
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:FLAVIO VENTORIN
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: GLAUCIANO PORTES DAS MERCES - RO11564-A
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1011972-18.2024.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando-o a implementar o benefício de auxílio por incapacidade temporária em favor da parte autora, no valor de um salário mínimo, com termo inicial a partir da data de entrada do requerimento administrativo (DER), qual seja 21/07/2021, e mantê-lo, por no mínimo 24 meses, contando da data da perícia médica judicial (13/09/2022), até a reabilitação profissional da autora, o que será aferido em avaliação médica pericial a ser realizada pela requerida ou por no mínimo 30 dias posterior a data do efetivo cumprimento para implementação, sem prejuízo do pagamento do abono natalino.
Sustenta o apelante que a sentença deve ser reformada, uma vez que a parte autora não possui qualidade de segurada especial, eis que apresenta notas de vendas de produtos rurais (de gado, de leite) e conforme declaração de Imposto de Renda na Fonte, em valor elevado, demonstrando, assim, que possui grande capacidade contributiva e não pode se valer da exceção à regra, sob pena de desvirtuamento da benesse tributária.
Houve apresentação de contrarrazões.
É o breve relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1011972-18.2024.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. A matéria remanescente nos autos, portanto, fica limitada à controvérsia objeto da apelação.
Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessão de benefício por incapacidade. A sentença foi de procedência do pedido. Recorre o INSS alegando que a parte não é segurada especial, por não exercer atividade rural em caráter de subsistência, em pequenas propriedades de até 4 (quatro) módulos fiscais, sem a utilização de empregados permanentes.
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
A incapacidade do autor não é matéria de discursão na apelação.
O INSS alegou, na contestação e na apelação, que o autor não possui qualidade de segurado especial, eis que apresenta notas de vendas de produtos rurais (de gado, de leite) em valor elevado, demonstrando, assim, que possui grande capacidade contributiva e não pode se valer da exceção à regra, sob pena de desvirtuamento da benesse tributária.
De fato, o trabalhador rural considerado segurado especial é aquele que exerce sua atividade, voltada para a subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, ou seja, não de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural, diferente do pequeno produtor rural que comercializa o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O trabalhador rural, que não comprove o regime de economia familiar, deve se inscrever no RGPS e contribuir como contribuinte individual.
Nesse sentido:
AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A prova documental permite concluir que o marido da requerente é produtor rural e, não, segurado especial, qualidade que, por presunção, poderia ser estendida à autora. 2. Assim, descaracterizado o regime de economia familiar, não há falar em aposentadoria rural por idade nos termos do art. 143 da Lei nº 8.213/91. 3. Pedido improcedente. (STJ, 3ª Seção, AR 4148, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 08.10.2012)
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. DOCUMENTO NOVO RELATIVO AO CÔNJUGE. ATIVIDADE LUCRATIVA ORGANIZADA. PRODUTOR RURAL. NÃO-ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE SEGURADO ESPECIAL DADO PELO ART. 11, VII, DA LEI 8.213/91. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A Terceira Seção deste Superior Tribunal já se manifestou, em diversos julgados sobre a matéria, no sentido de abrandar o rigorismo legal na reapreciação de documentos novos, em virtude das peculiaridades dos trabalhadores rurais. Assim, já se aceitou como início suficiente de prova material a certidão de casamento da parte em que o seu cônjuge figura como lavrador, uma vez que a condição de rurícola da mulher funciona como extensão da qualidade de segurado especial do marido. Se o marido desempenhava trabalho no meio rural, em regime de economia domiciliar, há a presunção de que a mulher também o fez, em razão das características da atividade - trabalho em família, em prol de sua subsistência 2. No entanto, se tais documentos comprovam que o marido da autora exerceu atividade lucrativa organizada, resta descaracterizado o regime de subsistência dos segurados especiais. 3. À falta de outro documento relativo às atividades da autora, inexiste o início de prova material a corroborar a prova testemunhal, devendo subsistir a observância do disposto na Súmula 147 do STJ. 4. Ação rescisória improcedente. (STJ, 3ª Seção, AR 1411, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22.03.2010)
PREVIDENCIÁRIO. ADVENTO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LEI Nº. 13.105/15. NÃO CONHECIMENTO DA REMESSA OFICIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. ARTIGO 39 DA REFERIDA LEI. PRODUTOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR AFASTADO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. [...] VIII - No caso dos autos, o requisito etário restou preenchido em 07.10.2001. IX - O que se revela é que se trata de um empresário rural, que tem sua atividade produtiva, não o fazendo como destinatário final, como acontece nos casos da agricultura de subsistência, em que a relação de consumo e a hipossuficiência ficam bem delineadas X- Documentos incompatíveis com a singela figura do trabalhador rural e do exercício da atividade rural sob regime de economia familiar. XI - Descaracterizado o regime de economia familiar, nos termos do art. 11, VII, § 1º da Lei 8.213/91. XII - Remessa oficial não conhecida. XIII - Apelação do INSS provida. (TRF3, 8ª Turma, ApelReex 00312297020164039999, relator Desembargador Federal David Dantas, DJe 23.11.2016)
No presente caso, há vários indícios que descaracterizam o trabalho de economia familiar. Observa-se que o autor, que se declara produtor rural na perícia administrativa, é proprietário de um imóvel rural (com 125.5 ha) de mais de um milhão de reais, sendo despendido o valor de R$ 500.000,00 a título de sinal de pagamento à vista no ato da assinatura do contrato de compra e venda, em outubro/2017, além de ter emitido notas fiscais de venda de seu rebanho em quantidade incompatível com agricultura familiar.
