
POLO ATIVO: IVANILDE CHAGAS DA SILVA
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria)
RELATOR(A):WILSON ALVES DE SOUZA

Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA OLÍVIA MÉRLIN SILVA (RELATORA)
Trata-se de recurso de apelação interposto por Ivanilde Chagas da Silva em face da sentença que julgou procedente a pretensão punitiva para condená-la às penas de 2 (dois) anos, 9 (nove) e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa, em razão da prática do crime tipificado pelo artigo 171, § 3°, c/c artigo 71, ambos do Código Penal, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, nas modalidades limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade.
Nas razões recursais, a Defesa sustenta que não há nos autos prova da autoria delitiva, aduzindo que a declaração prestada pela acusada extrajudicialmente não foi confirmada em Juízo, sendo possível que sua confissão não tenha ocorrido de forma voluntária. Ademais, não há outro indício que aponte para a sua participação na realização dos saques do benefício previdenciário, sendo insuficiente o argumento de que o cartão magnético estava em sua posse.
Subsidiariamente, na hipótese de manutenção da condenação, argumenta a ocorrência de equívoco na dosimetria da pena, pois considerada como desfavorável a culpabilidade em razão da quantidade de saques realizados, circunstância esta que deve ser considerada apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva, sob pena de incorrer em bis in idem. Ademais, requer a aplicação da atenuante da confissão espontânea e diminuição da pena-base ainda que fixada no mínimo legal.
Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal.
A PRR-1ª Região manifestou-se pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
Ao Revisor.
Juíza Federal Convocada OLÍVIA MÉRLIN SILVA
Relatora

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
V O T O
Como relatado, a Ré Ivanilde Chagas da Silva interpôs recurso de apelação em detrimento de sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Amapá, que julgou procedente o pedido constante da denúncia, diante do reconhecimento da prática do delito tipificado pelo artigo 171, § 3º, c/c artigo 71, ambos do Código Penal, impondo-lhe as penas de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa, convertendo a pena privativa de liberdade em duas restritivas de direitos, nas modalidades limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade.
Em suas razões, a Apelante assevera a inexistência de prova da autoria delitiva, pelo que deve ser absolvida. De forma subsidiária, requer a redução da pena, assinalando a ocorrência de bis in idem na sentença, porquanto valorada negativamente, na primeira fase da dosimetria da pena, a culpabilidade, sendo utilizadas as mesmas razões para o reconhecimento da continuidade delitiva. Além disso, postula pela aplicação da atenuante da confissão espontânea, reduzindo-se a pena-base aquém do mínimo legal.
Consoante declinado, a situação trazida a este grau recursal decorre de sentença proferida em primeira instância, na qual foi julgada procedente a pretensão punitiva estatal, condenando a Apelante Ivanilde Chagas da Silva pela prática de estelionato majorado.
O estelionato, em sua forma aumentada, está descrito no artigo 171, § 3º, do Código Penal, o qual contém a seguinte redação:
CP, Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Denota-se do normativo que o delito de estelionato exige quatro requisitos essenciais para sua caracterização: 1) obtenção de vantagem ilícita; 2) causar prejuízo a outra pessoa; 3) uso de ardil ou artimanha; e 4) enganar alguém ou a levá-lo a erro.
A ausência de um desses quatro elementos, seja qual for, impede a caracterização do estelionato.
Além disso, o crime admite apenas a forma dolosa, ou seja, só se realiza quando há real intenção de lesar, não havendo previsão da modalidade culposa.
O estelionato pode ser classificado como crime simples e de dano quanto à objetividade jurídica; comum e monossubjetivo quanto ao sujeito ativo; material e instantâneo quanto ao momento consumativo; e doloso quanto ao seu elemento subjetivo.
Sem razão a Recorrente Ivanilde ao sustentar a inexistência de prova, em seu desfavor, da prática do crime que lhe fora imputado na prefacial acusatória. Aliás, as provas colhidas durante a instrução processual demonstram cabalmente a prática do estelionato previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal e não deixam margem a dúvidas de que a Ré, de forma livre e consciente, sacou dolosamente, pelo período de 28/2/2011 a 29/5/2012, benefícios de seu genitor, após o óbito deste, ocorrido em 22/2/2021.
