
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)0001301-67.2017.4.01.3606
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de recurso de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL em face da sentença que julgou procedente a ação para condenar o INSS (APS de Juina, Juara e Colniza) na obrigação de se abster de considerar o critério etário para indeferimento do benefício de salário-maternidade as mães indígenas com base tão somente no critério etário.
Nas razões recursais (ID 69745316, fls. 103 a 112), o recorrente sustenta, em síntese, que não há previsão em lei ou na Constituição Federal para o reconhecimento como segurado especial de menor de 16 (dezesseis) anos; que há vedação expressa na Constituição quanto ao trabalho para os menores de 16 (dezesseis) anos, admitido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos apenas na condição de aprendiz; que não há discriminação legal para considerar os indígenas como segurados especiais antes dos 16 (dezesseis anos); que houve usurpação do Poder Legislativo; que foi desrespeitado o princípio da prévia fonte de custeio e que não houve qualquer ilegalidade na não concessão de salário-maternidade para indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, apenas exercício regular de direito.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 69745316, fls. 118 a 128).
É o relatório.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)0001301-67.2017.4.01.3606
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp 1.735.097/RS e REsp 1.844.937/PR).
Trata-se de recurso de apelação contra sentença proferida que julgou procedente o pedido, no bojo de Ação Civil Pública, que buscou impedir que o Instituto Nacional do Seguro Social indeferisse benefício previdenciário de salário-maternidade, na condição de seguradas especiais, às mães indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, baseando-se apenas no critério etário para a negativa, nos municípios de Juína, Juara e Colniza no estado do Mato Grosso.
O processo teve seu curso regular e, no recurso de apelação, a Autarquia teceu diversas considerações para reformar a sentença. Em síntese, o INSS sustenta que: a) não há previsão em lei ou na Constituição Federal para o reconhecimento como segurado especial de menor de 16 (dezesseis) anos; b) há vedação expressa na Constituição quanto ao trabalho para os menores de 16 (dezesseis) anos, admitido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos apenas na condição de aprendiz; c) não há discriminação legal para considerar os indígenas como segurados especiais antes dos 16 (dezesseis anos); d) houve usurpação do Poder Legislativo; e) foi desrespeitado o princípio da prévia fonte de custeio e f) não houve qualquer ilegalidade na não concessão de salário-maternidade para indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, apenas exercício regular de direito.
Posteriormente, a própria Autarquia sustentou ter havido a perda do objeto desta Ação Civil Pública, em petição incidental, devido à existência do trânsito em julgado de outra Ação Civil Pública de n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, com abrangência nacional, que deferiu pedido do Ministério Público Federal para corrigir irregularidades perpetradas pelo INSS ao não reconhecer o tempo de serviço e de contribuição resultante da atividade abrangida pela Previdência Social realizada pelo segurado obrigatório com idade inferior à legalmente aceita ao trabalho.
O INSS traz aos autos, inclusive, que já está adotando a posição do julgado da ACP do Rio Grande do Sul, em todo território nacional e que foi expedido Ofício-Circular Conjunto para a adoção do decidido nesta ACP, expedido para todo o país, com o seguinte escopo:
Decisão proferida na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100.
Admitir ao menor de dezesseis anos, como tempo de contribuição, o trabalho comprovadamente exercido de segurado obrigatório, além de aceitar para a comprovação do exercício os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados obrigatórios maiores de dezesseis anos, exceto segurado facultativo, em âmbito nacional.
De início, afasto a alegação da Autarquia, uma vez que a Ação Civil Pública de n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, possui objeto diverso desta ACP. Enquanto a ACP do Rio Grande do Sul trata especificamente de tempo de contribuição e de serviço, o presente caso trata de benefício previdenciário de salário-maternidade para indígenas menores de dezesseis anos, portanto, objetos diversos.
