
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA CONCEICAO DE SOUZA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: KARLLA FABINO ESPINDOLA - GO44556-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010915-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA CONCEICAO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KARLLA FABINO ESPINDOLA - GO44556-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
O INSS maneja recurso de apelação contra a sentença pela qual o juízo a quo acolheu a pretensão deduzida em juízo, condenando a referida autarquia a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, no valor de um salário mínimo, com o devido pagamento das parcelas respectivas.
O apelante argumenta que não há nos autos documentos capazes de corroborar o alegado exercício de atividade rural pelo período mínimo de carência exigido pela Lei nº 8.213/91. E ainda que não é possível utilizar o §3º do art. 48 da Lei 8.213/91 como fundamento legal para conceder aposentadoria por idade a segurado urbano, computando como carência tempo de serviço rural anterior a 1991.
Apresentadas as contrarrazões, a parte autora pugna pela manutenção da sentença.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010915-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA CONCEICAO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KARLLA FABINO ESPINDOLA - GO44556-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Apelação que preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade “mista” ou “híbrida” está condicionada à verificação de dois requisitos legais básicos, a saber: a) idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para os homens e 60 (sessenta) anos para as mulheres; e b) comprovação do efetivo exercício de atividade rural em conjunto com períodos de contribuição prestados sob outras categorias de segurado por tempo equivalente ao da carência do benefício pretendido (180 contribuições mensais), não se exigindo, neste caso, que o segurado esteja desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo ou do implemento do requisito etário.
O art. 48, §3º, da Lei n. 8.213/1991, assim dispõe:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
(...)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
Para comprovação do exercício da atividade rural, exige-se início razoável de prova material, além de prova testemunhal, conforme se verifica do disposto no artigo 55, § 3º, da referida Lei, não se admitindo, portanto, prova exclusivamente testemunhal (Súmulas 149/STJ e 27/TRF1).
A jurisprudência do STJ admite, inclusive, que essa demonstração possa ser feita com base em dados do registro civil, como em certidão de casamento ou de nascimento dos filhos e, ainda, em assentos de óbito, no caso de pensão, em suma, por meio de quaisquer documentos que contenham fé pública, o que é extensível, inclusive, ao cônjuge do segurado, sendo certo que o art. 106 da Lei nº 8.213/91 contém rol meramente exemplificativo, e não taxativo.
Ademais, conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal, não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
São idôneos, portanto, dentre outros documentos: a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS), declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada.
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indicam a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural.
Além disso, a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008; AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Por fim, cumpre consignar o seguinte aresto do STJ que trata das diversas nuances a respeito da aposentadoria por idade híbrida:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSS REJEITADOS.
1. Os Embargos de Declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado. Excepcionalmente o Recurso Aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade, eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior, hipótese diversa da apresentada nos presentes autos.
2. O acórdão é claro ao consignar que o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
3. Assim, fica claro que o tempo de serviço rural pode ser computado, para fins de carência para a concessão de aposentadoria híbrida, seja qual for o momento em que foi exercido, seja ele anterior ou não a 1991.
4. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.354.908/SP, representativo da controvérsia, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 10.2.2016, estabeleceu que o Segurado especial tem que comprovar o exercício de atividade campesina no momento anterior ao implemento da idade mínima para fins de concessão de aposentadoria rural, o que não se amolda à hipótese dos autos. Como já delineado no acórdão, a aposentadoria híbrida, nos exatos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, é devida exatamente àqueles trabalhadores rurais que não preenchem os requisitos fixados no § 2º do mesmo dispositivo, não havendo que se falar em necessidade de comprovação da atividade rural em período anterior ao implemento etário.
5. Não há que se falar em violação aos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial e da precedência do custeio, vez que no presente recurso não há o reconhecimento de direito previdenciário não previsto em lei, ao contrário, firmou-se aqui, tão somente, a literal aplicação do disposto no art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991. Nesse passo, o cálculo envolvendo o equilíbrio financeiro e atuarial e a precedência de custeio foram já objeto de análise do legislador quando instituiu a nova política previdenciária introduzida pela Lei 11.718/2008.