A materialidade está devidamente demonstrada pela documentação jungida aos autos, sobretudo o dossiê de apuração de irregularidades do INSS (Id 212828644, páginas 13-30; e Id 212828645, páginas 1-4) e o cálculo de atualização monetária de valores recebidos indevidamente (Id 212828644, pág. 30).
No tocante à autoria, esta é indene de dúvidas, observados os elementos de prova colhidos no decorrer das investigações, reforçados pela prova oral colhida em Juízo.
Ademais, a materialidade, a autoria e o dolo foram objeto de análise pelo Juízo sentenciante, nos seguintes termos:
A materialidade e autoria delitivas estão devidamente comprovadas nos autos pelas provas documentais e orais produzidas na fase investigatória e durante a instrução processual.
As investigações tiveram início com o Ofício 52/INSS/GAB/GEXMCP/AP-25.001, no qual o INSS informa à Polícia Federal a ocorrência de saques indevidos do benefício E/NB 12/098.801.564-1, no valor corrigido de R$ 8.027,34 (oito mil e vinte e sete reais e trinta e quatro centavos), referente ao Amparo Previdenciário por Idade-Trabalhador Rural, tendo como titular MANOEL BELO DAS CHAGAS, falecido em 22/2/2011, cujos saques indevidos ocorreram após a sua morte (22/2/2011 a 31/5/2012, fls. 2/23).
(...)
No decorrer das investigações, descobriu-se de Roseane, neta do beneficiário, que Elenice era a pessoa responsável pelos saques do benefício de seu pai, quando este ainda era vivo. (...)
Em depoimento prestado na Polícia, ELENICE informou que a ré (IVANILDE CHAGAS DA SILVA, sua irmã) era quem estava com todos os documentos do seu pai após o seu falecimento, inclusive com o cartão do INSS (fl. 139). A ré, por sua vez, inicialmente negou o cometimento dos crimes, mas logo em seguida os confessou. (...)
Assim, restam provadas a materialidade e autoria delitivas.
O dolo da ré está satisfatoriamente comprovado.
Como elemento subjetivo do tipo penal, compreende a vontade livre e consciente de induzir ou manter alguém em erro, a fim de obter indevida vantagem, para si ou para outrem. O dolo deve abranger não só o ato de indução ou manutenção da vítima ao equívoco, como também o meio fraudulento empregado, a vantagem ilícita a ser obtida e o prejuízo alheio.
Para o presente caso, conjugando o interrogatório da ré com o depoimento de ROSEANE e de ELENICE, é possível depreender com certeza que a ré tinha pleno conhecimento de que o benefício pertencia ao seu pai e era decorrente de sua aposentadoria e que, em caso de falecimento, o benefício deveria ter sido cancelado com a simples informação ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS do fato, qual seja: o falecimento.
Entretanto, a ré conseguiu alterar a senha e passou a realizar os saques do referido benefício após o óbito do titular. Tal conduta demonstra que a ré obteve êxito em auferir vantagem indevida, mediante meio fraudulento, em prejuízo alheio, conduta que se enquadra no delito do art. 171, § 3º, CP.
Observa-se que o acervo probatório é inequívoco em demonstrar que a Apelante manteve o INSS em erro, em virtude de continuar recebendo o benefício previdenciário do pai, mesmo após o falecimento deste, e, ainda, ter providenciado a renovação da senha, dando sequência aos saques, o que ensejou um prejuízo de R$ 8.027,34 (oito mil e vinte e sete reais e trinta e quatro centavos) em desfavor da autarquia federal.
Consta do Relatório Conclusivo apresentado pelo INSS:
(...) o benefício Amparo Previdenciário Idade-Trab. Rural nº 12/098.801.564-1, em nome de Manoel Belo das Chagas, foi recebido irregularmente após o óbito do titular.