A perda do objeto da ação acontece pela superveniente falta de interesse processual, ou pela obtenção da satisfação da pretensão da parte autora, que passa a não mais necessitar da intervenção do Estado-Juiz, ou pelo fato de a prestação jurisdicional buscada não lhe ser mais útil, mormente pela modificação das condições de fato e de direito que deram azo ao pedido inicial.
O fato superveniente à propositura da demanda, constitutivo, modificativo ou extintivo de direito deve ser tomado em consideração, conforme previsão do art. 493 do CPC, pois a lide deve ser composta de acordo com o que se apresenta no momento da entrega jurisdicional.
Quanto ao mérito, os argumentos trazidos pela Autarquia no recurso de Apelação são os mesmos tecidos em diversas ações individuais e civis públicas, que já foram combatidos em diversas instâncias, vejamos.
Quanto ao argumento de que não há previsão em lei ou na Constituição Federal para o reconhecimento como segurado especial de menor de 16 (dezesseis) anos, esse não merece prosperar, uma vez que também não há vedação expressa nestes Diplomas quanto ao requisito etário mínimo para se considerar o trabalhador como segurado especial. A jurisprudência é pacífica que cabe o reconhecimento da condição de segurado especial de menores de dezesseis anos e a própria Autarquia, em sua petição incidental, admite que já está seguindo esse posicionamento para conceder benefícios previdenciários relativos a tempo de contribuição e tempo de serviço.
A respeito da vedação expressa na Constituição quanto ao trabalho para os menores de 16 (dezesseis) anos, admitido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos apenas na condição de aprendiz, a jurisprudência já consolidada também revela que a garantia constitucional de vedação ao trabalho infantil deve ser para a proteção do menor, e não ser utilizada para prejudicá-lo ao não reconhecer direitos quando o trabalho tiver sido efetivamente exercido, vejamos o posicionamento do STJ que trata também da questão do direito ao salário-maternidade das indígenas menores de dezesseis anos na condição de seguradas especiais:
[...] SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENAS. ATIVIDADE LABORATIVA MATÉRIA FÁTICA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE ETÁRIO. VEDAÇÃO LEGAL. CASO CONCRETO. INAPLICABILDIADE. [...] Caso em que as instâncias ordinárias reconheceram a participação da mulher indígena no contexto laboral de sua própria cultura firmada nos elementos de convicção postos no processo, cuja revisão é providência incompatível com a via estreita do recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 4. O Superior Tribunal de Justiça, desde há muito, tem se posicionado no sentido de que a vedação legal do trabalho infantil tem por escopo proteger o menor e, portanto, não pode ser utilizada em prejuízo daquele que foi obrigado, dadas as circunstâncias, a exercer o trabalho em idade inferior ao limite etário mínimo. 5. Ambas as Turmas da Primeira Seção têm reconhecido o direito de indígena menor de dezesseis anos, qualificada como segurada especial, a perceber o benefício de auxílio-maternidade, visto que o não preenchimento do requisito etário exigido para a filiação ao RGPS, como segurado especial, não constitui óbice à concessão de benefício previdenciário a jovem que foi impelida a exercer trabalho rural em regime de economia familiar. [...] (AgInt no REsp 1679865 RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 30/8/2021, DJe de 8/9/2021)
[...] AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDÍGENAS MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS. CONDIÇÃO DE SEGURADAS ESPECIAIS. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. CABIMENTO. [...] No caso, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com o objetivo de reconhecer direito individual homogêneo das indígenas, menores de 16 anos, ao salário-maternidade, na condição de seguradas especiais do Regime Geral de Previdência Social. 3. O sistema previdenciário protege os indígenas, caso desempenhem trabalho remunerado. A Constituição da República de 1988, a Convenção 129 da Organização Internacional do Trabalho e o Estatuto do Índio são uníssonos ao proteger os direitos indígenas e garantir à esta população, no tocante ao sistema previdenciário, o mesmo tratamento conferido aos demais trabalhadores. 4. A limitação etária não tem o condão de afastar a condição de segurada especial das indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, vedando-lhes o acesso ao sistema de proteção previdenciária estruturado pelo Poder Público. Princípio da primazia da verdade. [...] 5. As regras de proteção das crianças e adolescentes não podem ser utilizadas com o escopo de restringir direitos. Nos casos em que ocorreu, ainda que de forma indevida, a prestação do trabalho pela menor de 16 (dezesseis) anos, é preciso assegurar a essa criança ou adolescente, ainda que indígena, a proteção do sistema previdenciário, desde que preenchidos os requisitos exigidos na lei, devendo ser afastado o óbice etário. [...] (REsp 1650697 RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/4/2017, DJe de 4/5/2017).
