
POLO ATIVO: LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MURILO SILVA DE OLIVEIRA - BA54806-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS

Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Salvador - BA, que o condenou à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, na forma tentada (art.14, II, CP) e consumada.
Os réus CLÁUDIA NUNES SAMPAIO, ADSON NUNES SACRAMENTO, LUIZ RICARDO DA SILVA, EDEVALDO DE LIMA TENÓRIO e PAULO AUGUSTO ALMEIDA DOS SANTOS foram absolvidos das imputações relativas aos crimes tipificados no art. 171, §3º, do Código Penal, nas formas tentada (art. 14, II, CP) e consumada; e nos arts. 297, §3º, II, e 288 do Código Penal, com fundamento no art. 386, V e VII, do Código de Processo Penal (ID 385426873).
O réu ANAILTON DUARTE DA SILVA teve a sua punibilidade extinta, com amparo nos arts. 107, IV; 109, V; e 110, § 1º, todos do Código Penal e art. 61 do Código de Processo Penal. (ID 385426892).
Dos fatos relevantes, a denúncia narra, in verbis (ID 385426172, pp. 2/45):
A presente ação penal originou-se de investigação que desarticulou quadrilha especializada na prática de estelionatos contra o INSS, que operava sob a fachada de um “Escritório de Consultoria Previdenciária” denominado “CABALLERO & DUARTE”, com sede no bairro do Comércio, nesta capital.
A quadrilha atuou, pelo menos, de setembro de 2007 a outubro de 2010 (...).
Sob a liderança de LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR, antigo funcionário terceirizado do INSS, o grupo cooptava segurados da Previdência Social – normalmente rodoviários e trabalhadores do Polo Petroquímico de Camaçari – e obtinha em favor deles o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Para empreitada delitiva, eram falsificados, principalmente, formulário de PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário. O documento, instituído pela legislação previdenciária, deve ser preenchido por empresas que exercem atividades que exponham seus empregados a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde, de modo a comprovar a efetiva exposição deles a esses agentes, para fins de controle da saúde ocupacional dos trabalhadores, bem assim para a habilitação de benefícios e serviços previdenciários.
Para robustecer as fraudes, eram igualmente contrafeitos laudos periciais supostamente elaborados por engenheiros ou médicos de segurança do trabalho, que também diziam respeito à exposição de trabalhadores a agentes nocivos à saúde; bem como declarações de empresas que autorizavam esses profissionais a emitirem tais laudos para seus empregados.
Com a apresentação desses três diferentes documentos, a quadrilha conseguia induzir em erro o INSS, comprovando que seus ‘clientes’ haviam laborado em condições altamente insalubres, o que permitia que obtivessem a aposentadoria com um tempo de contribuição menor do que o exigido pela lei para situações ordinárias.
(...)
As investigações empreendidas lograram identificar a participação do Escritório na concessão de mais de 100 benefícios previdenciários, com contagem de tempo especial (...), cujos valores pagos refletem a soma de quase R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), não se sabendo o valor exato do prejuízo total causado à previdência social porque parte dos processos concessórios ainda está em revisão.
As condutas imputadas aos denunciados encontram-se tipificadas nos delitos de falsificação de documento público (art. 297, §3°, II, do Código Penal), de estelionato qualificado (art. 171, §3°, do Código Penal), nas formas tentada e consumada, e de formação de quadrilha (art. 288, do Código Penal, com redação anterior à Lei 12.850/2013).
(...)
3. DOS FATOS IMPUTADOS AOS DENUNCIADOS – MODUS OPERANDI E MATERIALIDADE
As investigações comprovaram que os denunciados montaram um esquema profissionalizado de fraudes contra o INSS, cuja atuação era principalmente dirigida à obtenção de benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição em favor de terceiros, mediante a falsificação de PPPs e outros documentos que diziam respeito ao exercício de atividades em exposição a agentes nocivos à saúde.