O recebimento indevido ocorreu por meio de Cartão Magnético, após o óbito do beneficiário, no período de 22/02/2011 a 31/05/2012, no montante de R$ 9.161,58 (nove mil cento e sessenta e um reais e cinquenta e oito centavos), conforme discriminativo de valores (...), cuja renda mensal na data da suspensão do pagamento era de R$ 622,00, não sendo identificado o recebedor para o período de 22/02/2011 a 31/05/2012, contudo houve renovação de senha pelo Agente Pagador: 001- Banco do Brasil, Agência 493'861, após o óbito do titular do benefício, em 13/06/2011, que será responsável pelo débito no período de 13/06/2011 a 31/05/2012 no valor de R$ 8.027,34 (oito mil, vinte e sete reais e trinta e quatro centavos). (...) (sic) (páginas 36-37 da rolagem única)
Elenice Chagas da Trindade, irmã da Ré, foi ouvida em ambas as fases da persecutio criminis. Na via investigativa, a testemunha afirmou que “IVANILDE CHAGAS DA SILVA era quem estava com todos os documento do pai da Declarante, inclusive com o cartão do INSS” (sic), acrescentando que “IVANILDE disse que não conseguiu sacar o benefício após o falecimento do pai da Declarante, embora tenha afirmado ter tentado, tendo alegado que a senha estava inválida” (pág. 169 da rolagem única).
Em Juízo, manteve o seu relato firme e consistente, assim consignando:
(...) ele era aposentado, recebia benefício; (Quem que ficou de sacar pra ele?) (...) quando ele ficava na casa das filhas, era nós que recebia pra ele; mas, na verdade, quando meu pai morreu, o documento não tava na minha mão; (...) a minha irmã que mora aqui em Macapá, ela ficou com o documento do meu pai; (Quem é essa sua irmã?) É a Ivanilde Chagas da Silva; (...) foi ela que ficou com o documento; aí depois que ele morreu, eu não recebi nenhum mês mais; ela que tava com o documento dele, em Macapá; ela mora aqui; (...) ela ficou com o documento do meu pai; na verdade, eu perguntei pra ela se ela ficou recebendo o dinheiro dele, ela disse que não; ela tentou receber; ele morreu no dia 22/2; quando foi dia 28 ela foi e meteu o cartão, a senha tava inválida; (...) eu tava pensando que ela não tinha recebido nada, porque ela falou pra mim que não; (...) ela ficou com os documentos do meu pai, todos, a identidade, o CPF, o cartão e a senha; tudo com ela; (...) Ivanilde Chagas da Silva; (...) (sic) (Depoimento prestado pela testemunha Elenice Chagas da Trindade em Juízo – Id 212832017)
A Apelante Ivanilde Chagas da Silva admitiu à Autoridade Policial a realização de saques dos valores relativos à aposentadoria do seu genitor já falecido. Além disso, confessou ter providenciado a renovação da senha do cartão magnético no Banco do Brasil. Na ocasião, assim registrou:
(...) a declarante confessa que foi ela quem fez os saques do benefício previdenciário do seu pai, MANOEL BELO; QUE foi a declarante quem fez a renovação da senha do Banco do Brasil, na agência em frente à Fortaleza de São José, perto do canal (...) (sic) (páginas 193-194 da rolagem única) (destaques na origem)
Vislumbra-se, pois, que o teor da confissão extrajudicial da Ré está corroborado pelo depoimento da testemunha Elenice Chagas da Trindade, a qual informou, inclusive em Juízo, conforme declinado, que o cartão magnético utilizado para os saques na conta que pertencia ao seu falecido pai estava na posse de Ivanilde.
Em que pese tenha a defesa assinalado, nas razões de apelação, que a “confissão pode não ter ocorrido de forma voluntária” (pág. 289 da rolagem única), não há prova desta afirmação, a qual sequer foi sustentada em outra oportunidade nestes autos, estando completamente isolada dos elementos probatórios amealhados.
Aliás, a Ré não compareceu em Juízo para a audiência de instrução e julgamento. E, como destacado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer recursal, “Ainda que a confissão extrajudicial fosse retratada em Juízo, poderia ser considerada como prova para a condenação se, examinada em conjunto com as demais provas constantes nos autos, fosse com elas consentânea” (sic) (pág. 314 da rolagem única).
