
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:FATIMA ABREU SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JAQUESON DOS SANTOS CASTRO - GO29515-A e KERLY JOANA CARBONERA - GO29987-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1005146-10.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença de ID 299455025 (Págs. 240 a 244) que concedeu aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
Foi concedida a tutela provisória.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões da apelação (ID 299455025 - Págs. 251 a 257), a parte recorrente alegou, em síntese: 1) nulidade pela ausência de fundamentação da sentença recorrida; 2) a parte autora manteve sucessivos vínculos na condição de segurado urbano, não havendo provas do efetivo labor rural, o que impede o reconhecimento de sua qualidade como segurada especial; 3) imprestabilidade dos documentos juntados em nome do cônjuge, como prova do labor rural da autora; 4) ausente início de prova material da atividade rural exercida pelo tempo necessário para complementação da carência mínima.
A parte recorrente pediu o provimento do recurso para anular a sentença recorrida e, no mérito, a reforma integral, com julgamento de improcedência do pedido.
Intimada, a recorrida não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1005146-10.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
Afastada a arguição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, pois exposto pelo Juízo de origem, de forma suficientemente explícita, as razões que lhe formaram o convencimento, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
A concessão do benefício previdenciário referido na causa depende da demonstração, por prova idônea e suficiente de tempo de serviço/contribuição, efetivada por prova documental plena ou início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal. A Súmula 27 do TRF1 estabelece que “Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/1991, art. 55, § 3º)”.
A parte rural da carência não se encontrar sujeita ao recolhimento das contribuições correspondentes para efeito de sua utilização para obtenção do benefício de aposentadoria por idade no RGPS, conforme entendimento jurisprudencial dominante (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019).
É pacífica a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que permite a aceitação de outros documentos para a comprovação do exercício de atividade rural.
Na consideração da abrangência temporal da documentação apresentada, pode ser aplicada a inteligência da Súmula 577 do STJ, que estabelece que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório”.
Conforme as regras insertas pela EC n. 103, de 12/11/2019, o direito à aposentadoria por idade híbrida é devido aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e aos 62 (sessenta e dois) anos, se mulher.
De acordo com a regra de transição prevista no artigo 18 da EC 103/2019, no ano de 2020 a mulher necessitava de 60 anos e 06 meses para a obtenção de aposentadoria por idade. Para o ano de 2021, o requisito etário é de 61 anos e para o ano de 2022 é 61 anos e 6 meses. A partir de janeiro de 2023 terminou a regra transitória, e passou a ser exigido da segurada mulher que implemente 62 anos de idade na DER.
Na hipótese, a autora não preencheu o requisito etário para obtenção da aposentadoria por idade híbrida (62 anos) na data do requerimento administrativo, em 26/10/2021 (ID 299455025 - Pág. 89), porquanto nascida em 22/10/1961 (ID 299455025 - Pág. 18).
Conforme a EC 103/2019, a idade mínima de 62 (sessenta e dois) anos para a autora foi implementada em 22/10/2023, no curso do processo, pelo que a análise da concessão do benefício será feita mediante possível reafirmação da DER.
No caso em apreço, o conjunto probatório não se assenta em comprovar o labor rural em regime de economia familiar, por tempo suficiente a completar a carência exigida em lei.
Quanto ao período de labor urbano, foi comprovado pela apresentação do CNIS, com registro de contribuição de 1987 a 2017, de forma descontínua (ID 299455025 - Págs. 79 a 88). Os vínculos públicos equivaleriam a 130 contribuições para efeito de carência (ID 299455025 - Pág. 199), caso fosse incontroversos e considerados apenas os períodos fechados. Vínculos abertos no CNIS não foram contabilizados por não imprimirem juízo de certeza suficiente sobre a extensão do contrato de trabalho, posto que não anexado aos autos a certidão de tempo de contribuição emitida pelo ente público empregador, pelo que tornou-se impossibilitada a análise do benefício de aposentadoria por idade urbana, pois não comprovado o implemento da carência exigida. Considerados os vínculos fechados do CNIS, restaria a necessidade de demonstração de 50 meses de trabalho/contribuição rural.
Quanto ao período rural, a autora alega que exerceu atividade rural em regime de economia familiar no período de 29/09/1999 a 09/12/2015 e de 09/12/2015 a 09/11/2021 e juntou aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, na qual o cônjuge da autora, Sr. Idevaldo Rodrigues da Silva, é qualificado como lavrador, em 25/06/1982, com averbação de divórcio em 22/05/2019 (ID 299455025 - Pág. 20); comprovante de filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Confresa/MT, no qual a autora está qualificada como agricultora, com data de admissão em 2007 (ID 299455025 - Pág. 30 e 31); documentos em nome do alegado companheiro da autora, Sr. Antônio Cláudio Nascimento, que fazem referência a imóvel rural em que exerce atividade de lavoura e pecuária, dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020 (ID 299455025 - Pág. 21 a 29, 32 a 56); nota fiscal de produtor, em nome de Antônio Cláudio Nascimento, no valor de R$ 15.000,00, com data de 15/08/2018 (ID 299455025 - Pág. 47); notas fiscais de aquisição de produtos agropecuários em nome de Antônio Cláudio Nascimento, ano de 2019 (ID 299455025 - Pág. 59); nota fiscal de produtor, em nome de Antônio Cláudio Nascimento, no valor de R$ 60.500,00, com data de 18/02/2019 (ID 299455025 - Pág. 60); nota fiscal de produtor, em nome de Antônio Cláudio Nascimento, no valor de R$ 9.250,00, com data de 22/04/2019 (ID 299455025 - Pág. 62); nota fiscal de produtor, em nome de Antônio Cláudio Nascimento, no valor de R$ 20.400,00, com data de 18/10/2019 (ID 299455025 - Pág. 64); atestado de vacinação contra brucelose, em nome de Antônio Cláudio Nascimento, de 25/11/2019 e de 29/05/2020 (ID 299455025 - Pág. 71 e 73).
