
POLO ATIVO: FRANCILIO FERREIRA DOS SANTOS FIALHO e outros
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):WILSON ALVES DE SOUZA

Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto por FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS FIALHO e CRISTINA FRANCO FERREIRA DOS SANTOS em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Piauí, que julgou procedente a pretensão veiculada pela denúncia, condenando-os pela prática do crime tipificado pelo artigo 171, § 3°, do Código Penal, em continuidade delitiva (artigo 71 do CP), atribuindo-lhes pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e pena de multa de 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do último saque indevido. Presentes os requisitos do artigo 44 do CP, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação pecuniária, na importância de 2 (dois) salários-mínimos, e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Nas razões de recurso, a defesa pugna pela absolvição dos Réus, alegando, em suma, que a conduta a eles imputada é atípica, por ausência de dolo específico de obter vantagem indevida em prejuízo da autarquia previdenciária. Aduz que os Acusados não tinham obrigação de informar o óbito à autarquia previdenciária, de maneira que não se faz presente o elemento fraude constante do tipo penal. Assinala que os Denunciados foram induzidos a erro pelo próprio INSS, que continuou creditando os valores do benefício mesmo após o óbito do titular. Sustenta, ainda, que os Réus incidiram em erro sobre a ilicitude do fato, pois acreditavam que poderiam efetuar os saques dos valores após o óbito do titular do benefício. Alternativamente, defende a relativização da Súmula 231 do STJ, pugnando pela aplicação da atenuante da confissão espontânea para diminuir a pena-base, ainda que reste fixada em patamar aquém do mínimo legal. Por fim, rogou pela reforma da sentença para que seja alterado o patamar de aumento decorrente da continuidade delitiva, reduzindo-o para 1/6 (um sexto), tendo em vista a ausência de circunstâncias judiciais valoradas negativamente.
Contrarrazões apresentadas.
A PRR-1ª Região manifestou-se pelo desprovimento da apelação.
Ao Revisor.
Relator

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
V O T O
Os Apelantes almejam a desconstituição do decreto condenatório, sob o argumento de que a conduta que lhes foi imputada é atípica, dada a ausência de dolo específico. Ademais, aduzem a presença de excludente da culpabilidade, em razão do erro sobre a ilicitude do fato. Subsidiariamente, mantida a condenação, pugnam pela diminuição da pena em 1/3 (um terço), ante o erro de proibição evitável. Também, rogam pela relativização do enunciado de súmula n. 231 do STJ, fazendo incidir a atenuante da confissão espontânea para fixação da pena aquém do mínimo legal. Ainda, requerem a aplicação da fração de 1/6 (um sexto) no aumento decorrente da continuidade delitiva, e não 1/3 (um terço), promovendo-se a readequação da pena de multa e da pena substitutiva. Ao final, postulam pela não condenação no pagamento das custas processuais, porquanto assistidos pela Defensoria Pública da União.
A situação trazida a este grau recursal decorre de sentença proferida em primeira instância, na qual foi julgada procedente a denúncia, para fins de condenar os Denunciados, ora Recorrentes, pela prática de estelionato previdenciário, na forma continuada.
O estelionato está descrito no artigo 171 do Código Penal:
CP, Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
O delito de estelionato exige quatro requisitos, essenciais para sua caracterização: 1) obtenção de vantagem ilícita; 2) causar prejuízo a outra pessoa; 3) uso de ardil ou artimanha; e 4) enganar alguém ou a levá-lo a erro.
A ausência de um dos quatro elementos, seja qual for, impede a caracterização do estelionato.
O crime aceita apenas a forma dolosa, ou seja, só se realiza quando há real intenção de lesar, não havendo previsão da modalidade culposa.
O estelionato pode ser classificado como crime simples e de dano quanto à objetividade jurídica; comum e monossubjetivo quanto ao sujeito ativo; material e instantâneo quanto ao momento consumativo; e doloso quanto ao seu elemento subjetivo.