O Supremo Tribunal Federal também tem entendimento neste sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO- MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. GENITORA INDÍGENA COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. ARTIGO 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STF, RE 1061044 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/02/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 15-03-2019 PUBLIC 18- 03-2019)
Quanto ao argumento de que não há discriminação legal para considerar os indígenas como segurados especiais antes dos 16 (dezesseis anos), o princípio da isonomia material, com previsão constitucional, é utilizado para justificar discriminação positiva (ações e políticas afirmativas), justamente para aplicar a fórmula já bastante conhecida de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
Não há necessidade de previsão específica em regra jurídica para a aplicação do princípio, uma vez que nosso sistema constitucional é composto de normas jurídicas, divididas em princípios e regras e seria completamente impossível ao legislador prever uma regra discriminante específica para cada caso concreto. Nesses casos, os princípios, revestidos de um caráter mais amplo, são aplicados no caso concreto para interpretar as regras já dispostas.
Passando ao próximo ponto, a alegação de houve usurpação do Poder Legislativo também não prospera, já que o Poder Judiciário foi provocado pela Defensoria Pública para solucionar um caso concreto e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, de natureza constitucional e processual, obriga o Poder Judiciário a analisar as causas que lhe são submetidas. Conforme ensinam Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, "o juiz não pode furtar-se a realizar a prestação da atividade jurisdicional, alegando a inexistência de lei". Alertam, ainda, que "a expressão lei deve ser entendida como ordenamento jurídico, na sua total extensão, ou seja, conjunto de normas jurídicas vigentes, compreendendo regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais". (SOARES; DIAS, 2012, p. 13).
Quanto ao possível desrespeito ao princípio da prévia fonte de custeio, o Parecer Conjunto n.º 01/2016/SUBGRUPO OS e n.º 30/2014/DEPCONSU/PGF/AGU, esclarece que:
(...)
19. A Convenção OIT nº 169, por sua vez, incorporada ao ordenamento pátrio por meio do Decreto nº 5.051/2004, determina a progressiva extensão dos regimes de previdência social aos povos indígenas, aplicados sem discriminação:
PARTE V SEGURIDADE SOCIAL E SAÚDE
Artigo 24. Os regimes de seguridade social deverão ser estendidos progressivamente aos povos interessados e aplicados aos mesmos sem discriminação alguma.
18. Por outro lado, o Regime Geral da Previdência Social RGPS é um sistema com regras e princípios próprios. Entre estes, temse o princípio constitucional da seletividade (art. 194, III da CF/88), segundo o qual cabe ao legislador selecionar tanto os riscos a serem cobertos (respeitados, claro, aqueles de observância obrigatória pela Constituição) quanto os beneficiários a serem atingidos.
19. Querse dizer que ao RGPS não pode ser imputada a cobertura de todos os riscos sociais tampouco de todas as pessoas que vivem em sociedade. Muito embora se almeje ampliar ao máximo possível essa cobertura, com o fim de se atender ao princípio da universalidade, não se pode desconsiderar que o sistema previdenciário é constituído por recursos limitados, e que, consequentemente, precisa se autosustentar. Por isso é imprescindível a seletividade.
