
POLO ATIVO: ANTONIO SENA DA FRANCA
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS

Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL BRUNO HERMES LEAL (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de Apelação Criminal interposta por ANTÔNIO SENA DA FRANÇA de sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária da Bahia - BA, que o condenou à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, pela prática do crime tipificado no art. 171, §3º, do Código Penal.
Dos fatos relevantes, a denúncia narra, in verbis (ID 173445095, pp. 2/5):
Conforme depreende-se do apuratório criminal, ANTONIO SENA DA FRANÇA instrui os autos dos processos n° 0000379132013401330 e 001789512201440130 com documentos falsificados, visando a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição de forma indevida.
Em 19.12.12, o Denunciado requereu, mediante apresentação falsos formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, aposentadoria por tempo de contribuição, alegando que fazia jus ao beneficio por se enquadrar na hipótese de aposentadoria especial, alterando os adicionais nos PPPs, visando induzir o INSS em erro.
(…)
Diante da negativa administrativa de concessão do beneficio requerido, o Denunciado ingressou com ação ordinária para que a decisão administrativa fosse reformada, buscando a concessão do beneficio de aposentadoria por tempo de contribuição (fls. 132/142), instruindo a ação com os mesmos PPPs utilizado para requerimento do beneficio em sede administrativa (fls. 187/210), já comprovadamente falsos.
Não obstante a reconhecida falsidade dos documentos, como bem se percebe dos Laudos Periciais ás fls. 70/74 e 80/86 do Apenso I, confirmando a inautenticidade dos documentos, bem como das declarações de duas empresas onde trabalhou o Denunciado, atestando que os PPPs utilizados não foram emitidos pelas mesmas (fls. 99/104 - Apenso II e fls. 41/44 - Apenso I), a sentença proferida pelo juízo da 7ª VARA CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIARIA DO ESTADO DA BAHIA julgou procedente o pedido do Acusado, implantando, desde a data do requerimento administrativo em 17.12.09, o beneficio de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional em favor do Denunciado, condenando ainda o INSS ao pagamento das diferenças ou parcelas vencidas (fls. 13/18).
Assim, resta evidenciado que o Denunciado, de forma livre e consciente, manteve o INSS e o referido juízo em erro, obtendo vantagem ilícita, com o consequente prejuízo para o sistema previdenciário, tendo sido o responsável pela fraude cometida contra a autarquia previdenciária federal.
A denúncia foi recebida em 31/07/2018 (ID 173445096, p. 2).
A sentença foi proferida em 07/07/2021 (ID 173445108).
Em suas razões recursais, ANTÔNIO SENA DA FRANÇA, representado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, suscita, em preliminar, a litispendência dessa ação penal com o feito n. 32961-95.2015.4.01.3300 e a aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), ao argumento de que preenche todos os requisitos legais. No mérito, alega que a conduta é atípica, ante a reconhecida inexistência de estelionato judicial pelos Tribunais Superiores, e, ainda, que não há provas do elemento subjetivo do tipo, razões pelas quais requer a absolvição. Subsidiariamente, postula a suspensão condicional da pena (ID 173445516).
Contrarrazões apresentadas (ID 173445519).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região opinou pelo não provimento do recurso da Defesa (ID 177140024).
É o relatório.
À Revisora (Art.30, III, do RITRF1).
Juiz Federal BRUNO HERMES LEAL
Relator Convocado