A majoração que o órgão ministerial entende ser aplicável ao caso em exame é a do § 3º do indigitado dispositivo de lei, in verbis:
§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
A majoração se justifica, em tese, pela maior repercussão social do dano.
A sentença merece reforma.
Em primeiro lugar, o caso é de atipicidade da conduta, a incidir o princípio da insignificância. Na hipótese, a exordial acusatória narra um prejuízo ao INSS equivalente ao valor de R$ 3.889,40 (três mil oitocentos e oitenta e nove reais e quarenta centavos). Trata-se de pequena quantia e, portanto, de inexpressiva lesão aos cofres públicos.
O STJ, submeteu a questão alusiva à “possibilidade de extinção de ofício de execução fiscal por carência de ação (interesse de agir) quando o valor excutido não superar o valor de alçada previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002” ao sistema de julgamentos repetitivos (Tema 125), e firmou a seguinte tese: ”As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.” E isso desde 26.06.2009, data em que o acórdão transitou em julgado.
Ademais, o Ministério da Fazenda editou a Portaria nº 75, de 22 de março de 2012, determinou em seu artigo 2º, o seguinte, literalmente: “Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. (Redação dada pelo(a) Portaria MF nº 130, de 19 de abril de 2012)”.
Assim, do ponto de vista de um ordenamento jurídico analisado como sistema e como estrutura, é inaceitável que o Estado administração deixe de cobrar, porque irrisório, um débito tributário, que atende às necessidades coletivas, no valor de 20 mil reais, e o sistema de justiça penal condene alguém criminalmente em matéria estritamente econômica por valores bem abaixo disso, como visto acima.
Não fosse isso, o exame do acervo probatório revela que, no que diz respeito à autoria do delito, a prova produzida sob o contraditório judicial restringiu-se exclusivamente à confissão dos Réus e a depoimentos testemunhais frágeis e insuficientes.Inicialmente, destaca-se ser conceito bem assentado na jurisprudência e na doutrina que, no sistema jurídico pátrio, a confissão, por si, não basta para ensejar condenação de natureza penal, sendo útil apenas para ligar entre si outros elementos de prova, direta e indireta, desde que produzidos sob o crivo do contraditório judicial.
No direito positivo, esse conceito decorre do artigo 197 do Código de Processo Penal, segundo o qual “o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”.
Considerando que o artigo 386, inciso VII, do CPP prevê, como causa de absolvição, a inexistência de provas suficientes a ensejar a condenação e que a confissão deve ser examinada e valorada em conjunto com as demais provas colhidas no processo, conclui-se que, isoladamente considerada, a confissão não poderá embasar uma condenação.
Nesse sentido, é o entendimento desta Corte Regional:
PENAL. FURTO QUALIFICADO. CP, ART. 155, §4º, II E IV. CLONAGEM DE CARTÕES. AUTORIA. COMPROVAÇÃO EXCLUSIVA POR CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. INOBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO JUDICIAL. INADMISSIBILIDADE. CPP, ART. 155. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO. 1. Condenação pelo juízo da 1ª vara federal de Uberaba (MG) pela prática do crime do art. 155, § 4º, II e IV, do CP, com penas de reclusão e multa por terem subtraído, em comunhão de esforços, valores de contas bancárias de correntistas da CEF mediante fraude consistente na clonagem de cartões, em 20/12/2010 e 22/02/2011, em Uberaba. 2. Reforma da sentença para absolver os apelantes. É inadmissível a condenação exclusivamente com base em elementos de informação obtidos sem a observância do contraditório judicial. Violação da CR/1988, art. 5º, LV, e do CPP, art. 155. 3. No caso, a autoria do crime se baseou apenas na confissão e delação de um dos apelantes perante a autoridade policial, não confirmada por qualquer prova produzida sob contraditório em juízo. 4. Provas produzidas unicamente na fase inquisitorial não se apresentam aptas para ensejar um decreto condenatório, pois, ainda que o fato, uso de documento falso, seja de simples constatação, o titular da ação penal não poderia eximir-se de demonstrar sua materialidade em juízo. Todavia, no caso, optou por não produzir qualquer prova, nem mesmo ratificadora, em juízo. Absolvição mantida. (ACR 0024269-43.2007.4.01.3800, JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (CONV.), 4ª TURMA, e-DJF1 14/09/2015). 5. Provimento da apelação para reformar a sentença e julgar improcedente a denúncia. Absolvição com fulcro no CPP, art. 386, VII. (ACR 0006135-44.2016.4.01.3802, JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 10/11/2021 PAG.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. 1. A prova dos autos, baseada exclusivamente na confissão do acusado, não possui a robustez necessária à condenação, uma vez que, confrontada com outros elementos de informação e com as provas produzidas na instrução, levam apenas à conclusão de que há dúvida insuperável acerca da autoria dos delitos imputados, sobretudo porque houve outros testemunhos desencontrados. 2. Apelação desprovida. (ACR 0000075-20.2009.4.01.3602, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 15/03/2017 PAG.)
