
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:FRANCISCO JOSE LUCINDO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JAQUESON DOS SANTOS CASTRO - GO29515-A e KERLY JOANA CARBONERA - GO29987-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONCALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido autoral de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade.
Em suas razões recursais, a Autarquia arguiu que a parte autora não logrou êxito em comprovar a sua qualidade de segurada especial com o início de prova material corroborada por prova testemunhal produzida nos autos. Requereu a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido inicial.
Com contrarrazões.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos, remessa necessária e recebimento da apelação
A sentença não está sujeita ao reexame necessário, pois a condenação do ente público não ultrapassa o limite previsto no art. 496, § 3º do CPC/2015.
O CPC/2015, em seu artigo 1.012, §1º, inciso V, estabelece que, em se tratando de sentença em que restou confirmado o deferimento do pedido de antecipação da tutela, a apelação interposta deve ser recebida, tão somente, no efeito devolutivo. Além disso, não ficou demonstrado risco de lesão grave e de difícil reparação, tampouco fundamentação relevante para justificar a concessão de efeito suspensivo em caráter excepcional.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
Além disso, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, nos termos do art. 26, III c/c art. 39, da Lei 8.213/91; porém, quanto ao tempo de exercício de atividade rural, exige-se início razoável de prova material, completada por prova testemunhal idônea, não se admitindo, portanto, prova meramente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, Súmulas 149 e 27 do STJ e TRF da 1ª Região, respectivamente).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Não configuram início de prova material os documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário, a certidão eleitoral e demais provas que não trazem a segurança jurídica necessária à concessão do benefício.
Da situação tratada
A autora alega, em síntese, que interpôs requerimento administrativo em 3/1/2017(rolagem única Pje/TRF-1, p. 32) sendo este indeferido pela Autarquia Previdenciária.
Conforme documento apresentado pela parte autora (rolagem única Pje/TRF-1, p. 17) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 4/8/2016, pois contava com idade superior à exigida quando do ajuizamento da ação (nascido em 4/8/1956).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada é de 180 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 180 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 2001 a 2016 (considerando o implemento do requisito etário, hipótese passível de configuração do instituto do direito adquirido) ou 2007 a 2022 (levando em consideração o requerimento administrativo).
Os documentos apresentados pela parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, foram, dentre outros, os seguintes:
a) comunicação de vacinação;
b) notas fiscais de aquisição de produtos agrícolas; e
c) relatório de assistência zoofitossanitária emitido pelo INDEA-MT.
O INSS anexou aos autos prova de exercício de atividade empresarial (entre 2011 e 2018) realizada pelo autor (rolagem única Pje/TRF-1, p. 92). Quando a atividade empresarial é desempenhada durante considerável lapso temporal durante o período de carência legal necessária, seja pela parte postulante do benefício ou pelo respectivo cônjuge, tal fato também possui o condão de afastar a essencialidade do labor rural para a subsistência do grupo familiar e, por conseguinte, a concessão do benefício pleiteado pela parte autora. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL INÍCIO DE PROVA MATERAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL PELO CÔNJUGE. PROPRIETÁRIA DE VEÍCULO COM VALOR ELEVADO. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. INCOMPATIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. PEDIDO EXORDIAL JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios). 2. Embora revele o conjunto probatório o cumprimento do requisito etário, ficou comprovado que o cônjuge da autora exerceu atividade empresarial durante o período de carência, e que a autora é ainda proprietária de veículo com valor manifestamente incompatível com a qualidade de segurada especial alegada nos autos, ocasionando, assim, a impossibilidade de concessão do benefício pleiteado. 3. A não comprovação da qualidade de segurado especial da parte autora, na condição de trabalhadora rural, pelo menos durante o cumprimento do prazo de carência previsto no art. 142 da Lei 8.213, de 1991, impossibilita o deferimento do benefício postulado na petição inicial. 4. Apelação do INSS provida para reformar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC, revogada, de imediato, a tutela antecipada concedida, devendo a autora devolver as parcelas recebidas até a cessação dos seus efeitos (Tema Repetitivo 692 do STJ).
Cabe salientar que, ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
A conclusão que se impõe é a de que fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
Segundo a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa" (REsp 1.352.721, Tema 629).
Diante da ausência do requisito legal da prova da qualidade de segurada da parte autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado. Portanto, deve ser reformada a sentença que julgou improcedente o pedido, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, conforme entendimento do STJ no precedente citado.
Conclusão
Ante o exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução do mérito, e julgo prejudicada a apelação do INSS.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1030074-59.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 1000155-26.2018.8.11.0049
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO JOSE LUCINDO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR(A) RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO COMPROVADA. EMPRESÁRIO. REQUISITOS DA LEI 8.213/91 NÃO ATENDIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA.
1. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
2. Na situação, o implemento etário ocorreu em 2016. A carência legal, por sua vez, é de 180 meses. A parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, anexou aos autos os seguintes documentos: a) comunicação de vacinação; b) notas fiscais de aquisição de produtos agrícolas; e c) relatório de assistência zoofitossanitária emitido pelo INDEA-MT.
3. O INSS anexou aos autos prova de exercício de atividade empresarial realizada pelo autor durante considerável lapso temporal compreendido no período de carência, o que afasta a essencialidade do labor rural para a subsistência do grupo familiar e, por conseguinte, a concessão do benefício pleiteado pela parte autora.
4. A atividade de trabalhador rural em regime de economia familiar pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural, onde os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração, conforme prescreve o art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".
5. Descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, no período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/918.
6. Fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
7. Ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
8. A orientação do STJ, em recurso repetitivo, é a de extinção do processo, sem resolução de mérito, quando ausente o conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, possibilitando ao autor intentar novamente a ação (Tema 629, REsp 1.352.721).
9. Ausência do preenchimento dos requisitos da Lei 8.213/91, inviável reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade pleiteado.
10. Processo extinto, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado; apelação do INSS prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir, de ofício, o processo, sem resolução de mérito e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
