
POLO ATIVO: LUARA REGINA DE CASTRO CARVALHO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ADVARCI GUERREIRO DE PAULA ROSA - RO7927 e KARINE DE PAULA RODRIGUES - RO3140-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011144-22.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: LUARA REGINA DE CASTRO CARVALHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada-BPC, fundamentando-se na ausência de deficiência.
Em suas razões recursais, pugna pela reforma da sentença para que o benefício seja restabelecido, com a declaração da inexistência dos débitos, ao argumento de fazer jus ao benefício pleiteado, por ser pessoa com deficiência e viver em situação de vulnerabilidade social. Além disso, requer a condenação do INSS ao pagamento de danos morais, por ter realizado a suspensão do benefício assistencial em 01/11/2021, de forma indevida.
Não foram apresentadas as contrarrazões.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011144-22.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: LUARA REGINA DE CASTRO CARVALHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada-BPC, fundamentando-se na ausência de deficiência.
Em suas razões recursais, pugna pela reforma da sentença para que o benefício seja restabelecido, com a declaração da inexistência dos débitos, ao argumento de fazer jus ao benefício pleiteado, por ser pessoa com deficiência e viver em situação de vulnerabilidade social. Além disso, requer a condenação do INSS ao pagamento de danos morais, por ter realizado a suspensão do benefício assistencial em 01/11/2021, de forma indevida.
Nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização".
Nesse sentido também é o entendimento do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
Salvo disposição em contrário, o benefício da LOAS não pode ser cumulado com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime (art. 20 § 4°).
A renda familiar mensal per capita deve ser igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (art. 20 § 3º).
Ademais, nos termos do art. 20 § 6º, da referida lei, a concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
A parte autora alega que restou comprovada a sua deficiência, argumento que não merece prosperar.
Com efeito, o médico perito na perícia realizada em 19/07/2023 (id. 420112397 - Pág. 126/130) atestou que a parte autora apresenta “R48 Dislexia e outras disfunções simbólicas, não classificadas em outra parte”, sendo considerado um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta habilidades básicas de aprendizagem, sem que haja prejuízo sensorial, motor ou neurológico.
Extrai-se do laudo que não há cura para a doença, no entanto, existem tratamentos para uma melhor qualidade de vida e estratégias de aprendizagem.
Ademais, informa, que a condição da parte autora não gera barreiras para a sua introdução ao mercado de trabalho, porém, dificulta a inserção em algumas funções que demandem cálculos, mesmo que simples. Apresenta discalculia que é caracterizada por dificuldade com cálculos (soma, subtração, contar notas em dinheiro). Portanto, necessita de estímulo e tratamento cíclico.
O expert, conclui o que se segue: “De acordo com a perícia realizada, pericianda não apresenta incapacidade laborativa total, existem funções que a mesma está apta e conseguirá realizar sem dificuldades, podendo assim ser introduzida ao mercado de trabalho. É possível ter uma boa qualidade de vida se o tratamento adequado for instituído, incluindo acompanhamento psicopedagógico associado a neuropsicoterapia criando estratégias para superar as dificuldades que o distúrbio produz. Concluo o trabalho a que fui designada, tendo o mesmo sido elaborado dentro dos preceitos éticos, técnicos e legais e trazemos assim elementos aos autos para serem submetidos à apreciação e serem auxiliares no convencimento do Juízo.”
Desse modo, entendo que à época do exame, a parte autora não foi considerada pessoa com deficiência, requisito legal para a concessão do benefício assistencial (art. 203 da CF/88 e art. 20, Lei 8.742/93), ficando prejudicado o exame da avaliação social.
Da inexigibilidade dos valores recebidos
Acerca da alegada irregularidade na concessão do benefício à parte autora, o INSS expediu ofício (id. 420112397 - Pág. 215/2016) informando sobre a cobrança dos valores ao erário, correspondente aos períodos de pagamentos irregulares, em razão da superação da renda mínima permitida para manutenção do benefício e ausência de atualização dos dados no CADÚNICO, totalizando o valor de R$ 21.136,69
O Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido. Em virtude da modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão (23/04/2021) estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário.
No caso dos autos, cuida-se de ação ajuizada após da publicação do Tema 979/STJ (2023), o que cabe à análise acerca da boa-fé ou má-fé da parte autora.
