
POLO ATIVO: EIDER LIMA DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: GUILHERME DA SILVA LOPES CARVALHO - MG131520-A
POLO PASSIVO:JUIZO DA 17 VARA CRIMINAL FEDERAL DE SALVADOR
RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Guilherme da Silva Lopes Carvalho impetra habeas corpus em favor de EIDER LIMA DOS SANTOS, em face de decisão do Juízo Federal da 17ª Vara da Seção Judiciária da Bahia que decretou sua prisão temporária. Sustenta que o ato apontado coator carece "... de fundamentação idônea para subsidiar o cárcere processual, tendo feito referência apenas (sic) menção abstrata a dispositivos legais, bem como à gravidade do crime" (ID 386296628, p. 05). Diz que o Impetrado, ao justificar a custódia do Paciente, "... NÃO apresentou qualquer justificação apta a possibilitar o contraditório, se limitando a reescrever os argumentos utilizados pelo Ministério Público Federal" (ID 386296628, p. 10 - grifos do original).
Aponta que o ato coator não atendeu aos requisitos enunciados pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI nº 3.360/DF. Referido precedente assentou que a decretação da prisão provisória pode se dar quando: (i) for imprescindível para as investigações do inquérito policial (Lei nº 7.960/1989 art. 1º, I), a partir de elementos concretos e não meras conjecturas, sendo proibida a sua utilização como prisão para averiguações, em violação ao direito à não autoincriminação e quando fundada no mero fato do representado não possuir residência fixa (Lei nº 7.960/1989 art. 1º, II); (ii) houver fundadas razões de autoria ou de participação do indiciado nos crimes previstos no art. 1º, III, da Lei nº 7.960/1989, vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto no dispositivo; (iii) for justificada em fatos novos ou contemporâneos que fundamentem a medida (CPP art. 312, § 2º); (iv) a medida for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado (CPP art. 282, II), respeitados os limites previstos no art. 313, do CPP, e; (v) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos arts. 319 e 320, da Lei Processual Penal (CPP art. 282, § 6º).
Argumenta que a decisão de primeiro grau não apontou, concretamente, quais as razões que justificariam a prisão provisória do Paciente. Observa que já se realizou a diligência de busca e apreensão, de sorte que não há risco à arrecadação das provas que interessam à investigação criminal.
Requer, liminarmente, a revogação da prisão temporária imposta a EIDER LIMA DOS SANTOS, providência que espera vir confirmada quando do julgamento do mérito (ID 386296628).
Liminar indeferida (cf. decisão ID 386488119).
Informações prestadas (ID 386903658).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Procurador Regional da República Luiz Francisco Fernandes de Souza, manifestou-se pela concessão da ordem (ID 387061645).
É o relatório.
MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Desembargador Federal Relator
Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
V O T O
Trata-se de habeas corpus interposto com o fim de obter a revogação da decisão que decretou a prisão temporária de EIDER LIMA DOS SANTOS. Referida custódia até a presente data não se concretizou, estando o Paciente foragido.
A decisão que decretou a prisão temporária do Paciente tem a seguinte dicção, verbis:
No caso concreto, extrai-se do inquérito policial (Id. 1928274672), que PABLO NUNES MOREIRA foi preso em flagrante, no dia em 27/09/2023, quando tentava sacar valores relativos a benefício concedido de forma fraudulenta (habilitado por servidor anteriormente aposentado) e mediante apresentação de decisão judicial falsa, tendo declarado à autoridade policial que o fez atendendo a orientações de pessoa identificada apenas como ZENON, a quem teria conhecido por meio de grupo de mensagens.
De acordo com a representação policial Id. 1928274670, após a análise dos dados colhidos com a decretação da quebra do sigilo telemático deferida no bojo dos autos nº. 1089158-72.2023.4.01.3300 do aparelho celular encontrado com PABLO NUNES MOREIRA, produziu-se a Informação de Polícia Judiciária IPJ nº. 4627087/2023 (Id. 1928274673), que possibilitou a identificação de outros indivíduos envolvidos nos crimes perpetrados em desfavor do INSS.
Com efeito, a Informação de Polícia Judiciária IPJ nº. 4627087/2023, consigna que:
“Diante dos elementos de prova colhidos até o momento, verificou-se a existência de associação criminosa, composta por diversos indivíduos, com a finalidade de praticar fraudes em detrimento do INSS.
Após análise do aparelho celular apreendido, identificou-se, inicialmente, a associação entre 02 (dois) indivíduos - EIDER LIMA DOS SANTOS, CPF 03085178570 e PABLO NUNES MOREIRA, CPF 03745612574, que atuam em diversas modalidades criminosas, tendo como foco principal, nesse caso, a fraude previdenciária, mais especificamente a Aposentadoria por Invalidez Previdenciária mediante Ordem Judicial fictícia.
