícios previdenciários, foi a pessoa que possibilitou o sucesso da fraude e, por conseguinte, o pagamento da aposentadoria à beneficiária. Sem a conduta da ré, a obtenção de êxito na concessão do benefício restaria frustrada. (ACR 0049277-53.2010.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL ROGÉRIA MARIA CASTRO DEBELLI (CONV.), TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 22/09/2017)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 168-A DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. DOLO GENÉRICO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CONFIGURADA. CONTINUIDADE DELITIVA. 1. Não se mostra viável a conexão entre os feitos, nos termos do enunciado n. 235 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado". 2. Após a prolação da sentença condenatória opera-se a preclusão quanto aos vícios que supostamente maculem a denúncia, nos termos do disposto no art. 569 do Código de Processo Penal. 3. O tipo penal do art. 168-A do Código Penal exige apenas o dolo genérico que consiste da conduta omissiva de deixar de recolher no prazo legal as contribuições destinadas à Previdência Social. (Precedente da Turma). 4. A defesa não logrou comprovar a debilidade financeira da empresa no período questionado na inicial, não sendo suficiente a mera alegação de falta de recursos para afastar a culpabilidade. 5. A reiteração da conduta nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução caracteriza a continuidade delitiva e justifica a exasperação da pena, que foi devidamente fundamentada na sentença recorrida. 6. Apelação não provida. (ACR 0004832-42.2009.4.01.3801 / MG, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL RENATO MARTINS PRATES (CONV.), TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.2100 de 14/08/2015)
De acrescentar, ainda, que a quantidade de fraudes perpetradas pelos apelantes afasta a conveniência necessária à reunião das ações penais diante da dificuldade da tramitação em conjunto, ainda mais quando evidenciado que os procedimentos estão em fases processuais distintas. Assim, embora exista correlação entre os fatos objeto das ações penais, os beneficiários são diferentes e as provas a serem produzidas em cada processo, especialmente as testemunhais, são diversas, o que poderá inviabilizar o regular andamento do feito.
Desse modo, como bem acentuou o magistrado sentenciante, inexiste a conexão apontada, na medida em que não há identidade entre eles e nem comunhão de provas, pois cada processo tem seu próprio objeto.
Ainda, não há como se acolher o pedido de exclusão dos réus do polo passivo por responder a outros processos semelhantes, uma vez que tal circunstância, em princípio, indica, tão somente, a possibilidade da aplicação da continuidade delitiva – art. 71 do CP -, hipótese que deverá ser analisada pelo Juízo da Execução Penal (art. 66, III, a, do CPP), no caso de múltiplas sentenças penais condenatórias, sem prejuízo da unificação das penas individualizadas em cada processo.
Também rejeito o pedido formulado pelos apelantes, de se alterar a capitulação legal da conduta, ao argumento de que se amolda ao tipo penal do art. 171, § 3º, do CP e não àquele do art. 313-A do CP.
No estelionato previdenciário é necessário que esteja presente o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo, consistente na vontade do agente de se apropriar de vantagem ilícita pertencente a outrem, causando prejuízo, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, aplicando-se a causa de aumento do parágrafo 3º quando o crime é cometido contra entidade de direito público, como no caso do INSS.
Para a configuração do art. 313-A do CP, basta a inserção de dados falsos, pelo funcionário competente, em sistema da Administração Pública, com o fim de gerar proveito para si ou para outrem ou para causar dano. É um crime formal, consumado com a inserção de dados falsos, e que independe do recebimento indevido do benefício ou de vantagens dele advindas. Ao inserir no banco de dados do INSS informações falsas sobre pessoas, há a consumação do tipo penal.
O tipo incriminador do art. 313-A do CP adentrou o mundo jurídico por meio da Lei 9.983/2000. Originalmente, o projeto da referida Lei limitava à infração ao âmbito da Previdência Social, diante da elevada quantidade de fraudes praticadas contra a autarquia federal.