20. Aliás, o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, caput da CF/88), bem como a prévia fonte de custeio dos benefícios (art. 195, § 5º) são outros princípios constitucionais a serem observados. Daí porque a aplicação do art. 231 da CR/88 deve ser compatibilizada com a observância das regras e princípios constitucionais que regem o sistema previdenciário
21. Dito de outro modo, reconhecer costumes, tradições e culturas indígenas não gera automaticamente o usufruto de benefícios previdenciários. Faltaria aí o elo que estabeleceria a relação e a adequação dos direitos previdenciários aos indígenas, em conformidade com suas desigualdades. E esse elo é feito por meio do art. 55 do Estatuto do Índio, que estabelece:
Art. 55. O regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas.
22. O que o dispositivo prevê é não apenas a extensão do RGPS aos indígenas, mas também a necessidade de se atender quando dessa extensão às condições sociais, econômicas e culturais das comunidades indígenas. Há, portanto, lei específica que relaciona o RGPS e sua aplicação aos índios, de acordo com suas condições, o que supera a exigência constitucional de prévia fonte de custeio e atende ao princípio da seletividade.
(...)
Por fim, a sustentação de que não houve qualquer ilegalidade na não concessão de salário-maternidade para indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, apenas exercício regular de direito, essa também não se sustenta, tendo em vista que não há qualquer vedação na Lei, Constituição Federal ou Regulamento da Previdência Social, de reconhecimento da condição de segurado especial a menor de dezesseis anos, baseando-se exclusivamente no requisito etário.
Ressalta-se, por fim, de que a sentença está de acordo com a jurisprudência do STJ, STF e desta Turma para casos idênticos, devendo ser mantida, vejamos:
[...] SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENA. MENOR DE 16 ANOS. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. NORMA DE GARANTIA DO MENOR NÃO PODE SER INTERPRETADA EM SEU DETRIMENTO. IMPERIOSA PROTEÇÃO DA MATERNIDADE, DO NASCITURO E DA FAMÍLIA. DEVIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. [...] É possível conceder o benefício previdenciário à menor de 16 anos que tenha trabalhado em atividade rural durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses). 2. Vedar a filiação ao RGPS a uma jovem menor de 16 anos que efetivamente tenha exercido atividade rural pela simples ausência do requisito etário enseja o desamparo não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar ao exercício profissional após seu nascimento. [...] (AgRg no REsp 1559760 MG, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3/12/2015, DJe de 14/12/2015)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO- MATERNIDADE. ATIVIDADE RURAL COMO INDÍGENA. SEGURADA ESPECIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO A MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ORGANIZAÇÃO SOCIAL, COSTUMES, LÍNGUAS, CRENÇAS E TRADIÇÕES INDÍGENAS. POSSIBILIDADE. 1. O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca. Assim, o salário maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar. 2. Nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao menor de 16 anos, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88 é norma de garantia do trabalhador, que visa a proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor, quando efetivamente comprovada a atividade rural. 3. A proteção à maternidade é um direito social (art. 6º da CF/88) e um dos focos de atendimento da previdência social. O benefício em questão tem por finalidade proteger não só a mãe, mas também a criança, neste momento delicado que inspira maiores cuidados para a proteção do menor. 4. Apelação não provida. (TRF1, AC 0022430-96.2018.4.01.9199, JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e- DJF1 24/09/2019)
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. ATIVIDADE RURAL COMO INDÍGENA. SEGURADA ESPECIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO A MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ORGANIZAÇÃO SOCIAL, COSTUMES, LÍNGUAS, CRENÇAS E TRADIÇÕES INDÍGENAS. POSSIBILIDADE. PEDIDO PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. O benefício de salário- maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91(art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser comprovado mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27). O salário maternidade é devido às mulheres indígenas da mesma forma daquele concedido à segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar. 2. O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca. Assim, o salário maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar. 3. Nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao menor de 16 anos, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88 é norma de garantia do trabalhador, que visa a proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor, quando efetivamente comprovada a atividade rural. 