
POLO ATIVO: MARIA DIVINA DE CARVALHO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARIANA JAQUELINE LIMA DE OLIVEIRA - GO45666-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1022943-33.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO (Relator Convocado):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que negou pensão rural por morte (ID 251146023 - Pág. 81 a 85).
Nas razões recursais (ID 251146023 - Pág. 90 a 96), a parte recorrente alegou, em síntese: 1) ausência de intimação das partes para especificação das provas; 2) cerceamento do direito de defesa, pois o juízo de origem dispensou a realização da prova oral em audiência e proferiu desde logo a sentença de forma prematura; 3) necessária reabertura da fase instrutória; 4) existência de provas materiais suficientes para comprovação da atividade rural.
Alegou, concretamente, a comprovação do direito ao benefício previdenciário por prova idônea e suficiente, na forma da legislação de regência e do entendimento jurisprudencial que mencionou.
A parte recorrida não apresentou contrarrazões (certidão ID 251146023 - Pág. 100).
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1022943-33.2022.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO (Relator Convocado):
Presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, dialeticidade, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
O benefício previdenciário de pensão por morte independente de carência (inciso I do art. 26 da Lei 8.213/1991) e exige os seguintes requisitos: i) o óbito do instituidor do benefício; ii) a qualidade de segurado do falecido perante a Previdência Social no momento do evento morte; iii) a condição de dependente do requerente. Devem ser observadas as demais condições legais da legislação de regência à época do falecimento (Súmula 340 do STJ c/c art. 201, V, da CF e arts. 16, 74 e 79 da Lei nº 8.213/91 e arts. 4º, V; 105, I; do Decreto 3.048/99, inclusive as modificações instituídas pelas Leis 9.528/1997, 13.135/2015, 13.183/2015, 13.846/2019, entre outras, no que se referem às progressivas limitações de prova, beneficiários, duração e cálculo do benefício).
Aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do caput dos arts. 2º, 3º, 201 e 202 da IN PRESI/INSS 128/2002, quanto à obrigatoriedade da filiação do trabalhador rural (empregado ou segurado especial) ao RGPS e da necessidade de comprovação do efetivo exercício da atividade rural ao tempo do óbito, conforme transcrição adiante (original sem destaque):
Art. 2º. Filiação é o vínculo que se estabelece entre a Previdência Social e as pessoas que para ela contribuem, do qual decorrem direitos e obrigações.
§ 1º Filiado é aquele que se relaciona com a Previdência Social na qualidade de segurado obrigatório ou facultativo, mediante contribuição ao RGPS.
§ 2º Não gera filiação obrigatória ao RGPS o exercício de atividade prestada de forma gratuita ou o serviço voluntário, nos termos da Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998.
Art. 3º. São segurados obrigatórios os filiados ao RGPS nas categorias de empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e segurado especial.
Art. 201. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência é contado a partir do início do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação.
Art. 202. Para o segurado especial que contribui facultativamente, o período de carência é contabilizado para fins de concessão de qualquer benefício previdenciário, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, podendo, inclusive, ser somado a períodos urbanos.
Quanto à condição de dependente do segurado, o artigo 16 da Lei n. 8.213/1991 estabelece o rol dos beneficiários e indica as hipóteses em que a dependência econômica é presumida e aquelas em que esta deverá ser comprovada (original sem destaque):
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Ressalte-se que “A dependência econômica do cônjuge ou do companheiro relacionados no inciso I do art. 16 da Lei 8.213/91, em atenção à presunção disposta no §4º do mesmo dispositivo legal, é absoluta” (Tese 226 da TNU).
A concessão do benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da condição de segurado especial (arts. 11, VII; 39, I; 55 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois o conjunto de situações excepcionais em dado caso concreto pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
No caso concreto, óbito gerador da pensão ocorrido em 25/02/2020 (ID 251146023 - Pág. 17) e requerimento administrativo apresentado em 19/05/2021 com alegação de dependência econômica (ID 251146023 - Pág. 19).
A parte autora demonstrou que era casada com o instituidor da pensão desde 19/11/2008 (ID 251146023 - Pág. 14) e que se manteve nessa condição até a data do óbito. A dependência econômica, portanto, é absoluta, nos termos da Tese 226 da TNU.
Para comprovar a qualidade de segurado ao tempo do óbito e a dependência econômica da parte autora, foi juntada a seguinte documentação (ID 251146023 - Pág. 14 a 18; ID . 251146023 - Pág. 58; ID251146023 - Pág. 60): certidão de nascimento de filho, nascido em 22/03/2001, registrado em 22/08/2002, com indicação da profissão de lavrador do falecido Pedro Tomáz Vieira e do lar da autora; certidão de casamento, com registro da profissão de doméstica da autora e de lavrador do falecido Pedro Tomáz Vieira, realizado em 19/11/2008; CNIS do falecido Pedro Tomáz Vieira, com registro de vínculos de trabalho nos períodos de 04/06/2012 a 06/08/2012, 01/07/2013 a 10/12/2013 e de 24/05/2018 a 27/08/2018; requerimento de seguro-desemprego do falecido Pedro Tomáz Vieira, em 17/10/2018; certidão de óbito de Pedro Tomáz Vieira, falecido em 25/02/2020, com indicação do estado civil casado, profissão autônomo e endereço residencial na Rua 03, Qd. 11, Nova Jussara, Jussara/GO.