Destaca-se que a ausência de confirmação da confissão na via judicial não implica insuficiência probatória, uma vez que ficou demonstrado que o teor da confissão está amparado em outras provas produzidas, dentre as quais os depoimentos, em ambas as fases da persecução criminal, da testemunha Elenice Chagas da Trindade e a documentação colacionada, especialmente o apontado Relatório Conclusivo do INSS, o qual fora submetido ao contraditório diferido. Não há, portanto, falar em condenação com base em elementos colhidos somente durante as investigações.
Por conseguinte, inexistem reparos a ser providenciados no entendimento alcançado pelo Juízo primevo, no que diz respeito à materialidade, à autoria delitiva e ao dolo, não merecendo prosperar as teses apresentadas pela defesa, sendo imperiosa a manutenção do decreto condenatório desfavorável à Ré.
Da dosimetria da pena:
A Apelante pretende, de modo subsidiário, a reforma da sentença em relação à dosimetria, a fim de que seja reconhecida a culpabilidade favorável e reduzida a pena-base para o mínimo legal, bem como seja aplicada a redução da pena em face da atenuante da confissão espontânea.
Volvendo, então, a atenção para a dosimetria da pena, veja-se o disposto na vergastada sentença:
Na primeira fase, a culpabilidade se mostrou acentuada, tendo em vista a ocorrência de um total de catorze delitos, sendo que sete deles serão utilizados para a caracterização da continuidade delitiva, e os demais se traduzem em elevado grau de reprovabilidade da conduta da ré. Não há registro de antecedentes criminais. Inexistem nos autos elementos que permitam fazer uma avaliação negativa de sua personalidade. A conduta social presumivelmente boa, ante a ausência de demonstração em contrário. Os motivos e as circunstâncias foram normais para o delito em causa. As consequências do crime são consideradas normais à espécie. No tocante ao comportamento da vítima, constato que ela não contribuiu para a prática do delito.
Com base nessas circunstâncias, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, além de 53 (cinquenta e três) dias-multa.
Reconheço a circunstância atenuante relativa à confissão (art. 65, III, “d”, do CP), razão pela qual atenuo a pena no patamar de 1/6 (um sexto), o que representa 3 (três) meses de reclusão e 9 (nove) dias-multa. Não há circunstância agravante. Assim, fixo a pena intermediária em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, e em 44 (quarenta e quatro) dias-multa.
Na terceira fase da fixação da pena, não há causas de diminuição. Entretanto, deve ser aplicada a causa de aumento de pena prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal, posto que o crime foi cometido em detrimento de entidade de direito público de assistência social, pelo que aumento a pena no patamar legal de 1/3 (um terço), correspondente a 5 (cinco) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Assim, a pena atinge o patamar de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, além de 58 (cinquenta e oito) dias-multa, para cada um dos delitos.
Em reconhecimento ao crime continuado, nos termos da fundamentação, aplico a pena de um só dos crimes, aumentada na fração de 2/3 (dois terços), o que corresponde a 1 (um) ano, 1 (um) mês de 10 (dez) dias de reclusão e 38 (trinta e oito) dias-multa.
Portanto, fica a ré condenada à pena de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de 96 (noventa e seis ) dias-multa, observada a inaplicabilidade do art. 72, CP, aos crimes continuados (“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 72 DO CÓDIGO PENAL - CP. REGRA APLICADA ÀS HIPÓTESES DE CONCURSO FORMAL OU MATERIAL, NÃO INCIDINDO AOS CASOS EM QUE HÁ CONTINUIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NO CASO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme jurisprudência desta Corte, a regra do art. 72 do Código Penal - CP é aplicada às hipóteses de concurso formal ou material, não incidindo o referido dispositivo aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. AgRg no REsp 1843797 /SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020”). (Págs. 275/276 da rolagem única)
Como se verifica, a sentença fixou a pena-base em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa, tendo em conta a existência de 1 (um) vetor negativo, a saber: culpabilidade.
A defesa requer a redução da pena-base para o mínimo legal. Quanto ao ponto, assiste razão.