Diante do bloqueio de pagamento do benefício previdenciário fraudado em nome de PABLO (NB6453119289), a dupla se uniu a outros dois indivíduos, identificados como THIAGO DOS SANTOS SOUSA, CPF 04266051522 e EVERTON FALCÃO DE ALMEIDA FILHO (BOY), CPF 80644090553.
Durante diálogos de WhatsApp entre esses 04 (quatro) indivíduos, surgiu a indicação de um suposto intermediário que conhece alguém que trabalha no INSS e supostamente poderia ajudar no desbloqueio do pagamento do benefício fraudulento.
A partir daí, surge um outro grupo criminoso composto por um intermediário de codinome “DINO” (até o momento não identificado pela equipe de investigação), além de um suposto advogado de nome ANTONIO DA SILVA FILHO, CPF 79279660578 e um servidor do INSS, identificado como JOSE CARLOS PONCIANO DA CONCEICAO, CPF 28251610559, formando o diagrama de vínculos inicial que representa graficamente o contexto da prisão em flagrante ocorrida em 27/09/2023.
Além dos citados acima, diversas outras pessoas foram arregimentadas pelo grupo, no intuito de conseguirem segurados do INSS dispostos a se aposentar por invalidez mediante fraude, para com eles dividirem os valores pagos pela previdência. Uma ação integrada e organizada sob a coordenação de EIDER e PABLO formou uma rede progressiva de partícipes, com crescimento exponencial.
Nesse sentido, identificou-se participação relevante da irmã de PABLO, LAVINE NUNES MOREIRA, CPF 03138636527 e de seu esposo, MARCO AURELIO VASCONCELOS DA SILVA, CPF04458405527.
Durante a análise, ficou evidente uma condição hierárquica de EIDER superior a PABLO, que por sua vez ocupa condição superior aos demais partícipes, de forma que todos os dados dos segurados arregimentados são repassados pela cadeia hierárquica até chegar ao conhecimento de PABLO, e por fim EIDER.
A análise do material contido no celular leva a crer que EIDER, na realidade, seria a figura mais importante da associação criminosa, na medida em que ele, ao que tudo indica, constitui o elo de ligação com a parte do grupo criminoso que efetivamente implementa os benefícios nos sistemas do INSS. Esta é a parte mais sensível da quadrilha, na medida em que exige acesso aos sistemas do INSS para promover a implementação de benefícios fraudulentos, contando-se provavelmente com a ajuda de algum servidor ou ex-servidor do INSS, que tenha conhecimento do funcionamento dos sistemas (os sistemas do INSS para implementação de benefícios são relativamente complexos, com várias nuances, não sendo qualquer pessoa que consegue promover a implementação de um benefício no sistema SABI – Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade - mesmo que consiga ter acesso ao mesmo clandestinamente).
Da investigação realizada infere-se que a organização criminosa possui duas principais subdivisões:
A primeira, composta por EIDER, PABLO, BOY e THIAGO, atua na modalidade cibernética, por meio da configuração de aparelho MICROTIK (caixinha) ou outra forma de acesso remoto à rede do INSS (aplicativo Anydesk ou similar).
A segunda, composta por DINO, ANTONIO e JOSÉ PONCIANO, atua como intermediária, fornecendo IP dos computadores do INSS e possivelmente facilitando a instalação de aparelho MICROTIK nas agências de Previdência Social, o que forneceria acesso aos sistemas do INSS para promover a implementação de benefícios fraudulentos. Frisa-se que foram identificadas fotografias de ao menos duas telas de computador cujo IP está localizado na Agência de Previdência Social MERCÊS, em Salvado/BA, local onde trabalha JOSÉ PONCIANO.
Os demais partícipes identificados nos diagramas acima atuam arregimentando pessoas e recebendo um percentual de cada benefício fraudado.”.
Assim, reputo não haver dúvida quanto à existência dos crimes e robustos são os indícios de autoria.
- DO PEDIDO DE PRISÃO TEMPORÁRIA
Na hipótese dos autos, estão presentes os requisitos do art. 1º, I e III, “l”, da Lei n. 7.960/89, em face da imprescindibilidade da medida para a investigação policial e existência de indícios da participação dos requeridos no crime perpetrado contra o INSS.