O êxito da organização criminosa somente era possível porque, além de deter expertise na área previdenciária, o líder da quadrilha, LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR, mantinha para o Escritório “CABALLERO & DUARTE” uma estrutura verdadeiramente empresarial, capaz de chamar a atenção de trabalhadores e transmiti-los a impressão de que os serviços ofertados eram lícitos.
(...)
Conforme apontaram as investigações, os beneficiários, em regra, desconheciam as fraudes. Em geral, eram rodoviários ou trabalhadores do Polo Petroquímico de Camaçari, que efetivamente haviam exercidos atividades especiais (insalubres) e reuniam considerável tempo de serviço, o que os levava a acreditar na falsa informação repassada pelo escritório de que faziam jus à aposentadoria em regime diferenciado.
A cooptação desses trabalhadores e os demais passos da atuação da quadrilha aconteciam da seguinte forma:
Normalmente por indicação de colegas de profissão, os interessados procuravam o escritório e pagavam, em média, R$50,00 (cinquenta reais) pela consulta inicial, que, essencialmente, consistia numa contagem de tempo de serviço, recebendo, nesse momento, a falsa informação de que reuniam os requisitos para aposentadoria.
Em seguida, o escritório mandava o interessado providenciar: a) junto às empregadoras atuais e pretéritas, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP); b) com o INSS, o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS); e c) na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (...), as Relações Anuais de Informações Sociais (RAIS) (...). Vale atentar que nem o extrato do CNIS, nem o RAIS eram necessários para instruir o requerimento de aposentadoria, e eram solicitados pela quadrilha apenas para repassar credibilidade ao requerimento perante o INSS.
A documentação verídica, então, era entregue ao escritório, que agendava atendimento do segurado em uma Agência da Previdência Social (APS). A data e horário aprazados eram comunicados ao interessado na aposentadoria, o qual era orientado a comparecer ao escritório com uma hora de antecedência, a fim de ser acompanhado por um despachante.
Na porta da APS, o despachante repassava ao segurado um envelope fechado, em seu nome, a ser entregue ao servidor do INSS quando do atendimento. Na maioria das vezes, os beneficiários não tinham contato pretérito com a documentação, de modo a evitar que ela fosse conferida, com o que eles perceberiam que ela tinha sido trocada ou que o pedido foi instruído com documentos contrafeitos.
No intervalo de tempo que mediava o contato com o segurado e a data de atendimento, a quadrilha providenciava a falsificação de PPPs, laudos técnicos e declarações para induzir em erro o INSS, ‘comprovando’ que os trabalhadores teriam laborado em condições especiais (exposição a agentes nocivos, tais como ruído e produtos químicos).
(...)
Vale esclarecer que, como a maioria dos segurados realmente havia exercidos atividades insalubres, as falsificações normalmente visavam produzir documentos que indicassem níveis de insalubridade superiores aos reais. Com isso, os trabalhadores tinham seus coeficientes previdenciários artificialmente aumentados, o que permitia que alcançassem o tempo de contribuição necessário à aposentadoria.
Quando o benefício era deferido, o escritório entrava em contato com o ‘cliente’ que, em contrapartida, pagava ‘honorários’ que variavam de R$2.000,00 (dois mil reais) e R$5.000,00 (cinco mil reais), conforme declarações dos beneficiários.
Já quando a aposentadoria era indeferida, os membros da quadrilha tratavam de dar entrada em novo requerimento, em Agência do INSS diversa da que havia negado o benefício, na expectativa de que as fraudes pudessem passar despercebidas caso o requerimento de benefício fosse analisado por outros servidores da autarquia.
(...)
