
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros
POLO PASSIVO:CARLOS COUTINHO DA SILVA e outros
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS

Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Tratam-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por CARLOS COUTINHO DA SILVA, em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, que condenou o Réu a 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 70 (setenta) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal.
O Juiz Singular reconheceu ao Réu o direito à suspensão da execução da pena (SURSIS), pelo prazo de 03 (três) anos.
A r. sentença recorrida consigna, verbis (154085586 - Pág. 44):
Narra a denúncia que, a partir de 13/03/2007, passou a sacar indevidamente benefício previdenciário (aposentadoria por invalidez) concedido a Adelina Maria Cerqueira, falecida em 1980, com cartão magnético que lhe fora fornecido pela filha da de cujus, Cleonice Maria Cerqueira, a qual, mediante procuração pública e atestado de incapacidade física falsos em nome da falecida titular do benefício, possibilitou a transferência ao Apelante/Apelado dos poderes de procurador da beneficiária - que assinou termo de responsabilidade perante o INSS a fim de que este sacasse o benefício.
Aduz o MPF que o Apelante/Apelado afirmou, na fase do inquérito, que Cleonice Maria Cerqueira lhe devia valor de empréstimo, o que seria quitado mediante saque do benefício previdenciário de sua mãe. O denunciado asseverou, ainda, que dividia o valor sacado mensalmente com Cleonice Maria Cerqueira e que, após o falecimento desta em março de 2011 (fl. 71), passou a sacar o benefício integralmente para si, até sua cessação, ocorrida em setembro de 2011 (f. 134). Afirma, ainda, que o denunciado, já na condição de procurador da titular do benefício, forneceu informações em censo realizado pelo INSS com o intuito de ludibriar as buscas pela identificação da beneficiária e evitar a constatação de seu falecimento (item 3 do relatório de informação de fls. 110/113), o que revela o dolo do denunciado para a obtenção de vantagem indevida em detrimento do INSS.
A denúncia foi recebida em 17/02/2014 (ID 154085583 - Volume 01 – pág. 49). Sentença condenatória publicada em 05/02/2020 (ID 154085586 - Volume 02 - pág. 44/49).
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL postula seja afastada a aplicação do SURSIS, ante a vedação prevista no art. 77, III, do Código Penal, devendo a reprimenda corporal ser substituída por duas penas restritivas de direitos (ID 154085586 – Volume 02 - pág. 51/57).
CARLOS COUTINHO DA SILVA, por sua vez, sustenta que a correta tipificação dos fatos é aquela prevista no art. 345 do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões), bem como que não houve prova suficiente da autoria delitiva (ID 154085586 - Volume 02 - pág. 68/73).
Contrarrazões apresentadas pelo MPF (ID 154085593) e por CARLOS COUTINHO DA SILVA (ID 154085586 - VOLUME 02 – pág. 65/66).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifesta-se pelo desprovimento da apelação interposta por CARLOS COUTINHO DA SILVA e pelo provimento da interposta pelo Ministério Público Federal (ID 156493056).
É o relatório.
À Revisora (CPP, art. 613, I; RITRF1, art. 30, III).
MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Desembargador Federal Relator

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
V O T O
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações criminais.
Tratam-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por CARLOS COUTINHO DA SILVA, em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, que condenou o Réu a 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 70 (setenta) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, nos seguintes termos (ID 154085586 - pág. 44/49):
A materialidade do crime previsto no art. 171, §3°, do Código Penal, encontra-se demonstrada pela percepção indevida pelo denunciado, de aposentadoria por invalidez titularizada por Adelina Maria Cerqueira - falecida desde 28/05/1980 (fl. 182) -, tendo figurado o réu como procurador da beneficiária desde 13/03/2007 (fl. 133), e sacado o benefício, indevidamente, até agosto de 2011, quando foi cessado pelo INSS (fls. 54/61 e 110/113).
A autoria resta comprovada pelo fato de o denunciado, juntamente com Cleonice Maria Cerqueira - filha da beneficiária e falecida em 27/03/2011 (fl. 71) -, mediante procuração pública lavrada em 28/02/2007 em nome da beneficiária Adelina Maria Cerqueira (fl. 32), falecida em 1980, ter passado a figurar como procurador desta junto ao INSS - com assinatura de Termo de Responsabilidade pelo denunciado, perante o INSS, em 13/03/2007 (fl. 33) - e realizado, nessa condição, saques indevidos do benefício previdenciário, até agosto de 2011.