Nesse sentido, o autor seria segurado na qualidade de contribuinte individual, nos termos do artigo 11, V, a, da Lei 8.213/1991. Assim, para ter direito ao benefício previdenciário vindicado, era necessário que tivesse realizado contribuições ao RGPS, o que não foi demonstrado.
Desse modo, a parte autora não faz jus ao benefício por incapacidade postulado, à míngua da comprovação de um dos requisitos exigidos para a sua concessão.
Revogo a antecipação de tutela.
A coisa julgada opera efeitos secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas.
Os honorários de sucumbência ficam invertidos em favor do INSS e calculados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ficando, todavia, suspensa a execução, nos termos do art. 98 do CPC, em razão do deferimento da gratuidade de justiça.
É imperativa a devolução de valores eventual percebidos por força de decisão judicial precária e que veio a ser posteriormente revogada/cassada, conforme entendimento firmado pelo e. STJ no Tema Repetitivo 692.
Em face do exposto, dou provimento à apelação do INSS.
É como voto.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1011972-18.2024.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FLAVIO VENTORIN
Advogado do(a) APELADO: GLAUCIANO PORTES DAS MERCES - RO11564-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PRODUTOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR AFASTADO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessão de benefício por incapacidade. A sentença foi de procedência do pedido. Recorre o INSS alegando que a parte não é segurada especial, por não exercer atividade rural em caráter de subsistência, em pequenas propriedades de até 4 (quatro) módulos fiscais, sem a utilização de empregados permanentes.
2. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
3. A incapacidade do autor não é matéria de discursão na apelação.
4. O INSS alegou, na contestação e na apelação, que o autor não possui qualidade de segurado especial, eis que apresenta notas de vendas de produtos rurais (de gado, de leite) em valor elevado, demonstrando, assim, que possui grande capacidade contributiva e não pode se valer da exceção à regra, sob pena de desvirtuamento da benesse tributária.
5. De fato, o trabalhador rural considerado segurado especial é aquele que exerce sua atividade, voltada para a subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, ou seja, não de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural, diferente do pequeno produtor rural que comercializa o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O trabalhador rural, que não comprove o regime de economia familiar, deve se inscrever no RGPS e contribuir como contribuinte individual.
6. No presente caso, há vários indícios que descaracterizam o trabalho de economia familiar. Observa-se que o autor, que se declara produtor rural na perícia administrativa, é proprietário de um imóvel rural (com 125.5 ha) de mais de um milhão de reais, sendo despendido o valor de R$ 500.000,00 a título de sinal de pagamento à vista no ato da assinatura do contrato de compra e venda, em outubro/2017, além de ter emitido notas fiscais de venda de seu rebanho em quantidade incompatível com agricultura familiar.
7. Nesse sentido, o autor seria segurado na qualidade de contribuinte individual, nos termos do artigo 11, V, a, da Lei 8.213/1991. Assim, para ter direito ao benefício previdenciário vindicado, era necessário que tivesse realizado contribuições ao RGPS, o que não foi demonstrado.
8. É imperativa a devolução de valores eventual percebidos por força de decisão judicial precária e que veio a ser posteriormente revogada/cassada, conforme entendimento firmado pelo e. STJ no Tema Repetitivo 692.
8. Apelação provida. Tutela antecipada revogada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