Verifica-se dos autos que o recebimento dos valores teve como causa a inércia da própria Autarquia, haja vista que já possuía, à época, os meios para verificar se a parte autora ainda fazia jus ao benefício. Ressalte-se que é a obrigação do INSS revisar periodicamente à concessão dos benefícios, nos termos do art. 11 da Lei n. 10.666/2003.
Demais disso, ficou evidenciado pelo estudo social (id. 420112397 - Pág. 34/38) que o grupo familiar da parte autora encontra-se em situação de vulnerabilidade social, não havendo no que se falar em recebimento indevido do benefício ou enriquecimento ilícito. Denota-se, portanto, que agiu de boa-fé.
É pacífico no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento, segundo o qual é incabível a devolução de valores recebidos de boa-fé pelos beneficiários do INSS, pois reconhecidas a natureza alimentar da prestação e a presunção de boa-fé do segurado. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo regimental não provido"(STJ, AgRg no AREsp 820.594/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELLMARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/03/2016).
Nessa linha é o entendimento desta Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LOAS DEFICIENTE E APOSENTADORIA POR IDADE. PERCEPÇÃO SIMULTÂNEA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. DESNECESSIDADE. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ. 1. Infundada a alegação de inadequação da via eleita, eis que, no caso em exame, a análise do mérito não depende de dilação probatória. 2. No tocante à percepção de benefícios previdenciários, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça quanto à irrepetibilidade de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, em decorrência de erro administrativo em seu pagamento (REsp 1674457/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 09/08/2017; REsp 1666580/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017) 3. Hipótese em que a impetrante continuou recebendo benefício assistencial de seu filho após a concessão da própria aposentadoria por idade em 08/06/2009, porém não há comprovação nos autos de que o tenha feito por má-fé, mormente considerando o entendimento jurisprudencial no sentido de que o recebimento de benefício previdenciário por idade pode ser excluído do cômputo da renda familiar para fins de análise do critério econômico. Portanto, não há que se falar em má-fé e obrigatoriedade de restituição dos valores percebidos, em homenagem aos princípios da irrepetibilidade das verbas alimentares e da presunção de boa-fé. 4. Os princípios da segurança das relações jurídicas, da boa-fé, da confiança e da presunção de legitimidade dos atos administrativos justificam a adoção dessa linha de raciocínio, porque confia o administrado na regularidade do pagamento operacionalizado pela Administração, passando a dispor dos valores percebidos com a firme convicção de estar correto o pagamento implementado, de sorte que não haveria riscos de vir a ter que devolvê-los. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (AC 1000046-93.2017.4.01.3303, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 22/09/2022 PAG.)
Quanto à percepção de benefícios previdenciários, também já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça acerca da irrepetibilidade dos valores percebidos de boa-fé pelo segurado, em decorrência de erro administrativo em seu pagamento.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL E AO ART. 154 DO DECRETO 3.048/1999. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ COMPROVADA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. REQUISITOS. ART. 203, V, DA CF/1988. LEI 8.742/93, ART. 20, § 3º. MISERABILIDADE AFERIDA POR OUTROS CRITÉRIOS QUE NÃO A LIMITAÇÃO DA RENDA PER CAPITA FAMILIAR. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA.
1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária em que a parte autora requereu o restabelecimento do benefício de amparo social, bem como a declaração de inexistência de débito perante a Previdência Social.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido apenas para declarar a inexistência de débito do autor perante o INSS.
RECURSO ESPECIAL DO INSS 2. Em relação aos arts. 884 e 885 do Código Civil e ao art. 154 do Decreto 3.048/1999, a Corte local não emitiu juízo de valor sobre a alegada matéria. É necessária a efetiva discussão do tema pelo Tribunal a quo, ainda que em Embargos de Declaração. O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram apreciados pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento.
Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 3. Nas razões do Recurso Especial, o INSS sustenta apenas a necessidade de restituição do benefício previdenciário indevidamente pago, sendo esta a interpretação dos arts. 115, II, parágrafo único, da Lei 8.213/1991 e 154, II, § 3°, do Decreto 3.048/1999. Todavia, no enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem consignou que "o benefício foi requerido e recebido de boa-fé"e que "não pode agora a autarquia exigir a repetição dos respectivos valores, notadamente por terem caráter alimentar" (fl. 424, e-STJ).