A qualidade de segurado do falecido pode ser reconhecida quando considerado o denominado “período de graça”, que excepcionalmente estende tal condição na forma do disposto no art. 15 da Lei 8.213/91, objeto de uniformização de interpretação judicial pela Turma Nacional de Uniformização (TNU), que originou os seguintes entendimentos: Tese 239 (“A prorrogação da qualidade de segurado por desemprego involuntário, nos moldes do §2º do art. 15 da Lei 8.213/91, se estende ao segurado contribuinte individual se comprovada a cessação da atividade econômica por ele exercida por causa involuntária, além da ausência de atividade posterior”); a Tese 19 (“É possível comprovar a condição de desemprego involuntário por outros meios de prova diversos do registro no Ministério do Trabalho, não sendo a ausência de vínculo na CTPS suficiente para tanto. Vide Súmula 27 da TNU”); e a já referida Súmula 27 (“A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito”).
Assim, admite-se a comprovação da situação do desemprego por qualquer meio de prova admitido em direito, inclusive a prova testemunhal.
Configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide ou o indeferimento de produção de prova testemunhal, pois somente com a completa instrução do processo é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da qualidade de segurado especial do falecido ou da situação de desemprego involuntário, mediante a prorrogação prevista no inciso II do art. 15, da lei 8.213/1991.
A negativa do juízo antecedente na produção da prova testemunhal configurou violação à ampla defesa e ao contraditório, na medida em que a prova produzida poderia alterar o resultado do julgamento realizado.
Portanto, é inconteste que a impossibilidade de produção da prova testemunhal requerida pela autora, prejudicou a demonstração do seu direito, violando diretamente garantia prevista no inciso LV, art. 5º, da CF.
Nesse contexto, a anulação da sentença e retorno dos autos à origem é medida que se impõe.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento para anular a sentença recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, com a consequente reabertura da instrução processual, oportunizada a inquirição de testemunhas e novo julgamento da causa.
Honorários advocatícios de sucumbência a serem arbitrados quando da prolação da nova sentença, quando será levado em consideração o trabalho efetuado no processamento da apelação.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1022943-33.2022.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 5056951-34.2022.8.09.0097
RECORRENTE: MARIA DIVINA DE CARVALHO
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RURAL. PENSÃO POR MORTE. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO À ORIGEM.
1. O benefício previdenciário de pensão por morte independente de carência (inciso I do art. 26 da Lei 8.213/1991) e exige os seguintes requisitos: i) o óbito do instituidor do benefício; ii) a qualidade de segurado do falecido perante a Previdência Social no momento do evento morte; iii) a condição de dependente do requerente. Devem ser observadas as demais condições legais da legislação de regência à época do falecimento (Súmula 340 do STJ c/c art. 201, V, da CF e arts. 16, 74 e 79 da Lei nº 8.213/91 e arts. 4º, V; 105, I; do Decreto 3.048/99, inclusive as modificações instituídas pelas Leis 9.528/1997, 13.135/2015, 13.183/2015, 13.846/2019, entre outras, no que se referem às progressivas limitações de prova, beneficiários, duração e cálculo do benefício).
2. A concessão do benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da condição de segurado especial (arts. 11, VII; 39, I; 55 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
3. Óbito gerador da pensão ocorrido em 25/02/2020 e requerimento administrativo apresentado em 19/05/2021 com alegação de dependência econômica.
4. Para comprovar a qualidade de segurado ao tempo do óbito e a dependência econômica da parte autora, foi juntada a seguinte documentação: certidão de nascimento de filho, nascido em 22/03/2001, registrado em 22/08/2002, com indicação da profissão de lavrador do falecido Pedro Tomáz Vieira e do lar da autora; certidão de casamento, com registro da profissão de doméstica da autora e de lavrador do falecido Pedro Tomáz Vieira, realizado em 19/11/2008; CNIS do falecido Pedro Tomáz Vieira, com registro de vínculos de trabalho nos períodos de 04/06/2012 a 06/08/2012, 01/07/2013 a 10/12/2013 e de 24/05/2018 a 27/08/2018; requerimento de seguro-desemprego do falecido Pedro Tomáz Vieira, em 17/10/2018; certidão de óbito de Pedro Tomáz Vieira, falecido em 25/02/2020, com indicação do estado civil casado, profissão autônomo e endereço residencial na Rua 03, Qd. 11, Nova Jussara, Jussara/GO.
5. A qualidade de segurado do falecido pode ser reconhecida quando considerado o denominado “período de graça”, que excepcionalmente estende tal condição na forma do disposto no art. 15 da Lei 8.213/91, objeto de uniformização de interpretação judicial pela Turma Nacional de Uniformização (TNU), que originou os seguintes entendimentos: Tese 239 (“A prorrogação da qualidade de segurado por desemprego involuntário, nos moldes do §2º do art. 15 da Lei 8.213/91, se estende ao segurado contribuinte individual se comprovada a cessação da atividade econômica por ele exercida por causa involuntária, além da ausência de atividade posterior”); a Tese 19 (“É possível comprovar a condição de desemprego involuntário por outros meios de prova diversos do registro no Ministério do Trabalho, não sendo a ausência de vínculo na CTPS suficiente para tanto. Vide Súmula 27 da TNU”); e a já referida Súmula 27 (“A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito”).
6. Admite-se a comprovação da situação do desemprego por qualquer meio de prova admitido em direito, inclusive a prova testemunhal.
7. Configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide ou o indeferimento de produção de prova testemunhal, pois somente com a completa instrução do processo é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da qualidade de segurado especial do falecido ou da situação de desemprego involuntário, mediante a prorrogação prevista no inciso II do art. 15, da lei 8.213/1991.
8. Apelação da parte autora provida. Sentença anulada para a reabertura da instrução processual e realização de audiência para a oitiva de testemunhas.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO
(Relator Convocado)
