
POLO ATIVO: NELCI BIANCHINI
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CLAUDIA BINOW REISER - RO7396-A e DIOGO ROGERIO DA ROCHA MOLETTA - RO3403-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1026868-08.2020.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em desfavor de sentença que julgou improcedente o pedido visando à concessão do benefício auxílio-doença/aposentadoria por invalidez de trabalhador rural.
Em suas razões recursais, a parte-autora sustentou que teria comprovado sua qualidade de segurada especial com o início de prova material corroborado por prova testemunhal produzida nos autos e, ainda, que estaria incapacitada definitivamente para o labor rural.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1026868-08.2020.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação da parte autora no seu duplo sentido (arts. 1011 e 1012, V, do CPC).
Pretende a parte autora a concessão/restabelecimento do benefício de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez.
Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez estão dispostos no art. 42, caput e § 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento do período de carência (12 contribuições), quando exigida; 3) incapacidade insuscetível de recuperação ou de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência (incapacidade total e permanente para o trabalho) e 4) não ser a doença ou lesão preexistente à filiação do segurado ao Regime Geral da Previdência Social.
A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
O auxílio-doença será devido ao segurado empregado, cf. art. 60 da Lei n. 8.213/1991, a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapacitado para o trabalho. Neste caso, a incapacidade é parcial e temporária.
Deve ser registrada, a propósito, a consolidação jurisprudencial quanto à ausência de perda dessa condição nas hipóteses em que o trabalhador deixa de exercer atividade remunerada por conta do acometimento ou agravamento da patologia incapacitante.
Relevante consignar que a incapacidade para o trabalho deve ser aferida considerando-se as condições pessoais do trabalhador e as atividades por ele desempenhadas, daí resultando que os trabalhadores com baixa instrução e/ou que ao longo da vida desempenharam atividades que demandassem esforço físico e que não mais puderem a ele se submeter devem ser considerados como incapacitados, não lhes sendo exigida a reabilitação em outra atividade dissociada do histórico profissional até então exercido.
A situação peculiar do trabalho rural e a dificuldade encontrada pelos trabalhadores em comprovar o vínculo empregatício, o trabalho temporário ou mesmo o trabalho exercido autonomamente no campo são fatores que permitiram que a jurisprudência considerasse outros documentos (dotados de fé pública) não especificados na lei, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade.
Assim, conforme jurisprudência pacificada dos Tribunais, a qualificação profissional de lavrador ou agricultor, constante dos assentamentos de registro civil, constitui indício aceitável do exercício da atividade rural, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, podendo projetar efeitos para período de tempo anterior e posterior, conforme o princípio da presunção de conservação do estado anterior, ao nele retratado, desde que corroborado por segura prova testemunhal.
A lei não exige que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91).
São idôneos para a comprovação do exercício de atividade rural, entre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE).
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos a propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como, a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma,e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar,e-DJF1 p.191 de 02/03/2011.
Cumpre registrar que o eg. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a notória dificuldade dos trabalhadores rurais em comprovar todo o período de atividade.
Nesse sentido o entendimento manifestado no julgamento REsp 267.355/MS, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, publicado no DJ 20.11.2000, do seguinte teor: “A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido, constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural...”.
Muito embora a jurisprudência tenha flexibilizado o posicionamento no tocante aos documentos que podem servir como início de prova documental, a jurisprudência já firmou entendimento de que não possuem integridade probante documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário, produzidos tão somente com o intuito de servir como meio de prova em ações de índole previdenciária. Não são aceitos como início de prova material, assim, certidões de cartório eleitoral com anotação da profissão da parte autora, prontuários médicos, certidões relativas à filiação à sindicatos de trabalhadores rurais e etc., contemporâneos ao ajuizamento da ação.
Saliente-se, ainda, que documentos que, em regra são aceitos como início de prova documental, como certidões de casamento com anotação da profissão da parte autora ou de seu cônjuge, podem ter sua eficácia afastada pelo conjunto probatório dos autos como na hipótese em que comprovada a existência de vínculos urbanos de longa duração da parte ou de seu cônjuge, o que ilide a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar ou quando demonstrada a condição de produtor rural de relevante quilate, que não se coaduna com a pretensa vulnerabilidade social do trabalhador nas lides campesinas.
Por fim, acrescente-se que é inadmissível prova exclusivamente testemunhal para o reconhecimento de tempo de exercício de atividade rural (Súmulas 149/STJ e 27/TRF-1ª Região).