Conforme aduziu o Ministério Público acerca da imprescindibilidade da decretação da prisão temporária “O primeiro requisito é preenchido através da realização do tipo penal do art. 288, Código Penal, previsto expressamente na Lei nº 7.960/1989; o segundo está bem retratado na manifestação da autoridade policial ao indicar que, como os investigados são os principais membros do grupo criminoso (articuladores das fraudes previdenciárias), podem promover ações que frustrem o resultado das diligências, retirando objetos de seus locais atuais (como por exemplo aparelhos de MIKROTIK usados para adentrar nas redes do INSS) e influenciando os depoimentos e declarações que se pretende colher nos dias imediatamente subsequentes à ação policial programada. Verifica-se, portanto, o preenchimento dos requisitos.”.
Dessa forma, acolhendo o parecer ministerial, concluo presentes os requisitos da imprescindibilidade da prisão temporária dos investigados PABLO NUNES MOREIRA e EIDER LIMA DOS SANTOS para a continuidade das investigações policiais, tendo em vista que há elementos que fundamentam o justo receio de que em liberdade, possam os investigados dificultar ou frustrar a produção de provas, dificultando sobremaneira as diligências investigatórias. (ID 386296653, pp. 01-03 - grifos do original)
Apreciando pedido de revogação da prisão temporária formulado pela Defesa do Paciente, assim se manifestou o Impetrado, verbis:
Inicialmente, não (sic) que se falar em nulidade da decisão que decretou a prisão temporária por ausência de fundamentação, uma vez que o magistrado fundamentou sua decisão na existência dos requisitos previstos no art. 1º, I e III, da Lei n. 7.960/89, em face da imprescindibilidade da medida para a investigação policial e na existência de indícios da participação do requerente no crime perpetrado contra o INSS (Id.1938412648).
No caso examinado, ainda estão presentes todos os requisitos legais para a manutenção da prisão temporária, tendo em vista os fundamentos contidos manifestação do Ministério Público Federal (Id.1989121664) e também a informação da autoridade policial (Id. 1928274670), no sentido de que o referido investigado exercita poder hierárquico sobre as demais pessoas envolvidas nos crimes investigados e que podem comprometer as diligências policiais que estão sendo realizadas para localizar e colher os depoimentos destes envolvidos.
Conforme narra a autoridade policial: “A análise do material contido no celular leva a crer que EIDER, na realidade, seria a figura mais importante da associação criminosa, na medida em que ele, ao que tudo indica, constitui o elo de ligação com a parte do grupo criminoso que efetivamente implementa os benefícios nos sistemas do INSS.” (Id. 1928274670 – pág. 119).
Ademais, o cumprimento das medidas de busca e apreensão não cessão (sic), por si só, o requisito da imprescindibilidade da prisão temporária, na medida em que ainda se mostra necessário o prosseguimento das investigações.
Como bem aduziu o MPF: “Igualmente, mostra-se insubsistente, vez que sem qualquer substrato, a alegação de que a prisão visa a obter o interrogatório do requerido, até porque é sempre assegurado ao investigado que exerça seu direito constitucional ao silêncio. Por fim, também cumpre destacar que o cumprimento dos mandados de busca e apreensão já expedidos não elide, como advoga a defesa, a necessidade da prisão, visto que se trata de iniciativa que não esgota a instrução do inquérito, máxime diante da magnitude e extensão das ações delituosas ora sob apuração.”.
Do exposto, indefiro o pedido de REVOGAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA de EIDER LIMA DOS SANTOS. (ID 386296663, p. 02 - grifos do original)
Não diviso ilegalidade na decisão que decretou a prisão temporária de EIDER LIMA DOS SANTOS e que indeferiu pedido de revogação da medida.
A prisão temporária do Paciente, o qual se encontra foragido, restou fundamentada pelo Impetrado à luz das investigações em curso para a apuração dos delitos de estelionato e associação criminosa em detrimento dos bens e serviços do Instituto Nacional do Seguro Social. Assim é que aponta as provas e indícios do cometimento dos referidos crimes e explicita a necessidade da custódia para que a investigação criminal cumpra sua função, a saber, o risco à integridade das provas que permitam esclarecer as circunstâncias pelas quais se obteve benefícios previdenciários tidos como fraudulentos.
Tampouco há que se falar em nulidade das decisões por ausência de motivação ou pelo emprego exclusivo da fundamentação per relationem. O Impetrado declinou seus argumentos. A referência feita às razões expostas pela Autoridade Policial e pelo Ministério Público Federal se deu para fins de contextualizar o caso concreto.
Pelo exposto, DENEGO a ordem.
É o voto.
MARCUS VINICIUS REIS BASTOS
Desembargador Federal Relator
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Processo Judicial Eletrônico