O réu, em seu interrogatório, confirmou ter sacado os benefícios que sabia serem de Adelina Maria Cerqueira, tendo alegado, em sua defesa, desconhecimento quanto ao falecimento da beneficiária, o que se mostra incongruente com o fato de ter assumido, perante o INSS, a condição de procurador desta.
Com efeito, ao firmar Termo de Responsabilidade perante a autarquia previdenciária (fl. 33), assumiu a condição de intermediário no repasse da aposentadoria por invalidez à sua real beneficiária, o que revela a vontade consciente de receber o benefício previdenciário como procurador de pessoa que afirmou desconhecer, o que, por si só, configura o dolo para o estelionato.
Outrossim, o réu foi casado a irmã de Cleonice, Elzenilde Cerqueira Coutinho da Silva - que depôs como testemunha em juízo (fl. 372) -, conforme se extrai do depoimento desta e do interrogatório do réu (fl. 415), sendo inverossímel a alegação de que não tinha ciência do falecimento da beneficiária da aposentadoria, que integrava o mesmo núcleo familiar de sua ex-esposa.
O réu afirmou em juízo, ainda, que Cleonice sacava o benefício e que repartiam entre si o valor em pagamento de empréstimo que lhe havia feito e que, após seu falecimento, continuou a sacar o benefício - com o cartão magnético e senha -, conduta que evidencia, inequivocamente, a intenção de obter a vantagem ilícita decorrente do saque indevido de benefício previdenciário.
Reputo configuradas, portanto, a materialidade e autoria para o delito de estelionato em desfavor da autarquia previdenciária, consubstanciado no recebimento pelo denunciado de aposentadoria por invalidez, na condição de procurador de pessoa falecida, entre 2007 e 2011.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na denúncia para condenar Carlos Coutinho da Silva como incurso na sanção prevista no art. 171, §3°, do Código Penal.
APELAÇÃO DE CARLOS COUTINHO DA SILVA
O Acusado sustenta, em síntese, que a correta tipificação dos fatos aponta para o art. 345, do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões). Aponta, outrossim, a inexistência de provas suficientes da autoria, circunstância que impõe a improcedência da ação.
As provas constantes dos autos, contudo, não deixam dúvidas de que CARLOS COUTINHO DA SILVA praticou o crime de apropriação indébita previdenciária (CP 171, § 3º), não havendo que se falar, como tenta fazer crer, em condenação fundada em indícios.
Conforme consta da r. sentença recorrida, a autoria decorre do fato do Apelante, “... juntamente com Cleonice Maria Cerqueira - filha da beneficiária e falecida em 27/03/2011 (fl. 71) -, mediante procuração pública lavrada em 28/02/2007 em nome da beneficiária Adelina Maria Cerqueira (fl. 32), falecida em 1980, ter passado a figurar como procurador desta junto ao INSS - com assinatura de Termo de Responsabilidade pelo denunciado, perante o INSS, em 13/03/2007 (fl. 33) - e realizado, nessa condição, saques indevidos do benefício previdenciário, até agosto de 2011” (ID 154085586 - Volume 02 - pág. 44/49).
Nesse sentido, não são verossímeis as alegações do Apelante de que (i) não tinha conhecimento da fraude; (ii) não conheceu e “... tampouco sabia da existência de Adeline”, e; (iii) apenas "... recebeu dinheiro que havia emprestado à Sra. Cleonice”. Observe-se que CARLOS COUTINHO DA SILVA era casado com a neta — registrada como filha — da titular do benefício.
Na procuração pública lavrada em 28/02/2007, em nome da falecida Adelina Maria Cerqueira, o Apelante (outorgado) figurava como seu genro (ID 154085582 - pág. 39).
Acresce que o ora Apelante assinou Termo de Responsabilidade perante o INSS, assumindo a posição de intermediário no repasse da aposentadoria por invalidez, comprometendo-se, ainda, a comunicar qualquer evento que pudesse anular a procuração (ID 154085582 - pág. 40). Apresentou atestado médico em nome da beneficiária (ID 154085582 – pág. 41) e, no censo realizado pelo INSS, prestou informações a respeito de Adelina Maria Cerqueira. Em seu interrogatório, confirmou que sacou os valores correspondentes aos benefícios pagos a Adelina Maria Cerqueira.