Toda a atividade de falsificação ficou provada sobretudo pelas medidas de busca e apreensão realizadas na sede do Escritório CABALLERO & DUARTE, onde foi encontrada vasta documentação relacionada aos requerimentos de aposentadoria intermediados pelo escritório, incluindo os documentos falsos apresentados à autarquia previdenciária, merecendo destaque as seguintes constatações:
a. Da amostragem inicial dos 23 processos analisados pelo INSS (...), dos quais, como dito, 21 continham documentos falsos e 02 não se referiam à atuação da quadrilha, foram localizados no escritório documentos atinentes a 17 (dezessete) deles, por ocasião da busca e apreensão (Relatório de fl. 04 e seguintes do Apenso XXV);
b. Foram localizados, ainda, documentos atinentes a 984 (novecentos e oitenta e quatro) processos de benefícios previdenciários, dos quais 97 (noventa e sete) estavam ativos e 10 (dez), embora deferidos, haviam cessado por motivos diversos (...).
Ressalte-se que a atividade de falsificação levada a efeito pelos integrantes da quadrilha, atinente aos 21 processos constantes do Apenso I-XXIII, restou amplamente comprovada também pelos depoimentos de beneficiários que, ouvidos na Polícia, não reconheceram os documentos em seus processos de benefício como os que haviam entregue ao escritório, ou mesmo informaram não terem entregue qualquer PPP ou laudo à quadrilha.
De igual modo, em depoimento à Polícia Federal, engenheiros e médicos de segurança do trabalho, além de responsáveis pelo setor de pessoal das empresas, negaram a emissão dos PPPs e laudos técnicos que constavam nos processos intermediados pela quadrilha, informação que restou confirmada pela realização dos exames grafotécnicos (...).
(...)
Em que pese o reiterado pedido de diligência do MPF no curso do IPL (...), estes processos foram remetidos, em sua maioria, sem a análise conclusiva do INSS e cálculo de pagamentos indevidos. Apesar disto, constam processos concessórios com informação do INSS sobre a falsidade documental, a exemplo daqueles atinentes aos segurados CARLOS BASÍLIO DE SANTANA, FLORISVALDO NUNES DOS ANJOS, JASIEL PETERS DANTAS, JOEL FERREIRA DE SANTANA e ROSALVO SOARES DO CARMO, evidenciando os estelionatos consumados.
Note-se, ademais, que não houve apuração atinente aos mais de 800 (oitocentos) processos concessórios intermediados pela quadrilha e indeferidos pelo INSS, que certamente aumentariam a materialidade dos estelionatos tentados, atualmente comprovada nos 21 (vinte e um) processos que compõem os Apensos I-XXIII.
Portanto, o crime de quadrilha decorre da inequívoca e deliberada associação dos denunciados, com caráter de durabilidade e permanência, ao longo de, pelo menos, três anos, sob o manto de uma atuação empresarial, para a falsificação de documentos e prática de estelionatos contra a Previdência Social (...).
Por seu turno, a materialidade das falsificações de documentos públicos foi atestada pelos PPPs e laudos falsos, cuja inautenticidade restou comprovada pelas perícias realizadas, pelos depoimentos dos supostos signatários e pelos ofícios das empresas que negam suas emissões. Por fim, os estelionatos tentados e consumados estão materializados nos processos concessórios fraudulentos acostados aos feitos.
4. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS
Os monitoramentos telefônicos, aliados aos depoimentos dos beneficiários e dos próprios integrantes da quadrilha, demonstraram que os denunciados se uniram, com o propósito comum de cometer crimes, atuando de forma constante e organizada, com divisão de tarefas, possuindo cada um deles funções particulares dentro do esquema ilícito.
(...)
4.1. DOS SÓCIOS LEOPOLDO GRAMACHO CABALLERO JÚNIOR, ANAILTON DUARTE DA SILVA e CLÁUDIA NUNES SAMPAIO
LEOPOLDO GRAMACHO CABALLERO JÚNIOR era o sócio majoritário do CABALLERO & DUARTE e líder de fato da quadrilha, competindo a ele a articulação das fraudes e a coordenação das atividades ilícitas desenvolvidas. Consta dos autos relatório de inteligência do INSS que aponta seu envolvimento em ilícitos contra autarquia ao menos desde 2004 (...).