No caso vertente, afora a confissão dos Réus, no sentido de que procederam a cinco saques com o cartão do beneficiário falecido, assinalando que acreditavam tratar de valores residuais que poderiam por eles ser sacados, nenhum outro elemento de prova foi produzido, capaz de gerar firme convicção no julgador, para além de qualquer dúvida razoável, que confirme a alegação ministerial de que eles efetivamente praticaram a conduta pela qual foram denunciados. Essa carência de elementos probatórios da autoria não pode ser suprida pela confissão.
Em que pese tenham sido ouvidas duas testemunhas na via judicial, os depoimentos de ambas não são suficientes a embasar o édito condenatório.
O Policial Federal Carlos Henrique Leite Porto limitou-se a, em Juízo, declinar que entrevistou os Acusados por ocasião das investigações, porém não se recordou do teor das perguntas e respostas, tampouco da situação envolvendo aqueles (ID 392419135).
A testemunha Sandra Dorotéia Ferreira, arrolada pela defesa, por seu turno, narrou que os Denunciados são casados e residiam com Francisco Ferreira dos Santos, beneficiário falecido e genitor da Ré Cristiana Franco. Mencionou que Francisco era idoso, doente e vivia sob os cuidados da filha, que deixou o emprego para cuidar do pai. Além disso, mencionou ter conhecimento de que Francisco percebia benefício previdenciário e que Cristiana acreditava que os valores sacados corresponderiam a “sobra do INSS; como um restante de dinheiro que tinha”. Por fim, salientou que a Ré não sabia da obrigatoriedade de informar ao Cartório acerca do falecimento do pai, mencionando que somente providenciou a diligência tempos após, depois de ter sido informada da necessidade por uma enfermeira (ID 392419131).
Observa-se que, apesar da confissão dos Acusados, os depoimentos testemunhais são insuficientes a embasar a condenação. Afinal, o policial ouvido em Juízo sequer se recorda dos fatos e a outra testemunha limita-se a apontar relatos que tenham sido a ela repassados pela própria Apelante Cristiana. Assim, nada esclareceram acerca do dolo, de modo que os indícios apurados na fase inquisitiva não foram corroborados na via judicial.
Desse modo, afora tais relatos, o Ministério Público Federal não produziu, em Juízo, prova suficiente a possibilitar a sentença desfavorável aos Denunciados. Sequer consta dos autos vídeos comprovando que os Réus tenham, em agência(s) bancária(s), efetivamente, promovido as operações de que são acusados.
Dada a repercussão que uma sentença criminal tem sobre o sagrado direito à liberdade individual, o Direito Penal não admite condenação fundada em presunção. Meras conjecturas e ilações a respeito da autoria não autorizam a prolação de um decreto condenatório. Há de existir prova consistente, hábil a afastar a dúvida razoável e, no caso, essa prova não foi produzida.