Ocorre que, em razão da rápida evolução tecnológica, percebeu-se que a popularização da informática permitiu a qualquer um ter acesso às ferramentas que podem tornar qualquer sistema de dados vulnerável a danos inimagináveis. Assim, abriu-se o leque de alcance do tipo incriminador.
A fim de tornar mais grave o que antes era considerado estelionato para o agente autor ou partícipe da fraude de inserção de dados falsos ou alteração ou exclusão de dados verdadeiros nos sistemas da Administração Pública, o legislador não só definiu conduta própria como também endureceu a lei penal neste aspecto.
A doutrina classifica o delito de próprio (exige sujeito qualificado), formal e instantâneo. O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.
Cezar Roberto Bitencourt afirma, quanto ao sujeito ativo do delito, que:
(...) somente pode ser o funcionário público, e especialmente aquele devidamente autorizado a trabalhar com a informatização ou sistema de dados da Administração Pública. O tipo penal, que tipifica crime próprio, tem o especial cuidado de destacar que o sujeito ativo dessa infração penal é o funcionário autorizado, afastando, dessa forma, qualquer outro funcionário que, eventualmente, imiscuir-se indevidamente nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública.
Assim o funcionário público não autorizado somente poderá concorrer para esse crime na forma do art. 29; caso contrário, deverá responder por outra infração penal.[1]
Logo, com base no princípio da especialidade, o tipo penal a ser aplicado é aquele capitulado no art. 313-A, pois acrescenta elementos específicos à descrição típica prevista na norma descrita no art. 171, § 3º, do Código Penal.
Sob a análise apurada da conduta imputada aos réus, tenho que o tipo penal que mais se amolda ao delito dos autos é o de inserção de dados falsos em sistema informatizado, previsto no art. 313-A do Código Penal. O réu Francisco foi responsável pela concessão do benefício previdenciário em questão por inserir no resumo de documentos para o cálculo de tempo de contribuição vínculos empregatícios fictícios. Já o acusado Emídio Ferreira, atuou como despachante do beneficiário Zacarias Alves e, nessa condição, protocolou o pedido de benefício fraudulento.
Sobre a matéria, os precedentes deste Tribunal:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. PRECEDENTE DO STJ. LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA. CP, ART. 317. DESCLASSIFICAÇÃO EX OFFICIO PARA O DELITO INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. CP, ART. 313-A. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSOS DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS. 1. Tem-se que não é inepta a denúncia que, como no caso presente, narra a ocorrência de crime em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica o respectivo tipo penal, viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do previsto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Súmula 83/STJ. Precedente do STJ. 2. Os delitos praticados pela Apelante, não obstante sejam condutas semelhantes quanto à forma de execução e à finalidade, não apontam a mesma similaridade quanto ao aspecto temporal, aos beneficiários e aos danos causados ao INSS. Não há como se afirmar que entre o presente feito e as Ações Criminais listadas nos autos, a Apelante teria praticado o mesmo delito a ela imputado no presente feito. Preliminar de litispendência afastada. 3. Os elementos probatórios coligidos dos autos apontam que a conduta perpetrada pelas Recorrentes subsume-se ao delito tipificado no artigo 313-A, do Código Penal. E, embora o agente não goze da condição de servidor e nem tampouco tenha praticado a inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem, é coautor e partícipe no crime do art. 313-A do Código Penal, desde que esteja ciente da conduta delituosa e da possibilidade de o servidor operar os sistemas informatizados da Administração Pública, como na hipótese dos autos.. 4. Ausentes os elementos constitutivos do tipo penal previsto no arts. 317, §1º, do Código Penal. O art. 383, do Código de Processo Penal, admite a possibilidade de o juiz alterar a definição constante da denúncia, o que a doutrina convencionou chamar de emendatio libelli, que pode ocorrer nesse momento processual, uma vez que o réu defende-se dos fatos contra ele alegados e não da capitulação jurídica que lhes é dada. Desclassificação, de ofício, da conduta delituosa imputada às rés para o crime de inserção de dados falsos em sistema de informação, previsto no art. 313-A, do Código Penal. 