No exame da culpabilidade deve ser avaliada a maior ou menor reprovabilidade da conduta do agente, conforme o grau de consciência que detinha, a intensidade do dolo com que agiu e o quanto lhe era possível atuar diversamente. Com efeito, para fins de individualização da pena “a moduladora culpabilidade diz respeito ao juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, ao maior ou menor grau de censura do comportamento do acusado, não se confundindo com a verificação da ocorrência dos elementos para que se possa concluir pela prática ou não de delito” (AgRg no AREsp 1971840/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021).
Neste sentido, não foi certeira a sentença ao valorar negativamente a circunstância culpabilidade, sob o fundamento de que esta se mostrou acentuada, diante da ocorrência de um total de quatorze delitos, utilizando sete deles para a caracterização da continuidade delitiva e, os demais, como elevado grau de reprovabilidade da conduta da Ré.
Afinal, não há falar em julgamento negativo da culpabilidade com base na quantidade de crimes se a sucessão de delitos será considerada em virtude do reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do CP), ocorrendo, in casu, flagrante e inaceitável bis in idem, assim como observado pelo próprio Ministério Público Federal. Assim, merece reforma o julgado.
Ademais, em todo o caso o período de recebimento do benefício indevido não é expressivo a autorizar a negativação do vetor.
Por outro lado, a Apelante sustenta a necessidade de valoração da atenuante da confissão espontânea, reconhecida pelo Juízo primevo. Ocorre, porém, que, com a fixação da pena-base no mínimo legal, ainda que reconhecida a indigitada atenuante, não se admite a redução da pena abaixo do mínimo legal.
Este é o entendimento esboçado no Enunciado de Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
Registre-se, ainda, que a matéria foi reapreciada pelo STJ no julgamento do REsp 1.869.764, em 14/08/2024, oportunidade em que reafirmou o entendimento no sentido de que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal por entender que a “interpretação no sentido da viabilidade de desbordamento do parâmetro mínimo denotaria a possibilidade de proteção insuficiente dos bens penalmente tutelados. Isso porque, a pretexto de garantir um direito ou impedir um excesso, o entendimento poderia resultar, por via transversa, uma insuficiência da resposta estatal para tutela de bens jurídicos” (informativo 823, STJ).
Dessa feita, não merece acolhida a pretensão recursal defensiva para que seja aplicada a atenuante da confissão prevista no artigo 65, III, “d”, do Código Penal, em razão do previsto na referida disposição sumular.
Do redimensionamento da pena:
Em virtude da neutralização, nesta oportunidade, da circunstância judicial culpabilidade, porquanto reconhecida sua indevida negativação, como acima exposto, de rigor o redimensionamento da pena.
Assim, inexistindo vetores negativos na primeira fase da dosimetria da pena, fixa-se a pena-base em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Na segunda fase, ausentes agravantes. Presente, porém, a atenuante da confissão espontânea (artigo 65, III, “d”, do CP), a qual, contudo, não será aplicada, porquanto a pena intermediária não pode ser fixada aquém do mínimo legal (Enunciado de súmula n. 231 do STJ). Sendo assim, mantém-se a pena intermediária em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Na terceira fase, presente a causa de aumento de pena prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, haja vista que o crime foi cometido em detrimento de entidade de direito público de assistência social, razão por que majora-se a pena no patamar de 1/3 (um terço). Ausentes minorantes. Assim, fixa-se a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação cumulativa da causa de aumento de pena do art. 171, § 3° do Código Penal com aquela decorrente da continuidade delitiva, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. DOSIMETRIA DA PENA. AUMENTO DA PENA-BASE NA FRAÇÃO DE 1/3. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO PREJUÍZO FINANCEIRO. APLICAÇÃO CUMULATIVA. CONTINUIDADE DELITIVA E CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 171, § 3º, DO CP. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. "Embora o prejuízo financeiro seja decorrência comum dos crimes contra o patrimônio, sua análise pode ser considerada quando extrapolar a normalidade" (AgRg no HC n. 558.538/DF, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/4/2021, DJe 13/4/2021.)
2. Caso concreto em que o prejuízo de aproximadamente R$ 446.857,46 (quatrocentos e quarenta e seis mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e quarenta e seis centavos), ao INSS, pode ser considerado expressivo a ponto de justificar a exacerbação da pena-base na fração de 1/3 a título de consequências do crime.