4. Sendo assim, como o fundamento não foi atacado pela parte recorrente e é apto, por si só, para manter o decisum combatido, permite-se aplicar na espécie, por analogia, os óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a deficiência na motivação e a ausência de impugnação de fundamento autônomo.
5. Ademais, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, em razão do caráter alimentar dos proventos aliado à percepção de boa-fé, é impossível a devolução de valores recebidos a título de benefício previdenciário por razão de erro da Administração, aplicando-se ao caso o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
6. Tendo o Tribunal de origem reconhecido a boa-fé em relação ao recebimento do benefício objeto da insurgência, descabe ao STJ iniciar juízo valorativo a fim de alterar tal entendimento, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO 7. A Terceira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, firmou a compreensão de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo - previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 - não é o único parâmetro para aferir hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova. Precedentes: AREsp 110.176/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 4/6/2013; AREsp 332.275/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 27/5/2013; AREsp 327.814/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22/5/2013. 8. No presente caso, a negativa de concessão do benefício assistencial não se limitou apenas ao critério objetivo fixado no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, porquanto considerou também o contexto fático da situação na qual vive a parte autora.
9. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese do recorrente, demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 10. O óbice da Súmula 7 do STJ atinge também o Recurso Especial interposto com fundamento na alínea c do inciso III do artigo 105 da Constituição da República, porque impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. CONCLUSÃO 11. Recursos Especiais não conhecidos.
(REsp 1666580/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017)
Em razão da apelada ter recebido o benefício assistencial de boa-fé, está desobrigada a restituir os valores já recebidos.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora apenas para declarar inexigíveis os débitos previdenciários.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
Mantenho os honorários fixados na sentença.
É como voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011144-22.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: LUARA REGINA DE CASTRO CARVALHO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. CONDIÇÃO DE DEFICIENTE NÃO COMPROVADA. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. BOA-FÉ DEMONSTRADA. INEXIGIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de prestação continuada-BPC, fundamentando-se na ausência de deficiência.
2. Em suas razões recursais, pugna pela reforma da sentença para que o benefício seja restabelecido, com a declaração da inexistência dos débitos, ao argumento de fazer jus ao benefício pleiteado, por ser pessoa com deficiência e viver em situação de vulnerabilidade social. Além disso, requer a condenação do INSS ao pagamento de danos morais, por ter realizado a suspensão do benefício assistencial em 01/11/2021, de forma indevida.
3. Nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
4. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
5. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
6. O médico perito na perícia realizada em 19/07/2023 (id. 420112397 - Pág. 126/130) atestou que a parte autora apresenta “R48 Dislexia e outras disfunções simbólicas, não classificadas em outra parte”, sendo considerado um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta habilidades básicas de aprendizagem, sem que haja prejuízo sensorial, motor ou neurológico. Extrai-se do laudo que não há cura para a doença, no entanto, existem tratamentos para uma melhor qualidade de vida e estratégias de aprendizagem. Ademais, informa, que a condição da parte autora não gera barreiras para a sua introdução ao mercado de trabalho, porém, dificulta a inserção em algumas funções que demandem cálculos, mesmo que simples. Apresenta discalculia que é caracterizada por dificuldade com cálculos (soma, subtração, contar notas em dinheiro). Portanto, necessita de estímulo e tratamento cíclico.
7. Desse modo, entendo que à época do exame, a parte autora não foi considerada pessoa com deficiência, requisito legal para a concessão do benefício assistencial (art. 203 da CF/88 e art. 20, Lei 8.742/93), ficando prejudicado o exame da avaliação social.
8. O Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido. Em virtude da modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário.
9. Ficou evidenciado pelo estudo social que o grupo familiar da parte autora encontra-se em situação de vulnerabilidade social, não havendo no que se falar em recebimento indevido do benefício ou enriquecimento ilícito. Denota-se, portanto, que agiu de boa-fé.
10. Descabe a devolução dos valores recebidos a título de LOAS, se as circunstâncias em que foi concedido o benefício previdenciário evidenciam a boa-fé objetiva da parte autora.(STJ, AgRg no AREsp 820.594/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/03/2016).
11. Em razão da apelada ter recebido o benefício assistencial de boa-fé, está desobrigada a restituir os valores já recebidos.
12. Apelação da parte autora parcialmente provida apenas para declarar inexigíveis os débitos previdenciários.
13. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
14. Mantidos os honorários fixados na sentença.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