5. Materialidade e autoria demonstradas. 6. Reforma da r. sentença recorrida para, de ofício, desclassificar o delito de corrupção passiva (CP, art. 317, §1º) para o crime de inserção de dados falsos em sistema de informação (CP, art. 313-A). 7. Recursos de Apelação não providos. (ACR 0000246-70.2011.4.01.3807 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 12/12/2016)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS DE INFORMAÇÕES. ART. 313-A DO CP. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, § 3º DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AFASTADA. 1. A ré, valendo-se da condição de servidora do INSS, inseriu dados que sabia serem falsos no sistema informatizado da autarquia previdenciária, objetivando auferir vantagem ilícita para si e para outrem. 2. Impossibilidade de desclassificação do crime do art. 313-A do Código Penal para aquele previsto no art. 171, § 3º do mesmo diploma legal. 3. Com base no princípio da especialidade, o tipo penal a ser aplicado é o do art. 313-A, pois acrescenta elementos especializantes à descrição típica prevista na norma descrita no art. 171, § 3º do Código Penal. 4. Extinção da punibilidade pela prescrição afastada. 5. Recurso em sentido estrito provido, para que o feito retorne à Vara de origem e tenha seu normal prosseguimento. (RSE 0019725-90.2013.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCIO SÁ ARAÚJO (CONV.), TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 17/02/2017)
Nessas condições, a conduta dos acusados encontra perfeita adequação típica na figura delitiva do art. 313-A do CP, como decidido na sentença.
No mérito, as provas coligidas aos autos corroboram a imputação delitiva.
A materialidade delitiva é incontroversa. Nesse sentido: resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição relativo ao beneficiário Zacarias Alves de Queiroz; b) Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, supostamente emitido pela empresa SOCINTEL DE BRASÍLIA ENG. LTDA, contendo a falsa informação de que Zacarias Alves de Queiroz exerceu o cargo de pedreiro na empresa por três períodos, expondo-se a fatores de risco; c) cópia da Carteira de Trabalho que instruiu o pedido de aposentadoria em nome de Zacarias Alves de Queiroz, com contém informações dos vínculos trabalhistas fictícios; d) formulário contrafeito as atividades exercidas em condições especiais, supostamente emitido pela empresa SOCINTEL DE BRASÍLIA ENGENHARIA LTDA; e) Relatório do Pólo de Ação de Revisão de Benefícios – Brasília/DF, cuja conclusão é clara quanto à fraude na concessão do benefício de em favor de Zacarias Alves de Queiroz; e f) laudo pericial.
A autoria, a despeito da insistente negativa por parte dos apelantes, também é indene de dúvidas.
A efetiva participação delitiva do réu Francisco Ribeiro está evidenciada, pois ele foi o responsável pela habilitação e concessão do benefício, conforme provado na Auditoria do Benefício, que atestou o uso de sua matrícula pessoal.
Quanto ao dolo, este também está evidenciado nos autos, sobretudo pela prova testemunhal, pois o beneficiário Zacarias Alves foi firme e seguro no sentido de que sequer compareceu à Agência do INSS, muito embora conste sua assinatura no formulário de requerimento e, também, à míngua da apresentação de procuração do acusado Emídio, que atuou na condição de despachante.
O dolo esteve presente na conduta do réu, consistente na vontade livre, consciente e dirigida à finalidade de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mediante fraude, posto que, como servidor responsável pela análise dos documentos relativos ao pedido de aposentadoria, deixou de observar obrigações exigidas pela função que desempenhava, sem qualquer justificativa, lançando ilicitamente vínculos empregatícios e contribuições quando da habilitação e concessão do benefício previdenciário.
Ainda, afigura-se demasiadamente frágil a tese defensiva, no sentido de que fora levado a equívoco quando dos lançamentos dos dados no sistema informatizado porque, na época, havia acúmulo de trabalho.
Do mesmo modo, a autoria em relação ao acusado Emídio Ferreira é incontestável. As provas, testemunhais e documentais, corroboram a imputação.