6. A vedação disposta no art. 55 da Lei 8.213/1991, que impede o cômputo da atividade rural para fins de carência, se dirige à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, não havendo que se falar em óbice para cômputo para aposentadoria por idade, como é a aposentadoria híbrida.
7. É entendimento pacífico desta Corte que os rurícolas em atividade por ocasião da Lei de Benefícios, foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, nos termos dos arts. 26, I, e 39, I da Lei 8.213/1991.
8. O que se percebe, em verdade, é que busca o INSS conferir caráter constitucional à matéria, para fins de interposição de Recurso Extraordinário. Hipótese, contudo, que já fora rechaçada pelo STF, reconhecendo a competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça do exame da matéria. Precedentes: ARE 1.065.915, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 5.9.2017; ARE 1.062.849, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 10.8.2017; ARE 1.059.692, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 9.8.2017; ARE 920.597, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 26.10.2015.
9. Embargos de Declaração do INSS rejeitados. (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019.)
Caso dos autos (aposentadoria híbrida)
A parte autora, nascida em 08/11/1958, completou 60 anos em 2018, requereu em 23/4/2014, aos 56 anos de idade, pedido de aposentadoria por idade rural, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte trouxe aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, certidão de óbito do esposo, extrato de informações de benefício, comprovante de endereço rural em nome de terceiros, autodeclaração, declaração de endereço, espelho de imóvel rural (ID 319663618 fls.2-9, 18, 27-30 e 57-58).
O apelante argumenta que não há nos autos documentos capazes de corroborar o alegado exercício de atividade rural pelo período mínimo de carência exigido pela Lei nº 8.213/91. E ainda que não é possível utilizar o §3º do art. 48 da Lei 8.213/91 como fundamento legal para conceder aposentadoria por idade a segurado urbano, computando como carência tempo de serviço rural anterior a 1991.
O INSS, em sua contestação, aduziu que a autora manteve expressivos vínculos formais, juntando CNIS na qual constam os seguintes vínculos: município de Faina, de 1/4/2009 a 10/2009; município de Faina, de 1/2/2010 a 9/2010; Fundo municipal de saúde, de 1/11/2011 a 9/2012, e município de Faina, de 1/11/2011 a 2/2012. Posteriormente, em 31/8/2017, passou a receber pensão por morte, e não constam mais vínculos em seu CNIS (ID- 319663618, fls.59-73).
Da análise das provas apresentadas, verifica-se que os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do exercício de trabalho rural (certidão de casamento, celebrado em 18/10/1975, em que consta a qualificação do esposo como lavrador; certidão de óbito do esposo, em 3/8/2017, em que consta que era trabalhador rural aposentado; extrato de informações de benefício, informando que a autora recebe pensão por morte rural com data de início de benefício em 31/8/2017; espelho do imóvel rural, emitido pelo INCRA, em nome do esposo, informa um imóvel de 39h, um minifúndio, fazenda de cima, município de Faina/GO, emitido em 18/10/2022).
Assim, há prova material de trabalho rural da autora entre o casamento (1975) e seu primeiro vínculo urbano comprovado (2009) e a partir de agosto de 2017 (óbito do marido e concessão de pensão por morte rural), momento a partir do qual não há novos vínculos urbanos comprovados.
Esse início de prova material foi corroborado pela prova oral, que confirmou que a autora vive na zona rural, na fazenda Rancho Fundo, de propriedade do Sr. Ronair Pereira Moreira, que trabalha como meeira desde antes do esposo falecer, que mesmo depois da morte dele ela continuou a morar e trabalhar lá, que não sabe se ela já trabalhou na cidade. Disseram, ainda, que ela planta mandioca, faz farinha e cria galinha. Em depoimento, a autora disse que trabalhou por alguns meses durante uns anos para a prefeitura de Faina e que fazia merenda, o que é compatível com seus registros no CNIS.
A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que “o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo” (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019.).
Confira-se a ementa do referido julgado:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSS REJEITADOS.
1. Os Embargos de Declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado. Excepcionalmente o Recurso Aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade, eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior, hipótese diversa da apresentada nos presentes autos.
2. O acórdão é claro ao consignar que o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
3. Assim, fica claro que o tempo de serviço rural pode ser computado, para fins de carência para a concessão de aposentadoria híbrida, seja qual for o momento em que foi exercido, seja ele anterior ou não a 1991.
4. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.354.908/SP, representativo da controvérsia, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 10.2.2016, estabeleceu que o Segurado especial tem que comprovar o exercício de atividade campesina no momento anterior ao implemento da idade mínima para fins de concessão de aposentadoria rural, o que não se amolda à hipótese dos autos. Como já delineado no acórdão, a aposentadoria híbrida, nos exatos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, é devida exatamente àqueles trabalhadores rurais que não preenchem os requisitos fixados no § 2º do mesmo dispositivo, não havendo que se falar em necessidade de comprovação da atividade rural em período anterior ao implemento etário.
5. Não há que se falar em violação aos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial e da precedência do custeio, vez que no presente recurso não há o reconhecimento de direito previdenciário não previsto em lei, ao contrário, firmou-se aqui, tão somente, a literal aplicação do disposto no art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991. Nesse passo, o cálculo envolvendo o equilíbrio financeiro e atuarial e a precedência de custeio foram já objeto de análise do legislador quando instituiu a nova política previdenciária introduzida pela Lei 11.718/2008.
6. A vedação disposta no art. 55 da Lei 8.213/1991, que impede o cômputo da atividade rural para fins de carência, se dirige à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, não havendo que se falar em óbice para cômputo para aposentadoria por idade, como é a aposentadoria híbrida.
7. É entendimento pacífico desta Corte que os rurícolas em atividade por ocasião da Lei de Benefícios, foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, nos termos dos arts. 26, I, e 39, I da Lei 8.213/1991.
8. O que se percebe, em verdade, é que busca o INSS conferir caráter constitucional à matéria, para fins de interposição de Recurso Extraordinário. Hipótese, contudo, que já fora rechaçada pelo STF, reconhecendo a competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça do exame da matéria. Precedentes: ARE 1.065.915, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 5.9.2017; ARE 1.062.849, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 10.8.2017; ARE 1.059.692, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 9.8.2017; ARE 920.597, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 26.10.2015.
9. Embargos de Declaração do INSS rejeitados. (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019.) (destaquei).
Na espécie, deve ser reconhecido o trabalho rural exercido em regime de economia familiar nos períodos em que existe início de prova material, conforme indicado acima, acrescidos dos seguintes vínculos urbanos: 1/4/2009 a 10/2009, 1/2/2010 a 9/2010, 1/11/2011 a 9/2012 e 1/11/2011 a 2/2012, conforme CNIS (ID-319663618 fls.59-73). A soma de todos esses períodos supera o período de carência previsto para a concessão da aposentadoria por idade híbrida.
Logo, preenchidos os requisitos, faz jus a autora à concessão do benefício.
Termo inicial do benefício-DIB
A Autarquia, em suas razões de apelação, requer a reforma da sentença para que seja considerada como data inicial do beneficio a contar da sentença, uma vez que, em tese, a Audiência de Instrução e Julgamento teria sido imprescindível para comprovação da alegada atividade rural em regime de economia familiar.
Em sentença, a DIB foi concedida a partir de 8/11/2018(data em que a autora completou o requisito etário), tendo em vista que o juiz converteu o pedido inicial em aposentadoria por idade híbrida e que a autora completou 60 anos em 8/11/2018.
Tendo em vista que o implemento do requisito etário ocorreu após o encerramento do processo administrativo(requerimento 23/4/2014) e antes do ajuizamento da ação(4/8/2022), deve-se considerar a citação como DIB, pois o requerimento administrativo anterior não se prestou a fixar o início do benefício. Inteligência da interpretação conjunta do art. 176-D do Decreto n. 10.410/2020, do Tema 995/STJ e da Súmula 576/STJ.
Diante disso, a DIB deve ser fixada a partir da citação válida.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
CUSTAS PROCESSUAIS
"Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piauí (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020)" (AC 1026342-07.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 26/07/2023).
