
POLO ATIVO: SANDRA MACEDO PALHARO
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0026462-62.2010.4.01.3400
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator:
Trata-se de apelação interposta por Sandra Macedo Palharo, assistida pela Defensoria Pública da União, contra a sentença que declarou extinta a punibilidade em relação ao réu Francisco Eduardo Neto, com fundamento no art. 107, IV, do CP e julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva do estado para absolver o réu Vanildo Eduardo Neto, nos termos do art. 386, V, do CPP, e para condenar a ré Sandra Macedo Palharo pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, fixando a pena em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 95 (noventa e cinco) dias-multa, à base de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do fato.
O MPF ofereceu denúncia contra Sandra Macedo Palharo, Francisco Eduardo Neto, Vanildo Eduardo Neto e Peterson Freire Gonçalves, narrando os seguintes fatos:
1. A denunciada SANDRA, em comunhão de esforços e vontades com os demais denunciados FRANCISCO, VANILDO e PETERSON, agindo livre e conscientemente, obteve, para TEREZINHA MARIA DE MORAIS SILVA, vantagem ilícita, traduzida no recebimento, entre dezembro de 2005 e agosto de 2006, de R$ 8.838,23 (oito mil oitocentos e trinta e oito reais e vinte e três centavos), a título de benefício previdenciário indevido de aposentadoria por invalidez, em prejuízo ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio da indução da referida autarquia em erro, mediante fraude representada pela inserção de dados falsos no sistema da Previdência Social relativos a inexistente sentença judicial.
2. Com efeito, em 16.03.2006, SANDRA, em combinação prévia com os demais denunciados, habilitou, formatou e concedeu, no mesmo dia, nos sistemas da Previdência Social, a aposentadoria por idade indevida de TEREZINHA, ali inserindo dados relativos a sentença judicial inexistente, a qual, supostamente proferida no Processo nº 081900597490229 (fl. 16), levaria à concessão do benefício.
3. De fato, o denunciado PETERSON abordou TEREZINHA, sua tia, oferecendo-lhe a possibilidade de aposentar-se e afirmando que o benefício poderia ser obtido mediante serviços prestados pelo co-denunciado FRANCISCO. Posteriormente, os três combinaram que, após a concessão da aposentadoria, os primeiros valores pagos seriam repassados a FRANCISCO, com o que assentiu TEREZINHA, embora insciente da fraude. Daí, SANDRA, comunicada por FRANCISCO e PETERSON, procedeu à concessão do benefício, da forma fraudulenta já indicada, para o que se utilizou da senha de acesso ao sistema da Previdência Social de sua colega de trabalho MARIA DE LOURDES PRAZERES DE MATOS, sem o conhecimento desta.
4. O primeiro pagamento do benefício, no importe de cerca de R$ 3.270 (três mil duzentos e setenta reais), pago em abril de 2006 (fl. 30), foi repassado ao denunciado VANILDO, que acompanhou, na ocasião, TEREZINHA até o banco. Ali, esta, além do dinheiro, desde logo entregue a VANILDO, também lhe deu o cartão de saque da aposentadoria e a senha. Dessa forma, o grupo formado pelos-denunciados sacou, em seu próprio favor, o benefício até julho de 2006, havendo para si mais cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais) (fl. 30). Depois, o cartão foi entregue a TEREZINHA, que, finalmente, sacou as duas últimas parcelas pagas, de agosto e setembro de 2006 (A. 30). Os valores entregues por TEREZINHA a VANILDO e aqueles sacados com o uso de seu cartão pelos denunciados, foram divididos entre estes.
5. Tais fatos foram praticados em prejuízo de entidade de direito público, eis que o INSS é uma autarquia federal.
(...)
12. Ao praticar a ação de obter a vantagem ilícita em benefício de TEREZINHA, concedendo-lhe o benefício, a denunciada SANDRA, em unidade de desígnios com FRANCISCO, VANILDO e PETERSON, como funcionária pública do INSS, mas utilizando-se clandestinamente dá senha de sua colega MARIA DE LOURDES PRAZERES DE MATOS, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Previdência Social com o fim de obter a vantagem indevida para TEREZINHA.
13. De fato, ao habilitar e conceder o benefício indevido, a denunciada SANDRA inseriu, em conluio com os denunciados FRANCISCO, VANILDO e PETERSON, no sistema informatizado do INSS, dados de ordem judicial inexistente com o objetivo, alcançado na espécie, de fazer com que a autarquia previdenciária pagasse, como efetivamente pagou, o benefício previdenciário indevido em apreço, conforme antes narrado.
14. Mediante tal conduta, SANDRA, em união de desígnios com FRANCISCO, VANILDO e PETERSON, desviou e subtraiu, em proveito de TEREZINHA, os valores antes apontados, de propriedade do INSS, embora não lhes tivesse a posse, valendo-se a primeira da facilidade que lhe proporcionava a qualidade de funcionária pública.
A denúncia foi recebida em 26/04/2010 (fls. 257/258).
Sustenta a apelante, em síntese, que deve ser reconhecida a continuidade delitiva entre o fato apurado nesta ação penal e outros fatos investigados na Seção Judiciária do Distrito Federal com a participação da ré, nas mesmas circunstâncias, e, ainda, a existência de conexão probatória entre tais feitos, de maneira que, o não deferimento da reunião dos processos implica em irreparável cerceamento de defesa.
De outro lado, assevera que as provas produzidas em juízo revelaram-se absolutamente precárias e insuficientes para embasar, com segurança, um decreto condenatório pois que a inserção de registros de processos judiciais sem despacho formal era realizada com a determinação do Procurador Federal responsável, não restando comprovada nos autos a intenção da ré de obter vantagem indevida, para si ou para outrem, devendo, consequentemente, ser afastada a autoria e a materialidade e aplicado o princípio in dubio pro reo, tendo em vista que a existência de meros indícios não é suficiente para formar um juízo de condenação.
Pugna a ré, caso superada a tese absolutória, pela desclassificação da imputação prevista no 313-A do CP para o tipo penal do art. 171 § 3°, do mesmo diploma legal, aduzindo para tanto que “Conforme se extrai das provas dos autos, a inserção de dados falsos foi apenas o meio para a execução do delito de estelionato. Na sistemática finalista, a conduta instrumental, ou seja, aquela que se revela como mero aparelhamento de uma outra, conduta principal, é penalmente impunível”.
Por fim, impugna a dosimetria da pena apontando a impossibilidade de elevação da pena-base com fundamento na valoração negativa da culpabilidade pela simples condição de servidora pública e das consequências pela obtenção de vantagem financeira pois que inerentes ao tipo penal, bem como da personalidade da ré por responder à várias ações penais com fatos análogos. Requer, consequentemente, a fixação da pena no mínimo legal, com a substituição da pena restritiva de liberdade pela restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do CP e, caso assim não se entenda a diminuição da pena de multa (fls. 755/764).
Com contrarrazões (fls. 773/784).
O MPF (PRR1), apesar de devidamente intimado, não apresentou parecer.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0026462-62.2010.4.01.3400
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator:
A pretensão recursal é a reforma da sentença que condenou a ré Sandra Macedo Palharo pela prática do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, previsto no art. 313-A do Código Penal.
Conforme consta da denúncia, "A denunciada SANDRA, em comunhão de esforços e vontades com os demais denunciados FRANCISCO, VANILDO e PETERSON, agindo livre e conscientemente, obteve, para TEREZINHA MARIA DE MORAIS SILVA, vantagem ilícita, traduzida no recebimento, entre dezembro de 2005 e agosto de 2006, de R$ 8.838,23 (oito mil oitocentos e trinta e oito reais e vinte e três centavos), a título de benefício previdenciário indevido de aposentadoria por invalidez, em prejuízo ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio da indução da referida autarquia em erro, mediante fraude representada pela inserção de dados falsos no sistema da Previdência Social relativos a inexistente sentença judicial".
Primeiramente, observo que inexiste conexão probatória entre os fatos apurados nesta ação penal e outros investigados na Seção Judiciária do Distrito Federal com a participação da ré, tendo em vista que as provas documentais da concessão fraudulenta do benefício previdenciário ora apurado são individuais, não existindo identidade entre os feitos que investigam a concessão de benefício previdenciário de maneira supostamente indevida a pessoas diferentes, com circunstâncias particulares em cada caso. Não há, portanto, necessidade de redistribuição dos feitos em face de prevenção.
Da mesma forma, considerando que os fatos típicos de cada processo se referem a situações distintas, com a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários distintos a beneficiários diferentes, em condições de tempo diversas, não há que se falar em continuidade delitiva.