O que se observa é que o MPF não se desincumbiu do ônus que lhe cabia de aprofundar as investigações, para ser capaz de produzir, em Juízo, prova cabal e contundente da autoria do delito, de modo a não restar dúvida razoável em favor da defesa.
Dada a insuficiência de prova da autoria, produzida sob o crivo do contraditório judicial, outra solução não há senão a absolvição dos Réus por ausência de prova suficiente para a condenação, com fulcro no artigo 386, VII, do CPP.
Noutro giro, ainda que se aceite a autoria da conduta, os Réus merecem ser absolvidos por falta de comprovação do dolo, elemento subjetivo essencial para a caracterização do crime de estelionato, como alhures mencionado.
Frise-se que os Acusados são pessoas simples, que, segundo suas versões, estavam economicamente necessitados à época e acreditavam que os valores lhes poderiam ser destinados, por tratar de “resíduos” do INSS. Aliado a isso, como a testemunha Sandra Dorotéia Ferreira declarou, a Apelada Cristiana Franco deixou de trabalhar fora para se dedicar aos cuidados do pai (ID 392419131).
Nessa guisa, o que se observa é que não há nos autos elementos suficientes para caracterizar o dolo dos Acusados, do que se deve concluir pela atipicidade da conduta e a absolvição de ambos, nos termos do artigo 386, inciso III, do CPP.
Ad argumentandum, ainda que demonstrados a autoria delitiva e o dolo, de rigor a aplicação, in casu, do princípio da insignificância.
Consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância deve ser analisado em correlação com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade da conduta, examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença dos seguintes vetores: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) ausência total de periculosidade social da ação; (iii) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada (conforme decidido nos autos do HC n. 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU 19/4/2004).
Na hipótese, a exordial acusatória narra um prejuízo ao INSS equivalente ao valor de R$ 3.889,40 (três mil oitocentos e oitenta e nove reais e quarenta centavos). Trata-se de pequena quantia e, portanto, de inexpressiva lesão aos cofres públicos.
Nesse contexto, é ínfimo o grau de reprovabilidade do comportamento e mínima a ofensividade da conduta dos agentes, bem como há ausência total de periculosidade social da ação.
Dessa forma, perfeitamente possível, no caso, a aplicação do princípio da insignificância e, portanto, o reconhecimento da atipicidade da conduta, a ensejar a absolvição dos Réus, nos termos do artigo 386, III, do CPP.
Sobreleva consignar, na hipótese, que se constitui ônus do poder público fazer o devido cruzamento de informações, por meio de seus sistemas de informática, de forma a evitar o pagamento de benefícios a quem não mais preenche os requisitos legais. Nessa senda, se houve pagamento indevido, deu-se em virtude dessa total ausência de controle por parte do poder público.
Assim, quer por falta de prova da autoria, quer por ausência de dolo ou, ainda, pela insignificância, os Réus devem ser absolvidos.
Ante o exposto, dá-se provimento à apelação defensiva, para reformar a sentença e absolver os Réus, nos termos do artigo 386, III ou VII, do CPP.
É como voto.
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417)0027183-13.2017.4.01.4000
Processo referência: 0027183-13.2017.4.01.4000
VOTO REVISOR
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO (Revisor):
Acompanho o voto do eminente Relator, que analisou criteriosamente o(s) recurso(s) de apelação.
É o voto revisor.