3. O art. 68, parágrafo único, do CP dispõe que, "no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua". Desse modo, na hipótese em que há concomitantemente a incidência de causa de aumento ou de diminuição prevista na parte geral e na parte especial, a incidência de ambas é obrigatória.
4. "O art. 68, parágrafo único, do CP, não impede de todo a aplicação cumulativa de causas de aumento de pena. É razoável a interpretação da lei no sentido de que eventual afastamento da dupla cumulação deverá ser feito apenas no caso de sobreposição do campo de aplicação ou excessividade do resultado" (Trecho do voto condutor do acórdão do ARE 896843 AgR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 8/9/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 PUBLIC 23/9/2015)" (HC n. 527.704/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 25/11/2019.)
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 2.262.813/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024.)
Da continuidade delitiva
No ponto, relembre-se que o “Superior Tribunal de Justiça entende que o delito de estelionato praticado contra o INSS, na circunstância de saques realizados por terceiros de valores relativos a benefícios de titulares falecidos, é crime permanente que se consuma a cada saque indevido do benefício e caracteriza a continuidade delitiva” (AgRg no REsp n. 2.025.605/RN, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023.)
Neste sentido, considerando que a Ré praticou 14 (quatorze) crimes da mesma espécie, com condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, os subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro, conforme preceitua o artigo 71 do CP.
Assim como reconhecido pelo Juízo a quo, em reconhecimento à continuidade delitiva, aplica-se a pena de um só dos crimes, aumentada da fração de 2/3 (dois terços), dada a quantidade de delitos, o que corresponde a 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 8 (oito) dias-multa.
Assim, fixa-se a pena definitiva da Ré em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um dias-multa).
No tocante ao valor unitário do dia-multa, não sendo estabelecido pelo Juízo a quo, em favor da Ré e por inexistirem nos autos provas de sua capacidade financeira, fixa-se no mínimo legal, qual seja, 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos.
Diante do quantum de pena e da inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, mantém-se o regime aberto para o início do cumprimento da reprimenda, nos termos do artigo 33, § 2º, “c”, e § 3º, do CP. Deixa-se de aplicar o artigo 387, § 2º, do CPP, uma vez que fixado o regime inicial mais benéfico possível.
Por estarem presentes os requisitos do artigo 44 do CP, imperiosa a manutenção da substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nas modalidades de limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade, nos termos estabelecidos pelo Juízo primevo.
Conclusão:
Ante o exposto, dá-se parcial provimento à apelação da Ré, para reduzir a pena de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa para 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um dias-multa), fixando o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
Fica mantida a sentença quanto aos demais pontos.
É como voto.
Juíza Federal Convocada OLÍVIA MÉRLIN SILVA
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0003355-35.2018.4.01.3100
Processo Referência: 0003355-35.2018.4.01.3100
VOTO REVISOR
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES(REVISOR):
O relatório já encaminhado, nos termos do art. 613, I, do CPP, bem delineia o caso dos autos, que versa sobre apelação interposta por Ivanilde Chagas da Silva em face da sentença (ID 212828682), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condená-la pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa.
Narra a denúncia (ID 212828644, p. 2/3) que, entre 28/02/2011 e 29/05/2012, a denunciada, de forma consciente e voluntária, em continuidade delitiva, obteve para si vantagem indevida, em detrimento do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, consistente no recebimento de 14 parcelas do benefício de Renda Mensal Vitalícia por Idade do Trabalhador Rural, cujo beneficiário era Manoel Belo das Chagas, pai da denunciada, o qual faleceu no dia 22/02/2011.
A denúncia foi recebida em 07/05/2018 (ID 212828660, p. 24/26) e a sentença condenatória foi publicada em 18/02/2021 (ID 212828686).
Em suas razões recursais, a defesa pugna pela absolvição da acusada, sob a alegação de que a única prova é uma confissão extrajudicial não ratificada, cuja voluntariedade é questionável. Aduz que a mera posse do cartão magnético, sem outras evidências, é insuficiente para a condenação. Subsidiariamente, requer a reforma da dosimetria da pena, a fim de que seja reconhecida a culpabilidade favorável da apelante e reduzida a pena-base para o mínimo legal, bem como que seja aplicada a redução da pena em face da atenuante da confissão (ID 212828703).