Cumpre ressaltar que, na ocorrência de várias sentenças condenatórias em relação ao mesmo réu, com possibilidade de conexão, cabe ao Juízo da execução penal decidir sobre a soma ou unificação das penas nos termos do art. 66, III, a, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), para garantir a aplicação do princípio da individualização da pena previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
No mérito propriamente dito, verifica-se, pelo exame do autos, que o conjunto fático e probatório é suficiente para demonstrar a efetiva participação da ora apelante na conduta descrita na inicial acusatória, que expõe detalhadamente os fatos. Assim, há elementos suficientes para provar que, in casu, houve a prática do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, previsto no art. 313-A do CP.
Nesse sentido, observo que o magistrado a quo analisou devidamente as provas produzidas nos autos de maneira a afastar a alegação de insuficiência probatória. Confira-se o trecho da sentença, no ponto:
A materialidade delitiva restou comprovada pelo procedimento administrativo de concessão do benefício previdenciário NB 32/140.720.120-1, em favor de Terezinha Maria de Morais Silva. Dentre os elementos de prova, destaco os seguintes:
a) Resumo de Benefício em Concessão (fls. 06/08 dos autos físicos), onde constam informações inverídicas sobre a existência de ordem judicial para a concessão do benefício previdenciário;
b) Auditoria do benefício (fl. 10 do processo físico);
c) Consulta ao SISBEN (MOVCON – Consulta Movimento - Dados Gerais), onde constam dados fraudulentos que simularam ordem judicial para a concessão do benefício (fls. 16 do processo físico);
d) Impressão de tela de consulta processual do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e da Seção Judiciária do Distrito Federal, constatando a inexistência do processo de nº 081900597490229 (fls. 14 e 18 do processo físico);
e) Relatório Conclusivo da Gerência Executiva do INSS em Brasília/DF, subscrito por Sheile de Carvalho Silva Nogueira (matrícula 0888299), apontando a fraude na concessão do benefício de Aposentadoria por Invalidez n. 32/140.720.120-1, em favor de Terezinha Maria de Morais Silva (fls. 44/47 do proc. físico).
Confirmada, portanto, a materialidade delitiva, no sentido de que Terezinha Maria de Morais Silva não preenchia os requisitos legais para a concessão do benefício previdenciário e que foram utilizados dados fictícios de processo judicial para tanto.
De igual maneira, reputo devidamente comprovada a autoria de SANDRA MACEDO PALHARO na prática do delito em comento.
Em Juízo, a testemunha Sheile de Carvalho Silva Nogueira, servidora do INSS responsável pela auditoria de benefícios e subscritora do mencionado relatório, detalhou o modus operandi de SANDRA MACEDO PALHARO, o qual consistia na inserção de dados falsos nos sistemas informatizados do INSS, propiciando a concessão indevida de benefícios em favor de terceiros, utilizando-se, para tanto, de números fictícios de processos judiciais, sendo FRANCISCO EDUARDO NETO um dos intermediários que fazia a captação de “clientes” para SANDRA (mídia acostada à fl. 469 do processo físico).
No que diz respeito à utilização de senha de terceira pessoa por SANDRA para a efetivação das fraudes, vejamos os seguintes trechos do depoimento prestado pela também servidora do INSS Maria de Lourdes Prazeres de Matos à autoridade policial (fls. 131/132 dos autos físicos):
(...) QUE tem conhecimento dos fatos em apuração; QUE para cada agência da Previdência Social a declarante utilizava uma senha diferente; QUE em razão disso tinha quatorze senhas; QUE cada senha era alfanumérica composta de seis a oito dígitos; QUE a cada quarenta e cinco dias as senhas tinham que ser trocadas; QUE outra forma de alterar senha era quando a mesma era bloqueada e neste caso independia o tempo de uso; QUE não concedeu qualquer dos benefícios fraudulentos; QUE suas senhas ficavam anotadas em uma agenda, em uma gaveta na sua mesa, a qual, via de regra, ficava aberta; QUE era comum todos os servidores do Setor anotarem as suas senhas, em razão do grande número de senhas que tinham que decorar; QUE a declarante e a SANDRA sempre trabalharam no mesmo turno, tendo a SANDRA também solicitado mudança de turno quando o fez a declarante; QUE antes das fraudes serem descobertas SANDRA pouco telefonava para a declarante; QUE depois das fraudes passou a telefonar constantemente; QUE o pessoal do Grupo de Trabalho que apurava as fraudes recomendou à declarante que anotasse as vezes e o teor das conversações feitas com SANDRA e que assim foi feito em sua agenda; QUE não sabia das fraudes até SANDRA lhe comunicar; QUE quando lhe comunicou da fraude, por telefone, a declarante não acreditou, só passando a ter noção do problema quando se reuniu com a Gerência Executiva; QUE SANDRA nunca assumiu a autoria das fraudes para a declarante, mas que SANDRA falava que tudo iria ser resolvido, não entendendo a declarante como seria feito; (...)”