Nesse sentido, a testemunha Zacarias Alves, segurado beneficiário, no sentido de que procurou o réu Emídio para viabilizar sua aposentadoria. Disse que entregou a documentação ao acusado que, por sua vez, lhe informou que já tinha tempo para se aposentar. Disse, ainda, que nunca compareceu à Agência do INSS e que o réu lhe cobrou R$ 5.000,00 (cinco) mil reais pelos serviços. Demais, o réu confessou ter intermediado a aposentadoria de Zacarias Alves, embora negue ter providenciado a contrafação da documentação que instruiu o requerimento junto ao INSS. Ocorre que, sobre a contrafação documental, o Laudo de Exame Documentoscópico é conclusivo no sentido de que os lançamentos gráficos presentes na CTPS do beneficiário Zacarias Alves pertencem ao acusado Emídio Ferreira.
Sob a análise apurada da conduta imputada ao réu é certo que o tipo penal que se amolda ao delito dos autos é o de inserção de dados falsos em sistema informatizado, previsto no art. 313-A do Código Penal.
Isso porque praticou o delito em conluio com o réu Francisco Ribeiro, e este foi responsável pela concessão de benefícios previdenciários irregulares em razão da inserção de dados falsos no sistema do INSS. E, como dito, a condição de funcionário público do mencionado réu, elementar do tipo penal do art. 313-A do CP, comunica-se ao acusado Emídio, particular coautor do delito.
Esse delito admite participação e coautoria, nos termos dos artigos 29 e 30 do CP. O Superior Tribunal de Justiça possui julgamento nesse sentido. Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS DE INFORMAÇÕES. ART. 313-A DO CP. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO INSUFICIENTE PARA DESCONSTITUIR OS FUNDAMENTOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1º, 13, 18, 29, CAPUT E § 1º, E 313-A DO CP. CRIME QUE ADMITE PARTICIPAÇÃO E COAUTORIA. PRECEDENTE. AUTORIA. ELEMENTOS DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 18 e 313-A DO CP. CERTIDÃO EFETIVAMENTE EXPEDIDA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. RECONHECIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. ART. 29, § 1º, DO CP. NECESSIDADE DE REEXAMINAR PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA VEROSSIMILHANÇA ENTRE OS CASOS. ART. 255 E §§ DO RISTJ. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA DO ART. 2º, I, DA LEI N. 8.137/1990. ANÁLISE DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEMANDA POR REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 155, 158 E 616 DO CPP. CARACTERIZAÇÃO DA DÚVIDA RAZOÁVEL. NECESSIDADE DE REEXAMINAR PROVAS. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 59 E 45, § 1º, DO CP. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA DO MAGISTRADO. EFETIVO PREJUÍZO. RETARDO NO ANDAMENTO DAS EXECUÇÕES FISCAIS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 E 620 DO CPP. OMISSÃO NA ANÁLISE DE NULIDADES NO INQUÉRITO. PONTOS DEVIDAMENTE REBATIDOS. REDISCUSSÃO DA CAUSA. PRECEDENTE. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1185141/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 05/04/2019)
Dessa forma, não há dúvidas de que as circunstâncias elementares do tipo penal incriminador comunicam-se ao réu.
Assim, merece ser prestigiada a conclusão do magistrado de primeiro grau que, no que diz respeito à conduta dos réus e à existência do dolo, ponderou o seguinte:
“As provas constantes dos autos evidenciam a autoria dos acusados FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA e EMÍDIO FERREIRA CAMPOS.
É inquestionável que os dados falsos foram inseridos no sistema da previdência social pelo acusado FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA, com o uso de sua matrícula pessoal (0221484), conforme comprova a Auditoria do Benefício (fls. 107/108 do Apenso I).
No entanto, em Juízo, o acusado FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA negou o envolvimento no crime, tentando justificar eventuais equívocos na concessão de benefícios previdenciários em razão do acúmulo de trabalho, da falta de treinamento por parte da autarquia previdenciária, assim como da exigência de brevidade no atendimento. Alegou, ainda, sofreu um processo administrativo no INSS, que resultou na perda do cargo exercido, mas por fatos diversos do apurado nos autos.
