
POLO ATIVO: NAIR LEILA ALMEIDA MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ADRIANO GARCIA CASALE - PA24949-A e BRUNO HENRIQUE CASALE - PA20673-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1018749-53.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por carência probatória, na forma da Tese 629 do STJ, em que se pedia a concessão de salário-maternidade rural (ID 354427639 - Pág. 59 a 65).
Nas razões recursais (ID 354427639 - Pág. 66 a 69), a parte recorrente alegou, em síntese: 1) cerceamento do direito de defesa, pois o juízo de origem dispensou a realização da prova oral em audiência e proferiu desde logo a sentença de forma prematura; 2) necessária reabertura da fase instrutória; 3) existência de provas materiais suficientes para comprovação da atividade rural.
Pediu, ainda, a anulação da sentença, "faz se necessário a reforma da sentença, afim de que se reabra a instrução para que seja marcada audiência de instrução e julgamento, e a final seja julgado procedente o pedido condenando o INSS para que conceda a parte recorrente o beneficio ora requerido, pois atende todos os requisitos, qual seja, o nascimento da criança e sua qualidade de segurado especial." (ID 354427639 - Pág. 68)
A parte recorrida não apresentou contrarrazões (certidão ID 354427639 - Pág. 72).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1018749-53.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, dialeticidade, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade à segurada especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da qualidade de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade e outros benefícios): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2, 11 e 17 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmulas 54 e 11 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, como segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
Possui especial relevância as Teses 11 e 17 da TNU, nos seguintes termos:
Tema 11 da TNU. A exigência de início de prova material contemporânea para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Tema 17 da TNU. A exigência de início de prova material para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
As referidas teses foram potencializadas no julgamento da ADI 2.110, no qual o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque):
"Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes;".
No caso dos autos, o parto ocorreu em 21/06/2017 (ID 354427639 - Pág. 20) e a parte autora requereu administrativamente o benefício de salário-maternidade na qualidade de segurada especial em 17/06/2020 (ID 354427639 - Pág. 38).
Para comprovar o exercício de atividade rural, foi juntada a seguinte documentação (ID 354427639 - Pág. 17 a 19, 26 a 37): declaração pessoal de Isaias Gonçalves Trindade, proprietário do imóvel no qual a autora alega que sua genitora trabalhou, de que Maria Almeida, genitora da autora, trabalhou em sua propriedade “Sítio Grota Funda, Faixa Chapadinha, zona rural de Amapá do Maranhão - MA” entre 10/06/1994 e 15/05/2012; ficha de matrícula da autora com indicação da profissão de lavrador dos genitores, referente aos anos de 1996 a 1998; Memorial descritivo do imóvel “Lote 37, P. A. Itacaiuna, zona rural de Marabá - PA”, com área de 47.69 ha, confeccionado em 01/12/1997; título de domínio outorgado pelo INCRA a Humbelina Marques Ribeiro, proprietária do imóvel no qual a autora ter trabalhado, para a exploração do imóvel “Lote 37, P. A. Itacaiunas, zona rural de Marabá - PA”, com área de 47.69 há, emitido em 01/12/2001; certidão de inteiro teor do imóvel incompleta com registro de que o imóvel “Lote 37, Gleba P. A. Itacaiuna, zona rural de Marabá - PA” é de propriedade de Humberlina Cabrau Ribeiro, proprietária do imóvel no qual a autora ter trabalhado, desde 11/12/2001, lavrada em 07/12/2004; declaração do STTR de Amapá do Maranhão - MA de que Maria Almeida, genitora da autora, é sócia desde 10/08/1999 e que trabalha na “Faixa Chapadinha” na zona rural do município desde 1994, assinada em 22/08/2012; declaração do STTR de Amapá do Maranhão - MA de que Maria Almeida, genitora da autora, é sócia desde 10/08/1999 e que trabalhou de 10/06/1994 a 15/05/2012, assinada em 04/03/2013; declaração pessoal de Humberlina Cabral Ribeiro, proprietária do imóvel no qual a autora ter trabalhado, de que a mesma reside e trabalha no sua propriedade “P. A. Itacaiunas, Lote 37, zona rural de Marabá - PA” desde o mês de janeiro de 2003, assinada com reconhecimento de firma em 04/02/2020; autodeclaração de segurado especial da autora, assinada em 30/07/2020.
O juízo originário indeferiu a produção da prova oral, por entender possível o julgamento antecipado da lide (ID 35692548 - Pág. 83 e 84).
Havendo falta de prova documental plena, mas início de prova documental há necessidade de produção de prova testemunhal para a complementação da referida prova (a idoneidade, suficiência e razoabilidade do início de prova documental poderá ser apreciada oportunamente após a integralização da instrução processual). Houve cerceamento ao direito de defesa à parte autora.