Somam-se a tais elementos de prova as declarações prestadas pela beneficiária Terezinha Maria de Morais Silva ao Grupo de Trabalho do INSS, à autoridade policial e em Juízo, relatando que sua aposentadoria foi intermediada por PETERSON (seu sobrinho) e FRANCISCO (“CHICO DO GÁS”), tendo tomado conhecimento, através de seu sobrinho, que FRANCISCO estava “arrumando” aposentadoria para várias pessoas do bairro por intermédio de uma amiga do INSS de Brasília/DF (fls. 17/18, 113 e mídia acostada à fl. 496 - processo físico).
Tais circunstâncias demonstram que, de fato, SANDRA foi a responsável pela inserção dos dados falsos, do início ao fim, no processo administrativo que resultou na concessão fraudulenta do benefício previdenciário a Terezinha.
Embora a acusada não tenha sido ouvida em Juízo, os elementos probatórios permitem concluir pela autoria do crime, restando evidente que foi ela quem praticou todos os atos necessários para a concessão do benefício mediante a inserção de dados falsos no sistema informatizado do INSS, com o pleno conhecimento de todos os procedimentos internos do órgão.
Como reforço, registro que SANDRA foi identificada pela Equipe de Apoio do INSS em Brasília/DF como a responsável pela concessão de inúmeros outros benefícios previdenciários fraudulentos, sendo possível identificar um padrão de comportamento, que, inclusive, é confirmado pela testemunha Alexandre Petrucci Gonçalves, investigado em outros processos como um dos intermediadores da ré (mídia fl. 486 - processo físico).
Inegável, portanto, a prática delituosa pela acusada SANDRA MACEDO PALHARO.
Da análise da documentação juntada aos autos corroborada de maneira contundente pela prova testemunhal e pelo interrogatório dos demais denunciados, fica claramente evidenciado que Sandra Macedo Palharo, servidora do INSS com experiência na implantação de benefícios na Procuradoria Especializada do INSS e com amplo conhecimento sobre todos os benefícios previdenciários, como afirmado pela própria ré no interrogatório policial (fls. 79/82), procedeu à concessão de maneira fraudulenta da aposentadoria por invalidez de Terezinha Maria de Morais Silva por meio da inserção de informações falsas no sistema informatizado da autarquia previdenciária, na espécie, número de processo judicial inexistente que teria reconhecido o benefício.
Da mesma forma, não há mínima prova nos autos de que a acusada tenha praticado as inserções de dados no sistema de informações em estrita obediência hierárquica como alegado.
Nesse contexto, as evidências são mais do que suficientes para respaldar a sua condenação, mostrando-se incabíveis as alegações de absolvição com fundamento em suposta falta de provas e ausência do elemento subjetivo do dolo.
Por sua vez, a desclassificação do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, previsto no art. 313-A do Código Penal, para o de estelionato, nos termos do art. 171, § 3º, do mesmo diploma legal, sob a alegação de que a conduta típica foi apenas um meio para obter uma vantagem ilícita, não procede pois que a ação de inserir informações falsas no sistema do INSS para garantir a concessão de benefício previdenciário de forma indevida claramente se enquadra no tipo penal do art. 313-A do CP, pelo fato de que a qualidade de servidor do INSS é uma condição essencial para a caracterização desse crime específico. Por conseguinte, a simples utilização de dados falsos para obtenção de vantagem ilícita não altera a natureza do delito cometido, não havendo que se falar em desclassificação em face do princípio da especialidade.
No que tange à dosimetria, a pena foi fixada na sentença nos seguintes termos:
Em conformidade com os artigos 59 e 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena da condenada SANDRA MACEDO PALHARO:
A hipótese revela acentuada reprovabilidade social, tendo em vista que a condenada, gozando da condição de servidora responsável pela concessão de benefícios previdenciários na Procuradoria do INSS/DF, tinha posição privilegiada e de confiança dentro do órgão, sendo-lhe exigível conduta diversa.