4. No caso dos autos a autora comprovou o efetivo exercício de atividade rural, pelo prazo de carência necessário, mediante início razoável de prova material devidamente corroborado pela prova testemunhal, em conformidade com a orientação jurisprudencial já sedimentada nesta Corte. A proteção à maternidade é um direito social (art. 6º da CF/88) e um dos focos de atendimento da previdência social. O benefício em questão tem por finalidade proteger não só a mãe, mas também a criança, neste momento delicado que inspira maiores cuidados para a proteção do menor. 5. Atrasados: correção monetária e os juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 6. Honorários de advogado: 10% sobre o valor da condenação correspondente às parcelas vencidas até o momento da prolação da sentença. 7. Apelação do INSS parcialmente provida (item 6). (TRF1, AC 1024819-86.2018.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 28/05/2019)
O caso presente, portanto, é de manutenção da sentença proferida, tendo em vista que trata de objetos diversos e a tutela é devida, em especial porque está de acordo com a Súmula 657 do STJ, que dispõe expressamente que: "Atendidos os requisitos de segurada especial no RGPS e do período de carência, a indígena menor de 16 anos faz jus ao salário-maternidade".
Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, de acordo com o Tema 1.002 do STF que, em julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 114005, com repercussão geral, fixou a seguinte Tese: "1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra; 2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição".
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, mantendo hígida a sentença que condenou o INSS (APS de Juina, Juara e Colniza) na obrigação de se abster de considerar o critério etário para indeferimento do benefício de salário-maternidade às mães indígenas com base tão somente no critério etário.
É como voto.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)0001301-67.2017.4.01.3606
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL PARA INDÍGENAS MÃES MENORES DE DEZESSEIS ANOS. ALEGAÇÃO DE PERDA DE OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 657 DO STJ. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STF, STJ E TRF1. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1. Trata-se de recurso de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido, no bojo de Ação Civil Pública, objetivando impedir que o Instituto Nacional do Seguro Social indefira benefício previdenciário de salário-maternidade, na condição de seguradas especiais, às mães indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, baseando-se apenas no critério etário para a negativa, nos municípios de Juína, Juara e Colniza, no Estado do Mato Grosso.
2. Em síntese, o INSS sustenta que: a) não há previsão em lei ou na Constituição Federal para o reconhecimento como segurado especial de menor de 16 (dezesseis) anos; b) há vedação expressa na Constituição quanto ao trabalho para os menores de 16 (dezesseis) anos, admitido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos apenas na condição de aprendiz; c) não há discriminação legal para considerar os indígenas como segurados especiais antes dos 16 (dezesseis anos); d) houve usurpação do Poder Legislativo; e) foi desrespeitado o princípio da prévia fonte de custeio e f) não houve qualquer ilegalidade na não concessão de salário-maternidade para indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, mas, sim, o exercício regular de direito.
3. Posteriormente, a própria Autarquia sustentou ter havido a perda do objeto desta Ação Civil Pública, em petição incidental, devido à existência do trânsito em julgado de outra Ação Civil Pública de n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, com abrangência nacional, que deferiu pedido do Ministério Público Federal para corrigir irregularidades perpetradas pelo INSS ao não reconhecer o tempo de serviço e de contribuição resultante da atividade abrangida pela Previdência Social realizada pelo segurado obrigatório com idade inferior à legalmente aceita ao trabalho.
4. De início, afasta-se a alegação da Autarquia, uma vez que a Ação Civil Pública de n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS possui objeto diverso desta ACP. Enquanto a ACP do Rio Grande do Sul trata especificamente de tempo de contribuição e de serviço, para segurados obrigatórios, o presente caso trata de benefício previdenciário de salário-maternidade para indígenas menores de dezesseis anos, tendo, portanto, objetos diversos.