Em que pesem as alegações defensivas, depreende-se do conjunto probatório existente nos autos que o acusado efetivamente tinha ciência da falsidade das informações apresentadas em instrução ao requerimento do benefício. Conquanto não arregimentasse pessoas para a realização da prática criminosa, praticou todos os atos necessários para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado, mediante a inserção de dados falsos no sistema informatizado do INSS, com o pleno conhecimento de todos os procedimentos internos.
Observo que o relatório da gerência executiva do INSS em Brasília apontou inconsistências evidentes na documentação oferecida ao servidor público, estando claro que uma conferência mínima das informações acarretaria no reconhecimento imediato da falsidade dos dados ali contidos.
Veja-se que a fraude foi perpetrada com o uso de CTPS adulterada, com informações de contratos fora da ordem cronológica (fls. 114), o que era facilmente perceptível.
Ademais, depreende-se da análise da defesa do beneficiário, realizada pela Previdência Social, que a empresa SOCINTEL DE BRASÍLIA ENGENHARIA LTDA encontrava-se INAPTA desde 14/09/1999 e, no entanto, o formulário do Perfil Profissiongráfico Previdenciário – PPP fora preenchido em data posterior (15/04/2005) e por uma pessoa que não teve qualquer vínculo com a empresa (ABEL LOPES PRIMO), o que poderia ser verificado no CNIS e na Junta Comercial. A partir daí, também se poderia chegar à conclusão de que o formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais também era falso, já que tal documento foi igualmente subscrito por ABEL (fl. 97 do Apenso I).
A não identificação de tão graves inconsistências na documentação recebida e analisada por FRANCISCO demonstra o único propósito de se proceder à fraude contra a autarquia previdenciária, mediante inserção de dados falsos nos sistemas do INSS, restando evidente que o acusado tinha plena consciência das irregularidades constantes nos referidos documentos.
A autoria de EMÍDIO FERREIRA CAMPOS é igualmente inconteste.
Além do beneficiário ter declarado que contratou EMIDIO, como despachante, para a obtenção de sua aposentadoria, e ter reconhecido sua foto na Delegacia (fls. 62/66 e 137), o Laudo de Exame Documentoscópico n. 185/2011 – SETEC/SR/DPF/DF (fls. 120/124) afirma ser de EMÍDIO FERREIRA CAMPOS os lançamentos gráficos presentes na CTPS de Zacarias Alves de Queiroz.
O acusado EMÍDIO, por sua vez, não nega ter intermediado a aposentadoria de Zacarias, apesar de não confessar a contrafação dos documentos, que, como demonstrado, é irrefutável.
Reputo, portanto, que restou comprovado nos autos que o referido réu, com vontade livre e consciente, intermediou o processo de concessão de aposentadoria, recebeu a documentação, adulterou a carteira de trabalho do segurado da Previdência Social e entregou a documentação necessária à consecução do ilícito, inclusive dois outros documentos contrafeitos com o fim de provar que o segurado exercia atividades em condições especiais, tendo plena ciência da ilicitude de sua conduta.
Ressalto, por fim, que não é relevante o fato do benefício em questão ter sido restabelecido após a fraude, pois não há dúvidas de que houve a inserção de dados falsos no sistema informatizado da Previdência Social, com o exclusivo objetivo de obter vantagem indevida, elementos suficientes para a consumação do crime. Além disso, à época dos fatos, Zacarias não fazia jus ao benefício.
Ante o exposto considero que FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA e EMÍDIO FERREIRA CAMPOS praticaram o delito tipificado no art. 313-A do Código Penal.”
Diante desse contexto, verifico comprovada a participação dolosa e ilícita dos réu na habilitação e concessão indevida de benefício previdenciário, razão porque mantenho a condenação nas penas do art. 313-A do Código Penal.
Passo à dosimetria da pena.
Francisco Ribeiro de Souza
O Magistrado de primeiro grau, após o exame das circunstâncias do art. 59 do CP, fixou a pena-base em 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, por considerar que, dentre as circunstâncias judiciais, a culpabilidade, a personalidade e as consequências do delito pesam em desfavor do réu.