Também há que se considerar que condutas como a presente contribuem negativamente com o déficit previdenciário do regime geral e colabora para o descrédito da autarquia perante a sociedade, merecendo maior reprimenda.
Soma-se a isso o fato da fraude praticada demonstrar ainda maior sofisticação em relação a outros casos analisados por este Juízo, na medida em que SANDRA se utilizou de contexto judicial fictício, fazendo com que Terezinha auferisse o benefício previdenciário como se houvesse obtido provimento judicial em seu favor.
Não possui antecedentes de acordo com a Súmula 444 do STJ, mas responde a mais de cem processos por fatos análogos, o que indica personalidade voltada para a prática delitiva.
A conduta social deve ser considerada neutra, tendo em vista não constar nos autos nada em contrário.
O crime teve por motivo o desejo de obter dinheiro fácil, o que, todavia, é inerente ao tipo penal.
As circunstâncias devem ser valoradas como vetor negativo, ante a constatação de que a fraude foi praticada com o desconhecimento da segurada da previdência social, expondo-a ao controle e fiscalização do INSS, causando-lhe nítidos constrangimentos ao lhe serem imputados atos delituosos.
Além disso, a condenada se utilizou da proximidade de colega de trabalho para pegar sua senha, mesmo tendo senha própria para a inserção de dados no sistema informatizado do INSS. A ré não só a expôs à fiscalização do INSS, como também demonstrou completa insensibilidade e falta de arrependimento após a descoberta da fraude pela autarquia previdenciária.
No que se refere às consequências, tratando-se de delito formal, a obtenção da vantagem financeira não influencia na sua consumação, justificando, portanto, o seu reconhecimento como circunstância judicial desfavorável, já que houve prejuízo financeiro ao INSS.
O comportamento da vítima é um indiferente penal, tendo em vista a impossibilidade de influenciar na conduta perpetrada pelo agente.
Sopesadas tais circunstâncias judiciais, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, tornando-a definitiva, à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição de pena.
Nos termos do art. 33, § 2º, alínea "b", do Código Penal, a condenada deverá iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto.
Considerando as supracitadas circunstâncias, fixo a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias-multa, à base de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato por cada dia-multa, ante a ausência de elementos que indiquem a atual situação econômica da condenada.
Observa-se que, consideradas as circunstâncias previstas no art. 59 do CP, foi fixada pena em patamar acima do mínimo legal para o crime em razão da valoração negativa em relação às de culpabilidade, personalidade do agente, circunstâncias e consequências do crime.
No tocante à culpabilidade, objeto de recurso de apelação da ré, não merece reparo o julgado, tendo em vista que o aumento da pena não se baseou apenas na qualidade de servidora pública de Sandra Macedo Palharo, mas, principalmente, em seu amplo acesso aos dados e conhecimento dos procedimentos do INSS, que facilitaram a prática criminosa, e a utilização de contexto judicial fictício, para conferir benefício previdenciário à Terezinha Maria de Morais Silva como se houvesse provimento judicial em seu favor, o que demonstra com certeza um alto grau de reprovabilidade da conduta a justificar a exasperação da pena.
Em relação às circunstâncias do crime, foi devidamente valorado de forma negativa o modo de execução do delito pois que, além da inserção de dados falsos ter sido praticada sem o conhecimento do segurado da previdência, titular do benefício concedido fraudulentamente, causando-lhe constrangimento, a ré, servidora pública, utilizou-se de senha de colega de trabalho para cometer a infração, razão pela qual também não merece reparo o julgado nesse ponto.
No que tange à valoração negativa quanto à personalidade do agente, deve ser modificado o julgado, tendo em conta que somente é possível quando existirem nos autos elementos objetivos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura a esse respeito, não sendo admissíveis valorações que venham a agravar a situação do réu, sob o fundamento de que sua personalidade é voltada à prática de crimes contra a Administração Pública, pelo simples fato da existência de diversas ações penais com fatos análogos aos investigados neste processo.
Do mesmo modo, no que se refere às consequências do crime, deve ser alterada a valoração negativa, tendo em vista que o recebimento de vantagem indevida, aí incluída a financeira, está inserida no tipo penal previsto no art. 313-A do CP, que assim dispõe: "Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano".