Os documentos apresentados em nome de Antônio Cláudio Nascimento, anteriores a 22/05/2019, não podem ser aceitos como prova do labor rural da autora, eis que a autora-recorrida era casada com Idevaldo Rodrigues da Silva, e não houve prova de que viveu em união estável e passou a conviver maritalmente com o Sr. Antônio em data anterior à decretação do divórcio.
Ainda que assim não fosse, os documentos apresentados em nome do atual companheiro, Sr. Antônio Cláudio Nascimento, apesar de demonstrarem o exercício de atividade rural, em atividade pecuária, não foi afastada a possibilidade de que tal atividade pudesse ter sido realizada na condição de produtor rural. Há indício que o resultado da produção pecuária não condiz com o alegado regime de economia familiar (exploração de considerável atividade pecuária, diante da expressiva quantidade de bovinos comercializada e notas fiscais de valores elevados, conforme ID 299455025 - Págs. 47, 60, 62 e 64).
O regime de economia familiar, tanto sob a égide da LC 11/71 como da Lei n. 8.213/91, caracteriza-se como aquele voltado basicamente para a atividade de subsistência, sem o auxílio de empregados, ainda que suficiente para gerar excedente de produção agrária para venda a terceiro. Tal regime pode ser desqualificado na hipótese de atividade pecuária exercida em média ou larga escala.
Somente a certidão de casamento de 25/06/1982 (ID 299455025 - Pág. 20) constituiu, efetivamente, início de prova material ao labor rural da autora, no período do casamento (que resultou dissolvido pelo divórcio, posteriormente).
Outro ponto que merece destaque é o fato de a autora ter informado na autodeclaração de segurado especial o exercício da atividade rural nos períodos de 29/09/1999 a 09/12/2015 e de 09/12/2015 a 09/11/2021 (ID 299455025 - Pág. 171), quando exerceu por longos períodos a atividade urbana, como faz prova o CNIS (ID 299455025 - Págs. 79 a 88), aptos a descaracterizar sua condição de segurada especial nos anos ao qual se pretende comprovar a atividade agrária.
A prova testemunha não esclareceu suficientemente as inconsistências documentais acima especificadas (período de vigência do casamento e da união estável superveniente; atividades rurais desenvolvidas pelo cônjuge e a parte autora na vigência do casamento; amplitude econômica das atividades rurais exercidas pelo imputado companheiro e da parte autora, entre outras).
Por conseguinte, a ausência de comprovação segura do tempo de serviço rural, na condição de segurado especial, denota falta de prova da carência mínima necessária para concessão de aposentadoria por idade híbrida.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 299455028 e ID 299455027) não foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, porque apresenta contradições com a prova documental, assim como não a completou suficientemente.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 117459554 e ID 117462030) não pode ser admitida como meio exclusivo para reconhecer o tempo de exercício de atividade rural (STJ, Súmula 149 e TRF1, Súmula 27).
Nesse contexto, não restou comprovado o exercício de atividade rural da parte autora no período postulado.
Constatada a ausência de “conteúdo probatório” em situação em que é possível a renovação da demanda para o exaurimento da produção probatória.
Segundo Tese 629 do STJ, firmada em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos, aplicável as ações previdenciárias:
“A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”.
Hipótese em que a escassez de provas materiais impede o reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria híbrida, porquanto não preenchidos os requisitos contidos no artigo 48, §3º da Lei nº 8.213 /91.
Honorários advocatícios, quando devidos, na forma da legislação de regência art. 85 do CPC c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região, observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, e prejudicada a apelação (arts. 485, IV, e 932 do CPC/2015 c/c Tese 629 do STJ).
Revogo a tutela antecipada e determino a intimação do INSS para a adoção das medidas cabíveis.
Inverto os ônus sucumbenciais, para condenar a parte autora recorrida em honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade ficará suspensa, na forma do disposto no art. 98, caput e §§ 2º e 3º, do CPC.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1005146-10.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 1001692-85.2022.8.11.0059
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: FATIMA ABREU SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. RGPS. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA. ATIVIDADE LABORAL RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 149 DO STJ, DA TESE 629 DO STJ E DA SÚMULA 27 DO TRF1. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO PREJUDICADA.
1. Rejeitada a arguição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, pois exposto pelo Juízo de origem, de forma suficientemente explícita, as razões que lhe formaram o convencimento, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, embora incorresse em erro de julgado ao não se atentar pela aplicabilidade da EC 103/2019 relativamente ao requisito etário.
2. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
3. A prova produzida não é suficiente para a concessão do benefício pedido, em razão das limitações probatórias impostas pela legislação de regência (§ 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991), conforme Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1. A prova testemunhal não esclareceu suficientemente as inconsistências documentais (período de vigência do casamento e da união estável superveniente; atividades rurais desenvolvidas pelo cônjuge e a parte autora na vigência do casamento; amplitude econômica das atividades rurais exercidas pelo imputado companheiro e da parte autora, entre outras).
4. O reconhecimento de falta de “conteúdo probatório” em causa previdenciária possibilita a extinção processual sem a resolução do mérito, nos termos da Tese 629 do STJ, a fim de assegurar o ajuizamento de nova causa em que se possibilite renovação ou complemento da prova para o julgamento adequado da causa.
5. A diligência pelo exaurimento da produção probatória assegura a tutela dos interesses das partes na prestação previdenciária mais adequada e vantajosa.
6. Processo extinto sem a resolução do mérito. Apelação prejudicada.
7. Tutela de urgência revogada.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, e prejudicada a apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