Em que pese a aferição do magistrado, deve ser revista a dosimetria.
No exame da culpabilidade, deve o sentenciante aferir o grau de censurabilidade da conduta do agente – maior ou menor reprovabilidade – em razão das suas condições pessoais e da situação de fato em que ocorreu a conduta criminosa. A culpabilidade, ao lado da tipicidade e da ilicitude, constitui requisito do conceito analítico do crime, sem as quais não haveria juízo condenatório. (ACR 0001291-85.2011.4.01.4300/TO, Rel. Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Rel. Conv. Juiz Federal Alexandre Buck Medrado Sampaio, 3ª Turma/TRF-1ª Região, unânime, e-DJF1 de 26/07/2013, p. 507). No caso, a circunstância de o réu ter se valido de sua condição de servidor público e ter traído a confiança da autarquia previdenciária, já está inserida no tipo penal em questão, que presume essa condição do agente. Hipótese em que a culpabilidade deve ser aferida no grau normal à espécie delitiva e, portanto, não dá ensejo à majoração da pena-base.
Demais, não se pode considerar na dosimetria da pena, para efeito de elevar a pena-base, circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, dados ou fatos que já integram a descrição do tipo, sob pena de estar incorrendo em bis in idem.
Do mesmo modo, deve ser afastada a aferição negativa relativa à personalidade do réu. Isso porque encontra-se pacificado o entendimento jurisprudencial no sentido de que ações penais ou inquéritos policiais em andamento, ou condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser considerados como maus antecedentes, má conduta social, personalidade desajustada e acentuar a culpabilidade do réu, sob pena de malferir o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, nos termos da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça.
Caso em que inexiste sentença penal condenatória transitada em julgado contra o réu, de modo que o exame negativo da personalidade deve ser afastado.
Por outro lado, as consequências são graves, pois a concessão do benefício causou prejuízo aos já sacrificados cofres públicos, em detrimento dos mais necessitados, estes que, efetivamente, fariam jus à assistência do INSS.
Desse modo, tendo em vista apenas uma circunstância desfavorável ao réu – as consequências – fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa de reclusão, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Inexistentes atenuantes e/ou agravantes, bem como causas de diminuição e/ou aumento de pena, conforme reconhecido na sentença, torno definitiva a pena-base.
O réu faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do Código Penal). Portanto, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, cabendo ao Juízo da Execução especificar cada uma delas (art. 66, V, a, da LEP).
Mantenho a decretação da perda do cargo público, conforme feito na sentença, nos termos do art. 92, I, a, do Código Penal.
Fixo o regime aberto para a hipótese de execução (art. 33, § 2º, c, CP).
Emídio Ferreira Campos
O Magistrado de primeiro grau, após o exame das circunstâncias do art. 59 do CP, fixou a pena-base em 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, por considerar que, dentre as circunstâncias judiciais, a culpabilidade, a personalidade e as consequências do delito pesam em desfavor do réu.
Em que pese a aferição do magistrado, deve ser revista a dosimetria.
No exame da culpabilidade, deve o sentenciante aferir o grau de censurabilidade da conduta do agente – maior ou menor reprovabilidade – em razão das suas condições pessoais e da situação de fato em que ocorreu a conduta criminosa. A culpabilidade, ao lado da tipicidade e da ilicitude, constitui requisito do conceito analítico do crime, sem as quais não haveria juízo condenatório. (ACR 0001291-85.2011.4.01.4300/TO, Rel. Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Rel. Conv. Juiz Federal Alexandre Buck Medrado Sampaio, 3ª Turma/TRF-1ª Região, unânime, e-DJF1 de 26/07/2013, p. 507). No caso, as circunstâncias em que se deram os fatos, apenas revelam o modus operandi eleito pelo réu. A audácia em ludibriar o INSS também não revela uma culpabilidade excepcional além daquela comum nessa espécie de crime. Hipótese em que a culpabilidade deve ser aferida no grau normal à espécie delitiva e, portanto, não dá ensejo à majoração da pena-base.