Na hipótese, a controvérsia reside na condição de segurada especial da parte autora, que deve ser comprovada mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal, ante a ausência de prova material plena da atividade rural.
Afere-se que foi realizada audiência de instrução e julgamento através do sistema google meet, com a oitiva de duas testemunhas da autora em 17/06/2020 (ID. 85720018, pág. 15). Ocorre que, ao ser constatado que não estava presente nos autos o registro audiovisual da audiência realizada em primeira instância, com os depoimentos das testemunhas e/ou da parte autora, determinou-se, pois, a baixa dos autos, em diligência, para que o juízo de origem providenciasse a juntada do arquivo digital respectivo e/ou sua degravação (ID. 382140127, pág. 18). Contudo, o processo voltou ao segundo grau com uma certidão contendo a seguinte informação: “Certifico e dou fé que, nesta data, diligenciei buscas pela mídia da audiência realizada no dia 17/06/2020, no DRS e no repositório do Google Meet, mas não a encontrei.” (ID. 39502155, pág. 24).
O julgamento da apelação, sem que se tenha acesso à oitiva das testemunhas, cerceia o direito das partes, por isso a sentença deve ser anulada, ante a impossibilidade da análise do mérito, devendo os autos retornar ao juízo de origem para a realização da prova testemunhal.
Neste sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADORA RURAL. JULGAMENTO PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROVA TESTEMUNHAL REALIZADA. AUSÊNCIA DE MÍDIA OU DEGRAVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA. 1. Para concessão do benefício de pensão por morte rural, segundo a legislação previdenciária pertinente, é mister a comprovação do óbito, da qualidade de segurada especial do falecida, bem como da condição de beneficiária da parte requerente. 2. No caso, a controvérsia reside na condição de segurada especial da falecida (instituidora da pensão por morte), que deve ser comprovada mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal. 3. Consta no termo de audiência e no termo de qualificação e compromisso que a prova oral foi produzida e registrada em áudio e vídeo e que a mídia teria sido anexada aos mencionados termos. 4. Ocorre que, conforme reconhece o próprio juízo de origem (id. 310667047) - após determinação de baixa, em diligência, para juntada do arquivo digital e/ou sua degravação - não houve gravação da audiência nem os referidos depoimentos foram devidamente transcritos. 5. O julgamento da apelação, sem que se tenha acesso à oitiva das testemunhas, cerceia o direito das partes, por isso a sentença deve ser anulada ante a impossibilidade da análise do mérito, devendo os autos retornar ao juízo de origem para a realização da prova testemunhal. 6. Apelação da parte autora parcialmente provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem.” (AC 1032957-37.2021.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 09/11/2023 PAG.)
Posto isso, dou parcial provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para regular instrução.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1026868-08.2020.4.01.9999
APELANTE: NELCI BIANCHINI
Advogados do(a) APELANTE: CLAUDIA BINOW REISER - RO7396-A, DIOGO ROGERIO DA ROCHA MOLETTA - RO3403-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. JULGAMENTO PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROVA TESTEMUNHAL REALIZADA. AUSÊNCIA DE MÍDIA OU DEGRAVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
2. Na hipótese, a controvérsia reside na condição de segurada especial da parte autora, que deve ser comprovada mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal, ante a ausência de prova material plena da atividade rural.
3. Afere-se que foi realizada audiência de instrução e julgamento através do sistema "google meet", com a oitiva de duas testemunhas da autora em 17/06/2020 (ID. 85720018, pág. 15). Ocorre que, ao ser constatado que não estava presente nos autos o registro audiovisual da audiência realizada em primeira instância, com os depoimentos das testemunhas e/ou da parte autora, determinou-se, pois, a baixa dos autos, em diligência, para que o juízo de origem providenciasse a juntada do arquivo digital respectivo e/ou sua degravação (ID. 382140127, pág. 18). Contudo, o processo voltou ao segundo grau com uma certidão, contendo a seguinte informação: “Certifico e dou fé que, nesta data, diligenciei buscas pela mídia da audiência realizada no dia 17/06/2020, no DRS e no repositório do Google Meet, mas não a encontrei.” (ID. 39502155, pág. 24).
4. O julgamento da apelação, sem que se tenha acesso à oitiva das testemunhas, cerceia o direito das partes, por isso a sentença deve ser anulada, ante a impossibilidade da análise do mérito, devendo os autos retornar ao juízo de origem para a realização da prova testemunhal.
5. Apelação parcialmente provida para anular a sentença, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para regular instrução.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para anular a sentença, nos termos do voto do relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Juiz Federal Alysson Maia Fontenele