A consecução dos ilícitos somente era possível porque o denunciado reunia o conhecimento necessário na área previdenciária, obtido a partir de sua experiência como antigo funcionário terceirizado do INSS.
Além de conceber as fraudes e dirigir a atividade criminosa, LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR era o responsável pela cooptação de ‘clientes’, contando, para tanto, (...), com uma verdadeira publicidade profissional dos serviços do escritório, distribuindo panfletos e até realizando palestras sobre questões previdenciárias (...).
Também em razão de seus conhecimentos na área previdenciária, competia a LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR realizar o atendimento ‘principal’ dos clientes do escritório. Nesse atendimento, ele informava falsamente aos trabalhadores que eles possuíam os requisitos legais para a percepção da aposentadoria. Em seguida, orientava que providenciassem documentos laborais, como CTPS, PPP’s e laudos periciais originais, e então retornassem para o agendamento do benefício.
ANAILTON DUARTE DA SILVA, também sócio do Escritório CABALLERO & DUARTE, ostentava a posição de ‘Consultor Júnior’, desempenhando, junto com LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR, as principais tarefas para a consecução das fraudes. Tal qual LEOPOLDO, ANAILTON DUARTE atendia clientes, fornecia orientações sobre os requerimentos de aposentadoria e substituía o líder da quadrilha na sua ausência. Também era de ANAILTON DUARTE a atribuição de preparar os falsos documentos que instruíam os requerimentos de aposentadoria.
CLÁUDIA NUNES SAMPAIO compunha, juntamente com LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR e ANAILTON DUARTE, o quadro social da Empresa CABALLERO & DUARTE e, na prática, era a responsável por organizar e operacionalizar questões administrativas e financeiras do escritório.
Também era atribuição de CLÁUDIA SAMPAIO realizar o atendimento inicial dos clientes, fazer a contagem do tempo de serviço, agendar atendimentos, monitorar a situação de processos concessórios e juntar documentos aos requerimentos de aposentadoria.
(...)
Aos três primeiros denunciados, sob a liderança e coordenação de LEOPOLDO CABALLERO JÚNIOR, cabia, em regra, a etapa inicial da fraude, que ia desde o atendimento do interessado até o agendamento junto ao INSS, sendo que os demais denunciados também estavam envolvidos nessa etapa.
(...)
Nesse núcleo gerencial da quadrilha, eram providenciados os falsos documentos para ludibriar o INSS, parte dos quais era contrafeita a partir dos documentos originais entregues pelos próprios trabalhadores ou obtidos diretamente pela quadrilha por meio de solicitação às empresas empregadoras.
No caso dos PPPs, era produzido um novo formulário, em que eram copiadas informações gerais sobre o trabalhador e seu vínculo de emprego, e alteradas apenas aquelas que influenciavam diretamente na contagem do tempo de contribuição, como os níveis de exposição aos agentes insalubres. Para completar a fraude, eram reproduzidas assinaturas dos funcionários que estavam habilitados a preencher o PPP, em nome das empresas empregadoras.
(...)
Além dos PPP’s, também eram providenciados falsos Laudos Técnico-Periciais, supostamente assinados por engenheiros ou médicos de segurança do trabalho e declarações supostamente emitidas pelas empresas, que autorizariam esses profissionais a fazerem avaliações periciais para seus funcionários.
(...)
Os monitoramentos telefônicos revelaram que o ANAILTON DUARTE também encomendava, junto com a denunciada CLÁUDIA SAMPAIO, os carimbos com nomes de empresas e de profissionais de segurança do trabalho que eram usados para falsificar os PPP’s e laudos técnicos usados pela quadrilha (fls. 12 de 42 do apenso XXV do Vol. II):
(...)