Contrarrazões apresentadas (ID 212828708).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento parcial da apelação interposta para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, afastando a atenuante da confissão, mantendo-se a majoração de 2/3 pela continuidade delitiva (ID 213750556).
Sucinto relatório. Voto.
Materialidade e autoria
A materialidade e a autoria do delito ficaram comprovadas pelo Ofício 52/INSS/GAB/GEXMCP/AP-25.001 (ID 212828644, p. 13); Relatório do INSS (ID 212828644, p. 30 e ID 212828645, p. 1/4), assim como pelos depoimentos em sede inquisitorial, notadamente a confissão da ré (ID 212828646, p. 26/27, ID 212828654, p. 16, ID 212828660, p. 10/11) e depoimento da testemunha em juízo (ID 212832017).
No Ofício 52/INSS/GAB/GEXMCP/AP-25.001, o INSS informa à Polícia Federal a ocorrência de saques indevidos do benefício E/NB 12/098.801.564-1, no valor corrigido de R$ 8.027,34 (oito mil e vinte e sete reais e trinta e quatro centavos), referente ao Amparo Previdenciário por Idade-Trabalhador Rural, tendo como titular Manoel Belo das Chagas, falecido em 22/2/2011, cujos saques indevidos ocorreram após a sua morte (22/2/2011 a 31/5/2012).
A ré confessou o delito em sede inquisitorial e não compareceu em sede judicial para infirmar seu depoimento. Além disso, o teor da confissão da acusada foi corroborado pela declaração de Elenice Chagas da Trindade, que disse que quem tinha a posse do cartão magnético era a ré (ID 212828654, p. 16).
Como bem posto pelo juízo, “conjugando o interrogatório da ré com o depoimento de ROSEANE e de ELENICE, é possível depreender com certeza que a ré tinha pleno conhecimento de que o benefício pertencia ao seu pai e era decorrente de sua aposentadoria e que, em caso de falecimento, o benefício deveria ter sido cancelado com a simples informação ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS do fato, qual seja: o falecimento”.
Assim, deve ser mantida a condenação da ré.
Dosimetria
O juízo a quo fixou a pena-base da ré em 01 (um) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa ante a consideração de que a culpabilidade seria acentuada, pois efetuou 14 saques irregulares. Reconheceu a atenuante da confissão e fixou a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão e 44 (quarenta e quatro) dias-multa. Aplicou a causa de aumento prevista no § 3º do art. 171 do Código
Penal no patamar legal de 1/3 (um terço), fixando a pena 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 58 (cinquenta e oito) dias-multa, para cada um dos delitos.
Ante o reconhecimento do crime continuado aplicou a pena de um só dos crimes, aumentada na fração de 2/3 (dois terços), resultando em 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis ) dias-multa.
No caso, merece reforma a dosimetria para excluir a majoração relativa à culpabilidade da ré, pois a quantidade de saques efetuada foi utilizada para aplicação da continuidade delitiva. Assim, fixa-se a pena-base em 01(um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Na segunda fase, ausentes agravantes. Presente a atenuante da confissão espontânea (artigo 65, III, “d”, do CP), a qual, contudo, não será aplicada, porquanto a pena intermediária não pode ser fixada aquém do mínimo legal (Enunciado de súmula n. 231 do STJ). Sendo assim, mantém-se a pena intermediária em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Na terceira fase, presente a causa de aumento de pena prevista no § 3º do artigo 171 do CP majora-se a pena em 1/3 (um terço). Ausentes causas de diminuição. Assim, fixa-se a pena em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Por fim, considerando que a ré praticou 14 (quatorze) crimes da mesma espécie, aplica-se a pena de um só dos crimes, aumentada da fração de 2/3 (dois terços), resultado na pena definitiva de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de
reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.
O regime é o aberto.
Mantém-se a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nas modalidades de limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade.