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL BRUNO HERMES LEAL (RELATOR CONVOCADO):
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação criminal.
ANTÔNIO SENA DA FRANÇA foi condenado pela prática do crime de estelionato majorado (art. 171, §3º, CP), por ter, após o indeferimento do pedido de concessão do benefício previdenciário na via administrativa, apresentado os mesmos formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPPs) falsos perante o Poder Judiciário, objetivando o reconhecimento do tempo de serviço trabalhado sob condições especiais e a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição nos autos n. 0000379-13.2013.4.01.3300 (7ª Vara Federal), tendo obtido êxito na via judicial.
PRELIMINARES – LITISPENDÊNCIA E APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)
O Apelante, em preliminar, alega que está sendo processado nos autos n. 32961-95.2015.4.01.3300 pelos mesmos fatos abordados nesta ação penal, os quais consistem na obtenção de benefício previdenciário em prejuízo do INSS mediante o uso de documentos fraudulentos.
Os autos n. 32961-95.2015.4.01.3300, conforme denúncia juntada com as razões recursais (ID 173445517), trata da tentativa de estelionato majorado, por efeito da apresentação de formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) falsos no processo administrativo de requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição perante o INSS. O crime não se consumou porque a Autarquia Previdenciária constatou a falsidade dos documentos, após oficiar as empresas GDK e BRASKEM S.A.
Por outro lado, de acordo com a denúncia (ID 173445095, pp. 2/5), os fatos apurados nesta ação penal referem-se a apresentação dos formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPPs) falsos perante o Poder Judiciário. Apesar de ter conhecimento do motivo do indeferimento administrativo, o Réu instruiu ação judicial previdenciária com os mesmos documentos fraudulentos apresentados ao INSS e obteve êxito.
Logo, não há falar em litispendência, uma vez que os fatos são distintos e atentam, em tese, contra bens jurídicos diversos.
No que tange à possibilidade de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), deixo de me manifestar, dado que o mérito da questão é favorável ao apelante, como passo a descrever nas próximas linhas.
MÉRITO
O Apelante argumenta que “a percepção de verbas ou sua pretensão, ainda que indevidas, por meio de procedimento judicial válido, não pode ser tida como estelionato, conforme entendimento cristalizado na jurisprudência dos tribunais superiores.”
O caso dos autos autoriza a pretendida equiparação ao chamado estelionato judicial, pois o benefício previdenciário foi concedido ao apelante por ato judicial, após o devido processo legal.
Segundo entendimento consagrado do Superior Tribunal de Justiça, "o estelionato judicial consiste no uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando a Justiça, com ciência da inidoneidade da demanda. Percebe-se que a leitura das elementares do art. 171, caput, do Código Penal deve estar em consonância com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CRFB, art. 5º, XXXV), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é subjetivo e público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo, verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda." (AgRg no HC n. 857.248/AL, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 11/12/2023 - grifei).
Como visto, ante a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), não configura estelionato a conduta de quem pleiteia direito material perante o Poder Judiciário, ainda que de forma descabida e utilizando de documentos inidôneos.
Da análise dos autos, verifica-se que a postulação judicial do benefício previdenciário ocorreu após o indeferimento administrativo, de modo que tanto o Réu quanto a Autarquia Previdenciária tinham ciência da ilegitimidade da demanda, em razão da já reconhecida falsidade dos documentos.
Observado o exercício da ampla defesa e contraditório judicial, o INSS, ciente da falsidade dos documentos, poderia ter se insurgido quanto às informações fraudulentas, mas não o fez. Ademais, considerando os indícios de falsidade nos documentos, o magistrado condutor do feito poderia determinar diligências para esclarecer os pontos duvidosos ou rejeitar a demanda temerária, dado que não é obrigado a atender os pleitos formulados. Essas circunstâncias não são compatíveis com a ideia de ardil ou de indução em erro do julgador em processo judicial.
No caso, não obstante o Apelante tivesse ciência da falsificação dos formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPPs) quando do ajuizamento da ação previdenciária e tenha obtido êxito na obtenção da aposentadoria, a sua conduta não atrai a tipificação do delito de estelionato.
Com efeito, o prejuízo, consistente na obtenção de benefício previdenciário indevido mediante o uso de documentos fraudulentos, adveio de sentença e não diretamente da atitude do Réu.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, sem prejuízo de que o Erário persiga na esfera cível a restituição dos valores, dou provimento à apelação da defesa, para absolver ANTÔNIO SENA DA FRANÇA do crime tipificado no art. 171, § 3º, do Código Penal, nos termos do art. 386, inciso III do Código de Processo Penal.
É o voto.
Juiz Federal BRUNO HERMES LEAL
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
V O T O - R E V I S O R
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES (RELATORA CONVOCADA):
Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento.
Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por Antônio Sena da França contra sentença que o condenou à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, pela prática do crime tipificado no art. 171, §3º, do Código Penal, consubstanciado, segundo a denúncia, na conduta de, após o indeferimento do pedido de concessão do benefício previdenciário, apresentado os mesmos formulários de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPPs) falsos perante o Poder Judiciário, objetivando o reconhecimento do tempo de serviço trabalhado sob condições especiais e a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Adoto os mesmos fundamentos expendidos no voto relator para i) afastar a litispendência alegada com o processo de n. 0032961-95.2015.4.01.3300; ii) reconhecer a atipicidade penal da conduta por equiparação ao estelionato judicial, porquanto "não configura estelionato a conduta de quem pleiteia direito material perante o Poder Judiciário, ainda que de forma descabida e utilizando de documentos inidôneos."
Ante o exposto, ACOMPANHO o eminente relator e dou provimento à apelação da defesa para absolver o réu do crime tipificado no art. 171, §3º, do Código Penal, nos termos do art. 386, inciso III do Código de Processo Penal.
É o voto.
Juíza Federal ROSIMAYRE GONÇALVES
Relatora Convocada

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0026461-08.2018.4.01.3300 PROCESSO REFERÊNCIA: 0026461-08.2018.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: ANTONIO SENA DA FRANCA
POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DA DEFESA. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. DOCUMENTOS FALSOS. POSTULAÇÃO JUDICIAL DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.
1. O Apelante, apesar de ter conhecimento do motivo do indeferimento administrativo, instruiu ação judicial previdenciária com os mesmos documentos fraudulentos e obteve êxito.
2. Conforme precedentes do STJ, ante a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), não configura estelionato a conduta de quem pleiteia direito material perante o Poder Judiciário, ainda que de forma descabida e utilizando de documentos inidôneos.
3.No curso da demanda judicial, tanto ao INSS quanto ao magistrado era possível a identificação das informações fraudulentas, visto que já tinham sido constatadas no processo administrativo. Circunstâncias incompatíveis com a ideia de ardil ou de indução em erro do julgador.
4. A conduta do Apelante é atípica.
5. Recurso que se dá provimento.
ACÓRDÃO
Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF 29 de outubro de 2024.
Juiz Federal BRUNO HERMES LEAL