Em depoimento à Polícia Federal, em 15/10/2010, JORGE CÉSAR SANTOS SOUZA, dono do estabelecimento localizado no bairro do Taboão responsável pela confecção dos carimbos, confirmou que ANAILTON DUARTE encomendava, mensalmente, entre 2 e 10 carimbos com nome de diferentes empresas, prática que perdurou pro aproximadamente um ano e foi admitida pelo próprio ANAILTON em seu interrogatório na Polícia Federal (...).
(...)
Ante o exposto, fica evidente que LEOPOLDO GRAMACHO CABALLERO JUNIOR, ANAILTON DUARTE DA SILVA e CLAUDIA NUNES SAMPAIO cometeram, em concurso material de crimes (art. 69, CP), os delitos de formação de quadrilha (art. 288, do Código Penal) e estelionato majorado (art. 171, §3°, do Código Penal – nas formas consumada e tentada), incidindo o art. 71, do mesmo diploma legal, para os dois últimos delitos (falsificação e estelionato).
A denúncia foi recebida em 20/08/2015 (ID 385426179, pp. 2/3).
A sentença foi proferida em 17/07/2023 (ID 385426873).
Em suas razões recursais, o Apelante LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR pleiteia a fixação a pena no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (ID 409007135).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região opinou pelo não provimento do recurso (ID’s 417197661 e 417197694).
É o relatório.
À Revisora (Art.30, III, do RITRF1).
Relator

10ª Turma
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR
REPRESENTANTES POLO ATIVO: MURILO SILVA DE OLIVEIRA - BA54806-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR: MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR):
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação criminal.
O apelante LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR foi condenado à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, na forma tentada (art.14, II, do CP) e consumada.
Da prescrição
Em relação aos crimes de estelionato na forma tentada, verifico a ocorrência da prescrição.
A prescrição é matéria de ordem pública que pode ser apreciada em qualquer tempo e grau de jurisdição, razão pela qual passo à análise de sua ocorrência (CPP art. 61).
O apelante LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JÚNIOR foi condenado à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão pelo delito do art. 171, §3º, do CP, na forma tentada (art. 14, II, CP).
Por força do art. 110, § 1º, do Código Penal, a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de desprovido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. In casu, não houve recurso do Ministério Público Federal, de modo que ocorreu o trânsito em julgado da sentença para a acusação, circunstância que atrai o prazo prescricional de 04 (quatro) anos, conforme o art. 109, inciso V, do CP.
Sucede que, entre a data do recebimento da denúncia, 20/08/2015 (ID 385426179, pp. 2/3), e a data da publicação da sentença condenatória, 17/07/2023 (ID 385426873), transcorreu prazo superior a 04 (quatro) anos, fato que, ex vi do disposto nos arts. 110, caput e § 1º e 109, V, do Código Penal, implica na extinção da pretensão punitiva do Estado em face da prescrição.
Do crime na forma consumada.
No caso em análise, não há dúvida quanto à adequação típica dos fatos imputados ao apelante, uma vez que após a instrução processual, ficou provada a ocorrência do crime de estelionato contra a Previdência Social, na forma reconhecida na r. sentença..
A defesa do Apelante insurge-se tão somente pela diminuição da pena aplicada e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Da sentença extrai-se que, em razão do reconhecimento de crime único praticado em continuidade delitiva entre as condutas tipificadas como estelionato tentado e consumado, foi considerada a pena aplicada aos crimes consumados, por ser mais grave, e procedido o acréscimo de 1/6 (um sexto), em consonância com o disposto no art. 71 do Código Penal.
Logo, a análise do presente recurso será adstrita aos crimes de estelionato consumados, até mesmo pelo fato dos crimes na forma tentada, estarem prescritos.
DOSIMETRIA
A princípio, pontuo que, havendo pluralidade de causas de aumento, adota-se “(...) o critério cumulativo ou do "efeito cascata", no que tange ao concurso de causas de aumento ou diminuição de pena” (AgRg no HC n. 723.412/SC, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 4/11/2022).
Ao analisar a dosimetria, noto que, quanto ao concurso de causas de aumento, o Juízo adotou o critério da incidência isolada (e não em cascata), porém, já que não houve impugnação da acusação no ponto, é forçoso a manutenção do cálculo, em respeito à vedação da reformatio in pejus.
A pena cominada ao delito de estelionato (CP art. 171, caput) é de reclusão de 01 (um) a 05 (cinco) anos e multa.
O Juízo sentenciante, ao analisar os critérios de individualização da sanção básica, utilizou fundamentação idônea e considerou como negativo o vetores culpabilidade e consequências do crime. Em razão disso, exasperou a pena-base para 2 (dois) anos de reclusão e 12 (doze) dias-multa.
A culpabilidade – compreendida como o grau de censura ou juízo de reprovação social que o crime e o autor do fato merecem – deve ser considerada mais reprovável na hipótese, em razão do fato de que o acusado na gestão de escritório de consultoria e intermediação previdenciária, induziu a erro grande número de trabalhadores, com a falsa informação de que fariam jus à aposentadoria com a contagem fraudulenta de tempo de serviço especial. (destaquei)
Não há antecedentes aptos a ensejar uma dosagem adversa da pena.
Não há informações a respeito da personalidade ou da conduta social do sentenciado.
O motivo não representa circunstância apta a justificar a exasperação da reprimenda.
Não há o que ser valorado em relação às circunstâncias em que o delito foi praticado. O fato de o acusado LEOPOLDO ter trabalhado como funcionário terceirizado do INSS antes de abrir o escritório de intermediação de benefícios previdenciários, diferentemente do quanto pleiteado pelo MPF, não agrava as circunstâncias do crime, porquanto inexiste relação direta entre a anterior prestação de serviço à autarquia pelo acusado e o cometimento das fraudes.
As consequências do crime autorizam a elevação da pena-base, uma vez que o esquema fraudulento “envolveu a intermediação de centenas de benefícios com contagem de tempo especial, dos quais mais de 100 foram concedidos (listados no ID 630219465, pp. 317/320), e cujos valores pagos totalizaram a soma de quase R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), em valores não atualizados.”
Todavia, não autorizam a valoração negativa das consequências do crime “a demissão de diversos trabalhadores induzidos em erro à época dos fatos, pelas empresas cujos nomes foram usados nos documentos falsos”, porquanto não há prova nos autos das demissões e do número de trabalhadores efetivamente demitidos em razão da descoberta das falsificações pelas empresas empregadoras.
Outrossim, o fato de permanecerem ativos benefícios com suspeita de irregularidades, cuja revisão ainda não foi finalizada pelo INSS, não autoriza a valoração negativa das consequências do crime, uma vez que não se sabe quantos benefícios intermediados pelo escritório e que estão ativos foram, de fato, fraudulentos.
A análise do comportamento da vítima fica prejudicada, porquanto o sujeito passivo do crime, em última análise, é o próprio Estado.
Em relação ao vetor culpabilidade, justifica-se a valoração negativa, visto a gravidade concreta atribuída à conduta do Apelante, que enganou um grande número de trabalhadores ao fornecer informações falsas, levando-os a acreditar que teriam direito à aposentadoria através da contagem fraudulenta de tempo de serviço especial.
Às consequências do ilícito, eis que interpretadas como o mal causado pelo crime, transcendem ao resultado típico, posto que a conduta do apelante motivou gasto relativamente elevado de recursos públicos, no que concerne aos diversos benefícios concedidos indevidamente. Ademais, o delito atentou contra o mais importante instrumento de distribuição de renda e assistência às pessoas necessitadas.
A fundamentação das circunstâncias da culpabilidade e consequências do crime utilizadas pelo juízo singular justificam a majoração da pena-base.
Assim, em razão da existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal, em 2 (dois) ano de reclusão e 12 (doze) dias-multa, cada um no equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, corrigido até o efetivo recolhimento, em atenção à situação econômica do acusado (art. 60 do CP).