Resta demonstrado, portanto, ter CARLOS COUTINHO DA SILVA se portado com vontade livre e conscientemente dirigida a obter vantagem indevida (benefícios indevidamente pagos à beneficiária Adelina Maria Cerqueira), não havendo que se falar, destarte, no delito de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).
APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O Ministério Público Federal sustenta que “o MM. Juízo Federal a quo agiu equivocadamente ao suspender a execução da pena privativa de liberdade aplicada aos Recorridos, mesmo sendo cabível a sua substituição por pena restritiva de direitos”.
Tenho que não assiste razão ao Parquet.
Conforme bem pontuado pelo Juízo de Primeiro Grau, se a suspensão da pena é mais vantajosa ao condenado do que a substituição da reprimenda por penas restritivas de direitos, não há óbice algum que impeça a aplicação do sursis.
Embora o sursis seja subsidiário em relação à substituição da pena corporal por penas restritivas de direito (CP art. 77, III), não há ilegalidade alguma no proceder do Juiz Singular que houve por bem reconhecer o direito do ora Apelante àquele.
A substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito constitui direito do Réu. Acaso deseje exercê-lo, abrindo mão do sursis, poderá fazê-lo em sede de execução penal.
Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por CARLOS COUTINHO DA SILVA.
É o voto.
MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Desembargador Federal Relator

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
Apelação n. 0004533-40.2014.4.01.3300
V O T O - R E V I S O R
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (REVISORA):
Os autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento.
Trata-se de Recursos de Apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e por Carlos Coutinho da Silva, contra sentença que condenou o Réu a 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 70 (setenta) dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal.
Em razões de recurso, o MPF requer o afastamento da aplicação do SURSIS.
A seu turno, o apelante Carlos Coutinho da Silva sustenta a insuficiência de prova da autoria delitiva. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação para o delito previsto no art. 345 do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões).
Acompanho integralmente os termos do voto do Relator.
As razões recursais do apelante Carlos Coutinho da Silva não têm aptidão para desautorizar os fundamentos da sentença, que, de forma persuasiva, acolheu a pretensão punitiva, acatando a imputação em relação ao acusado.
Na hipótese, verifica-se a presença de vontade livre e conscientemente dirigida a obter vantagem indevida (benefícios indevidamente pagos à beneficiária Adelina Maria Cerqueira), não havendo que se falar em desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), uma vez que, para a sua caracterização, imperioso que o agente empregue os meios necessários a pretexto de realizar interesse próprio ou alheio, ou seja, imprescindível o elemento normativo do tipo referente à pretensão legítima.
No caso, além da ausência de quaisquer elementos que ampare a versão de que a Sra. Cleonice seria devedora de valores ao acusado, a pretensão não seria legítima, dado que o saque indevido dos valores decorrentes do benefício previdenciário de terceiro ocorreu junto ao INSS e não subtraído em face da própria Sra. Cleonice.
Quanto ao pleito ministerial, igualmente não merece acolhimento, uma vez que a possibilidade de aplicação do sursis se costura na medida em que mais vantajosa ao condenado que a substituição da reprimenda por penas restritivas de direitos.
Além disso, a substituição da pena privativa de liberdade, prevista no art. 44 do CP, constitui direito do Réu, de modo que, acaso deseje exercê-lo, poderá fazê-lo em sede de execução penal.
Ante o exposto, ACOMPANHO o eminente Relator e nego provimento às apelações.
É como voto.
Desembargadora Federal Daniele Maranhão
Revisora

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0004533-40.2014.4.01.3300 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004533-40.2014.4.01.3300
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros
POLO PASSIVO:CARLOS COUTINHO DA SILVA e outros
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. SURSIS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO.
1. As provas constantes dos autos, contudo, não deixam dúvidas de que o ora Apelante praticou o crime de apropriação indébita previdenciária (CP 171, § 3º), não havendo que se falar, como tenta fazer crer, em condenação fundada em indícios.
2. Embora o sursis seja subsidiário em relação à substituição da pena corporal por penas restritivas de direito (CP art. 77, III), não há ilegalidade alguma no proceder do Juiz Singular que houve por bem reconhecer o direito do ora Apelante àquele. A substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito constitui direito do Réu. Acaso deseje exercê-lo, abrindo mão do sursis, poderá fazê-lo em sede de execução penal.
3. Apelações não providas.