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0027183-13.2017.4.01.4000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0027183-13.2017.4.01.4000
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: FRANCILIO FERREIRA DOS SANTOS FIALHO e outros
POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
E M E N T A
PROCESSO PENAL. PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUES INDEVIDOS DE BENEFÍCIO DE SEGURADO FALECIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO USO DA CONFISSÃO COMO ÚNICO ELEMENTO DE PROVA DA AUTORIA. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS FRÁGEIS E INSUFICIENTES. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto por F. F. S. F. e C. F. F. S. em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Piauí, que julgou procedente a pretensão veiculada pela denúncia, condenando-os pela prática do crime tipificado pelo artigo 171, § 3°, do Código Penal, em continuidade delitiva (artigo 71 do CP), atribuindo-lhes pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e pena de multa de 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do último saque indevido. Presentes os requisitos do artigo 44 do CP, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação pecuniária, na importância de 2 (dois) salários-mínimos, e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
2. Em primeiro lugar, o caso é de atipicidade da conduta, a incidir o princípio da insignificância. Na hipótese, a exordial acusatória narra um prejuízo ao INSS equivalente ao valor de R$ 3.889,40 (três mil oitocentos e oitenta e nove reais e quarenta centavos). Trata-se de pequena quantia e, portanto, de inexpressiva lesão aos cofres públicos. O STJ, submeteu a questão alusiva à “possibilidade de extinção de ofício de execução fiscal por carência de ação (interesse de agir) quando o valor excutido não superar o valor de alçada previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002” ao sistema de julgamentos repetitivos (Tema 125), e firmou a seguinte tese: ”As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.” E isso desde 26.06.2009, data em que o acórdão transitou em julgado. Ademais, o Ministério da Fazenda editou a Portaria nº 75, de 22 de março de 2012, determinou em seu artigo 2º, o seguinte, literalmente: “Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. (Redação dada pelo(a) Portaria MF nº 130, de 19 de abril de 2012)”. Assim, do ponto de vista de um ordenamento jurídico analisado como sistema e como estrutura, é inaceitável que o Estado administração deixe de cobrar, porque irrisório, um débito tributário, que atende às necessidades coletivas, no valor de 20 mil reais, e o sistema de justiça penal condene alguém criminalmente em matéria estritamente econômica por valores bem abaixo disso, como visto acima.
3. Não fosse isso, o exame do acervo probatório revela que, no que diz respeito à autoria do delito, a prova produzida sob o contraditório judicial restringiu-se exclusivamente à confissão dos Réus e a depoimentos frágeis e insuficientes de testemunhas, sendo conceito bem assentado na jurisprudência e na doutrina que, no sistema jurídico pátrio, a confissão, por si, não basta para ensejar condenação de natureza penal, sendo útil apenas para ligar entre si outros elementos de prova, direta e indireta, desde que produzidos sob o crivo do contraditório judicial.
4. Afora a confissão dos Acusados, o MPF não produziu, em Juízo, prova suficiente a possibilitar a sentença desfavorável aos Denunciados. Sequer consta dos autos vídeos comprovando que os Réus tenham, em agência(s) bancária(s), efetivamente, promovido as operações de que são acusados.
5. Dada a repercussão que uma sentença criminal tem sobre o sagrado direito à liberdade individual, o Direito Penal não admite condenação fundada em presunção. Meras conjecturas e ilações a respeito da autoria não autorizam a prolação de um decreto condenatório. Há de existir prova consistente, hábil a afastar a dúvida razoável e, no caso, essa prova não foi produzida.
6. Noutro giro, ainda que se aceite a autoria da conduta, os Réus merecem ser absolvidos por falta de comprovação do dolo, elemento subjetivo essencial para a caracterização do crime de estelionato.
7. Ad argumentandum, mesmo que demonstrados a autoria delitiva e o dolo, de rigor a aplicação, in casu, do princípio da insignificância. Na hipótese, a exordial acusatória narra um prejuízo ao INSS equivalente ao valor de R$ 3.889,40 (três mil oitocentos e oitenta e nove reais e quarenta centavos). Trata-se de pequena quantia e, portanto, de inexpressiva lesão aos cofres públicos.
8. Apelação provida, para absolver os Réus, seja pela insuficiência de provas para a condenação, seja pela ausência do dolo ou, ainda, pela incidência do princípio da insignificância, nos termos do artigo 386, III ou VII, do CPP.
A C Ó R D Ã O
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