Não há circunstâncias agravantes e atenuantes a serem consideradas.
A incidência da causa especial de aumento prevista no § 3º do art. 171 da Lei Penal Material encontra amparo, uma vez que o crime foi cometido em detrimento de entidade de direito público. Aumento a pena em 1/3 (um terço) e a estabeleço em 2 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.
Ante a configurada continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) dos crimes de estelionatos consumados, aumento a pena em 2/3 (dois terços) e a fixo, definitivamente, em 4 (quatro) anos e 5 (cinco) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 30 (trinta) dias-multa.
Todavia, em razão da pena definitiva fixada pelo MM. juiz sentenciante (04 (quatro) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa) ser mais benéfica para defesa e em razão da proibição, em recurso exclusivo da defesa, da reformatio in pejus, fica a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa.
A pena de prisão deve ser cumprida no regime inicial aberto (art. 33, § 2º, c, do CP).
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, a serem fixadas pelo Juízo da Execução Penal.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com esteio nos arts. 107, IV, do Código Penal e 61 do Código de Processo Penal, nos termos do art. 29, XIV, do Regimento Interno do TRF da 1ª Região, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR em relação ao crime tipificado no art. 171, §3º, do Código Penal, na forma tentada (art. 14, II, Código Penal) e nego provimento à apelação interposta pela defesa de LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR.
É o voto.
Des. Federal MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Relator

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
V O T O - R E V I S O R
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES (RELATORA CONVOCADA):
Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento.
Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por Leopoldo Gramacho Cabalero Junior contra sentença que o condenou à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, na forma tentada (art.14, II, CP) e consumada.
Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) declarar a extinção da punibidade ante a ocorrência da prescrição em relação aos delitos na forma tentada; ii) reconhecer a materialidade e a autoria delitivas, bem como o elemento subjetivo do tipo penal em relação aos crimes consumados de estelionato contra a Previdência Social na forma consumada; e iii) manter a valoração negativa da culpabilidade e das consequências do crime na majoração da pena-base.
Ante o exposto, ACOMPANHO o eminente relator e declaro extinta a punibilidade do réu em relação ao crime do art. 171, §3º, do Código Penal, na forma tentada (art. 14, II, Código Penal) e nego provimento à apelação interposta pela defesa.
É o voto.
Juíza Federal ROSIMAYRE GONÇALVES
Relatora Convocada

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0032742-82.2015.4.01.3300 PROCESSO REFERÊNCIA: 0032742-82.2015.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: LEOPOLDO GRAMACHO CABALERO JUNIOR
REPRESENTANTES POLO ATIVO: MURILO SILVA DE OLIVEIRA - BA54806-A
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DA DEFESA. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONTINUIDADE DELITIVA. CRIMES TENTADOS E CONSUMADOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO CRIME NA MODALIDADE TENTADA. DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE PROPORCIONAL. CONCURSO DE CAUSAS DE AUMENTO. CRITÉRIO DA INCIDÊNCIA ISOLADA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.
1.Materialidade, autoria e dolo delitivos comprovados nos autos.
2.Extinção da punibilidade do réu em relação ao crime de estelionato na modalidade tentada, em razão do reconhecimento da prescrição.
3.Análise adstrita aos crimes de estelionato consumados.
4 Fundamentação idônea nos vetores da culpabilidade e conquências do crime.
5. Havendo pluralidade de causas de aumento, adota-se “(...) o critério cumulativo ou do "efeito cascata", no que tange ao concurso de causas de aumento ou diminuição de pena” (AgRg no HC n. 723.412/SC, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 4/11/2022).
6. No caso, tendo o Juízo adotado o critério da incidência isolada (e não em cascata), e não havendo impugnação da acusação no ponto, é forçoso a manutenção do cálculo, em respeito à vedação da reformatio in pejus.
7. Apelação que se nega provimento.