Frise-se que, na inicial e impugnação à contestação, a parte autora protestou por todos os meios de prova em direito admitidos e demonstrou, de forma inequívoca, seu intento de produção da prova oral.
A prolação de sentença sem a abertura da fase probatória e designação de data para realização da oitiva de testemunhas implica prejuízo ao direito de defesa da autora, a ensejar a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução, oportunizando-se a complementação da prova imprescindível à adequada composição do conflito.
A qualificação de segurado especial como rurícola, por sua natureza e finalidade, exige a produção de prova testemunhal em audiência, porquanto indispensável para corroborar o início de prova material na comprovação do exercício da atividade rural em regime de subsistência no período necessário para concessão do benefício requerido, momento em que o juiz apreciará a valoração das demais circunstâncias da situação fática em conjunto com os elementos de prova, tendente à formação da convicção do julgador.
Por outro lado, o próprio julgamento de improcedência por insuficiência de provas constitui evidente prejuízo para a parte autora.
Nessas condições, mostra-se imprescindível, sob pena de cerceamento de defesa, a complementação probatória com a oitiva de testemunhas, a fim de que sejam esclarecidas as circunstâncias em que se deu a alegada atividade rural da parte autora a corroborar, ou não, os indícios materiais, bem como delimitar, tanto quanto possível, o período abrangido pela suposta atividade rurícola.
Houve cerceamento ao direito de defesa em detrimento da parte autora pelos seguintes motivos: 1) a ação sugere a necessidade de oitiva de testemunhas em audiência, porque se trata de pedido de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, sendo necessário comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar; 2) não foi aberta a fase de instrução probatória; 3) a petição inicial requereu expressamente a produção de todos os meios de prova em direito admitidos e demonstrou, de forma inequívoca, seu intento de produção da prova oral; 4) houve o julgamento da causa sem a devida instrução e produção das provas requeridas pela parte autora, que eram indispensáveis para o julgamento da demanda; 5) a sentença foi proferida sem oportunizar a parte autora complementação da prova documental por testemunhas, como lhe faculta a legislação de regência (Súmula 149 do STJ e arts. 442 e 442 do CPC/2015).
Assim tem decidido este Tribunal acerca da matéria:
“...2. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal. 3. Configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, sem a produção de prova testemunhal, pois somente com a completa instrução do processo é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da qualidade de segurado especial.”. (AC 1006033-62.2021.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL MAURA MORAES TAYER, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 25/04/2022 PAG.)
Portanto, é inconteste que a impossibilidade de produção da prova testemunhal requerida pela autora, prejudicou a demonstração do seu direito, violando diretamente garantia prevista no inciso LV, art. 5º, da CF.
Nesse contexto, a anulação da sentença e retorno dos autos à origem é medida que se impõe.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento para anular a sentença recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, com a consequente reabertura da instrução processual, oportunizada a inquirição de testemunhas e novo julgamento da causa.
Honorários advocatícios de sucumbência a serem arbitrados quando da prolação da nova sentença, quando será levado em consideração o trabalho efetuado no processamento da apelação.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1018749-53.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0805867-53.2020.8.14.0040
RECORRENTE: NAIR LEILA ALMEIDA MARTINS
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE RURAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGOU ANTECIPADAMENTE A LIDE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ORAL REQUERIDA PELA PARTE.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão de salário-maternidade em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da condição de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. A prolação de sentença sem a abertura da fase probatória e designação de data para realização da oitiva de testemunhas implica prejuízo ao direito de defesa da autora, a ensejar a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução, oportunizando-se a complementação da prova imprescindível à adequada composição do conflito.
4. Houve cerceamento ao direito de defesa em detrimento da parte autora pelos seguintes motivos: a) a ação sugere a necessidade de oitiva de testemunhas em audiência, porque se trata de pedido de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, sendo necessário comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar; b) não foi aberta a fase de instrução probatória; c) a petição inicial requereu expressamente a produção de todos os meios de prova em direito admitidos e demonstrou, de forma inequívoca, seu intento de produção da prova oral; d) houve o julgamento da causa sem a devida instrução e produção das provas requeridas pela parte autora, que eram indispensáveis para o julgamento da demanda; e) a sentença foi proferida sem oportunizar a parte autora complementação da prova documental por testemunhas, como lhe faculta a legislação de regência (Súmula 149 do STJ e arts. 442 e 442 do CPC/2015).
5. Apelação da parte autora provida. Sentença anulada para a reabertura da instrução processual e realização de audiência para a oitiva de testemunhas.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
Relator