Dispositivo
Ante o exposto, o voto é no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação para, mantendo a condenação da ré pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, reduzir sua pena de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa para 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.
É o voto.
Desembargador Federal NÉVITON GUEDES
Revisor

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 07 - DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0003355-35.2018.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003355-35.2018.4.01.3100
CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
POLO ATIVO: IVANILDE CHAGAS DA SILVA
POLO PASSIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
E M E N T A
PROCESSO PENAL. PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NEUTRALIZAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA CULPABILIDADE NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE. IDÊNTICO FUNDAMENTO PARA APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECONHECIMENTO. REDUÇÃO DA PENA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela Ré I.C.S. em face da sentença que julgou procedente a pretensão punitiva para condená-la às penas de 2 (dois) anos, 9 (nove) e 10 (dez) dias de reclusão e 96 (noventa e seis) dias-multa, em razão da prática do crime tipificado pelo artigo 171, § 3°, c/c artigo 71, ambos do Código Penal, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, nas modalidades limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade.
2. Nas razões recursais, a defesa sustenta que não há nos autos prova da autoria delitiva. Subsidiariamente, argumenta a ocorrência de equívoco na dosimetria da pena e, ainda, requer a aplicação da atenuante da confissão espontânea e diminuição da pena-base ainda que fixada no mínimo legal.
3. Materialidade e autoria comprovadas. As provas colhidas durante a instrução processual demonstram cabalmente a prática do estelionato previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal e não deixam margem a dúvidas de que a Ré, de forma livre e consciente, sacou dolosamente, pelo período de 28/2/2011 a 29/5/2012, benefícios de seu genitor, após o óbito deste, ocorrido em 22/2/2021.
4. O acervo probatório é inequívoco em demonstrar que a Apelante manteve o INSS em erro, em virtude de continuar recebendo o benefício previdenciário do pai, mesmo após o falecimento deste, e, ainda, ter providenciado a renovação da senha, dando sequência aos saques, o que ensejou um prejuízo de R$ 8.027,34 (oito mil e vinte e sete reais e trinta e quatro centavos) em desfavor da autarquia federal.
5. O teor da confissão extrajudicial da Denunciada está corroborado pela prova testemunhal, assim como pelos documentos acostados ao feito. Em que pese tenha a defesa assinalado, nas razões de apelação, que a “confissão pode não ter ocorrido de forma voluntária”, não há prova desta afirmação, a qual sequer foi sustentada em outra oportunidade nestes autos, estando completamente isolada dos elementos probatórios amealhados.
6. No exame da culpabilidade deve ser avaliada a maior ou menor reprovabilidade da conduta do agente, conforme o grau de consciência que detinha, a intensidade do dolo com que agiu e o quanto lhe era possível atuar diversamente. Neste sentido, não foi certeira a sentença ao valorar negativamente a circunstância culpabilidade, sob o fundamento de que esta se mostrou acentuada, diante da ocorrência de um total de quatorze delitos, utilizando sete deles para a caracterização da continuidade delitiva e, os demais, como elevado grau de reprovabilidade da conduta da Ré. Afinal, não há falar em julgamento negativo da culpabilidade com base na quantidade de crimes se a sucessão de delitos será considerada em virtude do reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do CP), ocorrendo flagrante e inaceitável bis in idem.
7. Com a fixação da pena-base no mínimo legal, ainda que reconhecida a atenuante da confissão espontânea, não se admite a redução da pena abaixo do mínimo legal (Enunciado de Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça).
8. O Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação cumulativa da causa de aumento de pena do art. 171, § 3° do Código Penal com a continuidade delitiva. Precedente.
9. O “Superior Tribunal de Justiça entende que o delito de estelionato praticado contra o INSS, na circunstância de saques realizados por terceiros de valores relativos a benefícios de titulares falecidos, é crime permanente que se consuma a cada saque indevido do benefício e caracteriza a continuidade delitiva” (AgRg no REsp n. 2.025.605/RN, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023.)
10. Apelação parcialmente provida, para reduzir a pena para 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um dias-multa), fixando o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
A C Ó R D Ã O
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação, nos termos do voto da Relatora.