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Sucumbência mínima da parte apelada. Tendo a apelação sido necessária para o ajuste da sentença, descabe a fixação de honorários recursais em detrimento da parte apelante.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, tão somente para fixar a DIB a contar da citação válida.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010915-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA CONCEICAO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: KARLLA FABINO ESPINDOLA - GO44556-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. COMPLEMENTAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO DO TRABALHO URBANO COM REGISTROS NO CNIS. DIB A CONTAR DA CITAÇÃO VÁLIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria por idade “mista” ou “híbrida” está condicionada à verificação de dois requisitos legais básicos, a saber: a) idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para os homens e 60 (sessenta) anos para as mulheres; e b) comprovação do efetivo exercício de atividade rural em conjunto com períodos de contribuição prestados sob outras categorias de segurado por tempo equivalente ao da carência do benefício pretendido (180 contribuições mensais), não se exigindo, neste caso, que o segurado esteja desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo ou do implemento do requisito etário.
2. Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte trouxe aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, certidão de óbito do esposo, extrato de informações de benefício, comprovante de endereço rural em nome de terceiros, autodeclaração, declaração de endereço, espelho de imóvel rural (ID 319663618 fls.2-9, 18, 27-30 e 57-58).
3. O apelante argumenta que não há nos autos documentos capazes de corroborar o alegado exercício de atividade rural pelo período mínimo de carência exigido pela Lei nº 8.213/91. E ainda que não é possível utilizar o §3º do art. 48 da Lei 8.213/91 como fundamento legal para conceder aposentadoria por idade a segurado urbano, computando como carência tempo de serviço rural anterior a 1991. O INSS, em sua contestação, aduziu que a autora manteve expressivos vínculos formais, juntando CNIS na qual constam os seguintes vínculos: município de Faina, de 1/4/2009 a 10/2009; município de Faina, de 1/2/2010 a 9/2010; Fundo municipal de saúde, de 1/11/2011 a 9/2012, e município de Faina, de 1/11/2011 a 2/2012. Posteriormente, em 31/8/2017, passou a receber pensão por morte, e não constam mais vínculos em seu CNIS (ID- 319663618, fls.59-73).
4. Da análise das provas apresentadas, verifica-se que os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do exercício de trabalho rural (certidão de casamento, celebrado em 18/10/1975, em que consta a qualificação do esposo como lavrador; certidão de óbito do esposo, em 3/8/2017, em que consta que era trabalhador rural aposentado; extrato de informações de benefício, informando que a autora recebe pensão por morte rural com data de início de benefício em 31/8/2017; espelho do imóvel rural, emitido pelo INCRA, em nome do esposo, informa um imóvel de 39h, um minifúndio, fazenda de cima, município de Faina/GO, emitido em 18/10/2022).
5. Esse início de prova material foi corroborado pela prova oral, que confirmou que a autora vive na zona rural, na fazenda Rancho Fundo, de propriedade do Sr. Ronair Pereira Moreira, que trabalha como meeira desde antes do esposo falecer, que mesmo depois da morte dele ela continuou a morar e trabalhar lá, que não sabe se ela já trabalhou na cidade. Disseram, ainda, que ela planta mandioca, faz farinha e cria galinha. Em depoimento, a autora disse que trabalhou por alguns meses durante uns anos para a prefeitura de Faina e que fazia merenda.
6. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que “o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo” (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019.).
7. Na espécie, foi reconhecido o trabalho rural exercido em regime de economia familiar, acrescido dos seguintes vínculos urbanos: 1/4/2009 a 10/2009, 1/2/2010 a 9/2010, 1/11/2011 a 9/2012 e 1/11/2011 a 2/2012, conforme CNIS (ID-319663618 fls.59-73). A soma de todos esses períodos supera o período de carência previsto para a concessão da aposentadoria por idade híbrida.
8.Tendo em vista que o implemento do requisito etário ocorreu após o encerramento do processo administrativo(requerimento 23/4/2014) e antes do ajuizamento da ação(4/8/2022), deve-se considerar a citação como DIB, pois o requerimento administrativo anterior não se prestou a fixar o início do benefício. Inteligência da interpretação conjunta do art. 176-D do Decreto n. 10.410/2020, do Tema 995/STJ e da Súmula 576/STJ. Diante disso, a DIB deve ser fixada a partir da citação válida.
9. Apelação do INSS parcialmente provida, tão somente para fixar a DIB a contar da citação válida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