Demais, não se pode considerar na dosimetria da pena, para efeito de elevar a pena-base, circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, dados ou fatos que já integram a descrição do tipo, sob pena de estar incorrendo em bis in idem.
Do mesmo modo, deve ser afastada a aferição negativa relativa à personalidade do réu. Isso porque encontra-se pacificado o entendimento jurisprudencial no sentido de que ações penais ou inquéritos policiais em andamento, ou condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser considerados como maus antecedentes, má conduta social, personalidade desajustada e acentuar a culpabilidade do réu, sob pena de malferir o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, nos termos da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça.
Caso em que inexiste sentença penal condenatória transitada em julgado contra o réu, de modo que o exame negativo da personalidade deve ser afastado.
Por outro lado, as consequências são graves, pois a concessão do benefício causou prejuízo aos já sacrificados cofres públicos, em detrimento dos mais necessitados, estes que, efetivamente, fariam jus à assistência do INSS.
Desse modo, tendo em vista apenas uma circunstância desfavorável ao réu – as consequências – fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa de reclusão, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Inexistentes atenuantes e/ou agravantes, bem como causas de diminuição e/ou aumento de pena, conforme reconhecido na sentença, torno definitiva a pena-base.
O réu faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do Código Penal). Portanto, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, cabendo ao Juízo da Execução especificar cada uma delas (art. 66, V, a, da LEP).
Fixo o regime aberto para a hipótese de execução (art. 33, § 2º, c, CP).
Ante o exposto, dou parcial provimento aos recursos de apelação dos réus, apenas para reduzir as penas impostas na sentença.
É o voto.
[1] In: Código Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1348.

PODER JUDICIÁRIO
Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO
PROCESSO: 0001449-90.2012.4.01.3400
voto revisor
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (REVISORA):
Após a análise dos autos, nada tenho a acrescentar ao relatório.
Considero que os fundamentos lançados no voto do relator exaurem a análise das questões versadas na apelação, dirimindo-as adequadamente, razão pela qual devem ser acolhidos.
Ante o exposto, acompanho o voto do relator.
É como voto.
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso
Revisora

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417)0001449-90.2012.4.01.3400
Processo referência: 0001449-90.2012.4.01.3400
APELANTE: FRANCISCO RIBEIRO DE SOUZA, EMIDIO FERREIRA CAMPOS
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CP. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O TIPO DO ART. 171, § 3º, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. CONEXÃO/PREVENÇÃO. NÃO RECONHECIMENTO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. Incorre no crime no crime do art. 313-A do CP o servidor do INSS que insere dados falsos em sistema de informações, para conceder benefício previdenciário indevido com base em informações inverídicas, consciente da ação criminosa, com o objetivo de obter vantagem para si ou outrem. Impossibilidade de desclassificação para o tipo definido no art. 171, § 3º, do CP. A condição de funcionário público de um dos réus, elementar do tipo penal do art. 313-A do CP, comunica-se ao outro, particular coautor do delito, na forma do art. 30 do Código Penal.
2. Materialidade e autoria delitiva suficientemente comprovadas nos autos, por prova documental e testemunhal. Mantida a condenação dos réus pela prática do delito do art. 313-A do Código Penal.
3. O fato de terem sido instauradas outras ações penais contra os réus por fatos semelhantes não impõe, neste momento processual, o reconhecimento da continuidade delitiva. Compete ao Juízo da Execução dar aplicabilidade ao art. 71 do Código Penal.
4. A Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. Também, não se pode considerar na dosimetria da pena, para efeito de elevar a pena-base, circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, dados ou fatos que já integram a descrição do tipo, sob pena de se estar incorrendo em bis in idem. Redução da sanção para se adequar aos parâmetros do art. 59 e 68 do Código Penal.
5. Recursos dos réus parcialmente providos para reduzir as penas impostas na sentença.
ACÓRDÃO
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento aos recursos.
Terceira Turma do TRF da 1ª Região – Sessão Virtual de 02 a 15 de abril de 2024
Desembargador Federal NEY BELLO
Relator