Assim, considerando a pena na forma em que fixada na sentença para a ré Sandra Macedo Palharo, deve ser reduzida de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses e 95 (noventa e cinco) dias-multa para 3 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, em face da impossibilidade do juízo valorar negativamente a personalidade da ré e as consequências do crime, mantendo o valor do dia-multa como estabelecido no julgado.
O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP.
Quanto ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, em razão da diminuição da pena aplicada na sentença, descabe o seu deferimento pois a gravidade da conduta da ré, servidora pública do INSS, consubstanciada na reiterada ofensa ao princípios da moralidade administrativa, a probidade e o dever de lealdade à Administração Pública não favorecem essa alternativa.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para, reformando parcialmente a sentença, reduzir a pena da ré Sandra Macedo Palharo de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses e 95 (noventa e cinco) dias-multa para 3 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, com regime inicial da pena no regime aberto.
É o voto.
Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0026462-62.2010.4.01.3400
APELANTE: SANDRA MACEDO PALHARO
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SISTEMA INFORMATIZADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 313-A DO CP. CONCESSÃO FRAUDULENTA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO PROBATÓRIA E CONTINUIDADE DELITIVA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA ESTELIONATO (ART. 171, § 3º, DO CP). PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ART. 59 DO CP. EXASPERAÇÃO JUSTIFICADA. PERSONALIDADE DO AGENTE. VALORAÇÃO NEGATIVA COM BASE EM REITERAÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO CABIMENTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA
1. Inexistindo uniformidade entre os fatos típicos de cada processo com participação da ré, que se referem a situações distintas, com a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários distintos a pessoas diferentes, em condições de tempo diversas, não há razão para se falar em conexão probatória ou reconhecer a continuidade delitiva.
2. O conjunto fático-probatório existente nos autos é suficiente para comprovar a autoria e materialidade do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações tipificado no art. 313-A do CP.
3. A desclassificação do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, previsto no art. 313-A do Código Penal, para o de estelionato, nos termos do art. 171, § 3º, do mesmo diploma legal, sob a alegação de que a conduta típica foi apenas um meio para obter uma vantagem ilícita, não procede pois que a ação de inserir informações falsas no sistema do INSS para garantir a concessão de benefício previdenciários de forma indevida claramente se enquadra no tipo penal do art. 313-A do CP, pelo fato de que a qualidade de servidor do INSS é uma condição essencial para a caracterização desse crime específico. Por conseguinte, a simples utilização de dados falsos para obtenção de vantagem ilícita não altera a natureza do delito cometido, não havendo que se falar em desclassificação em face do princípio da especialidade.
4. Em relação à culpabilidade, não há dúvidas do alto grau de reprovabilidade da conduta a justificar a exasperação da pena, na forma da sentença, tendo em vista que não se baseou apenas na qualidade de servidora pública da ré mas na concessão de benefício previdenciário com a utilização de contexto judicial fictício, como se houvesse provimento judicial favorável.
5. Indubitável a valoração negativa das circunstâncias do crime pois que além da inserção de dados falsos ter sido praticada sem o conhecimento do segurado da previdência, titular do benefício concedido fraudulentamente, causando-lhe constrangimento, a ré, servidora pública, utilizou-se de senha de colega de trabalho para cometer a infração.
6. Somente é possível a valoração negativa quanto à personalidade do agente quando existirem nos autos elementos objetivos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura a esse respeito, não sendo admissíveis valorações que venham a agravar a situação do réu, sob o fundamento de que sua personalidade é voltada à prática de crimes contra a Administração Pública, pelo simples fato de a existência de diversas ações penais por fatos análogos. Reduzida a pena da ré com a exclusão da circunstância da personalidade do agente, valorada de modo negativo.
7. Inviável considerar como circunstância judicial negativa, em relação às consequências do crime, o recebimento de vantagem financeira, visto que a hipótese está inserida no tipo penal previsto no art. 313-A do CP.
8. A gravidade da conduta da ré, servidora pública do INSS, consubstanciada na reiterada ofensa ao princípios da moralidade administrativa, a probidade e o dever de lealdade à Administração Pública afasta a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos.
9. Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação.
4ª Turma do TRF da 1ª Região - 02/07/2024 (data do julgamento)
Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Relator