5. Quanto ao argumento de que não há previsão em lei ou na Constituição Federal para o reconhecimento como segurado especial de menor de 16 (dezesseis) anos, este não merece prosperar, uma vez que também não há vedação expressa nestes Diplomas quanto ao requisito etário mínimo para se considerar o trabalhador como segurado especial. A jurisprudência é pacífica no sentido de que cabe o reconhecimento da condição de segurado especial de menores de dezesseis anos e a própria Autarquia, em sua petição incidental, admite que já está seguindo esse posicionamento para conceder benefícios previdenciários relativos a tempo de contribuição e tempo de serviço.
6. A respeito da vedação expressa na Constituição quanto ao trabalho para os menores de 16 (dezesseis) anos, admitido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos apenas na condição de aprendiz, a jurisprudência já consolidada também revela que a garantia constitucional de vedação ao trabalho infantil deve ser para a proteção do menor, e não ser utilizada para prejudicá-lo ao não reconhecer direitos quando o trabalho tiver sido efetivamente exercido. Precedentes.
7. Quanto ao argumento de que não há discriminação legal para considerar os indígenas como segurados especiais antes dos 16 (dezesseis anos), o princípio da isonomia material, com previsão constitucional, é utilizado para justificar discriminação positiva (ações e políticas afirmativas), justamente para aplicar a fórmula já bastante conhecida de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”. Não há necessidade de previsão específica em regra jurídica para a aplicação do princípio, uma vez que nosso sistema constitucional é composto de normas jurídicas, divididas em princípios e regras, sendo impossível ao legislador prever uma regra discriminante específica para cada caso concreto. Nesses casos, os princípios, revestidos de um caráter mais amplo, são aplicados no caso concreto para interpretar as regras já dispostas.
8. Passando ao próximo ponto, a alegação de que houve usurpação do Poder Legislativo também não prospera, já que o Poder Judiciário foi provocado pela Defensoria Pública para solucionar um caso concreto e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, de natureza constitucional e processual, obriga o Poder Judiciário a analisar as causas que lhe são submetidas. Conforme ensinam Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, "o juiz não pode furtar-se a realizar a prestação da atividade jurisdicional, alegando a inexistência de lei". Alertam, ainda, que "a expressão lei deve ser entendida como ordenamento jurídico, na sua total extensão, ou seja, conjunto de normas jurídicas vigentes, compreendendo regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais". (SOARES; DIAS, 2012, p. 13).
9. Quanto ao possível desrespeito ao princípio da prévia fonte de custeio, o Parecer Conjunto n.º 01/2016/SUBGRUPO OS e n.º 30/2014/DEPCONSU/PGF/AGU, conclui que: "22. O que o dispositivo prevê é não apenas a extensão do RGPS aos indígenas, mas também a necessidade de se atender quando dessa extensão às condições sociais, econômicas e culturais das comunidades indígenas. Há, portanto, lei específica que relaciona o RGPS e sua aplicação aos índios, de acordo com suas condições, o que supera a exigência constitucional de prévia fonte de custeio e atende ao princípio da seletividade".
10. Por fim, a sustentação de que não houve qualquer ilegalidade na não concessão de salário-maternidade para indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, apenas exercício regular de direito, também não merece prosperar, tendo em vista que não há qualquer vedação na Lei, Constituição Federal ou Regulamento da Previdência Social, de reconhecimento da condição de segurado especial a menor de dezesseis anos, baseando-se exclusivamente no requisito etário.
11. O caso presente, portanto, é de manutenção da sentença proferida, tendo em vista que trata de objetos diversos e a tutela é devida, em especial porque está de acordo com a Súmula 657 do STJ, que dispõe expressamente que: "Atendidos os requisitos de segurada especial no RGPS e do período de carência, a indígena menor de 16 anos faz jus ao salário-maternidade".
12. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado
