
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:SEVERA ROSA DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: FRANCYSLLANNE ROBERTA LIMA FERREIRA - PI6541-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1024904-14.2019.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERA ROSA DA SILVA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) em face de sentença que julgou procedente o pedido para declarar a inexigibilidade de cobrança dos valores referentes ao período de recebimento indevido do benefício previdenciário com a interrupção imediata dos descontos e, por consequência, condenar o réu à devolução dos valores já descontados da requerente com relação à cobrança declarada inexigível com juros e correção monetária.
Nas suas razões recursais (ID 31998045, fls. 93 a 114), o INSS requer a reforma da sentença para que mantenha a cobrança administrativa até o pagamento integral dos valores recebidos indevidamente pela parte autora e não seja obrigado a devolver os já cobrados.
As contrarrazões não foram apresentadas.
É o relatório.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1024904-14.2019.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERA ROSA DA SILVA
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp. 1735097/RS e REsp. 1844937/PR).
O pleito do INSS é pela legalidade do desconto administrativo de valores recebidos de forma indevida por concessão de dois benefícios previdenciários não cumulativos à parte autora.
Preliminarmente, sustenta a Autarquia a incompetência da Justiça Estadual para julgar a lide, uma vez que seria caso de débito de natureza fiscal, e não de benefício previdenciário. A preliminar deve ser rejeitada. Compulsando os autos, fica claro que o pedido da ação refere-se à cobrança administrativa do INSS de valores recebidos a título de benefício previdenciário que seriam indevidos, com a declaração de inexigibilidade do débito, devolução das parcelas de benefício previdenciário descontadas e suspensão de novas cobranças. Portanto, a natureza da causa é eminentemente relacionada a benefício previdenciário e sua cobrança pelo INSS.
Alega, em síntese, o INSS que a parte autora tinha ciência que estava recebendo benefício indevido, que a boa-fé para devolução dos valores recebidos indevidamente é irrelevante, faz referência ao processo administrativo a qual teria sido submetida a parte autora e que teria concluído pela houve fraude perpetuada pela parte autora ao se declarar como segurada especial para obter aposentadoria por idade rural a qual não tinha direito, houve enriquecimento ilícito, que houve comprovação de má-fé pela parte autora, que há a possibilidade de cobrança administrativa e a prevalência do interesse público.
De acordo com os autos, a parte autora requereu benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, concedida em 01/06/1992. Posteriormente, em 06/05/2003, a parte autora solicitou o benefício de aposentadoria por idade urbana, ocasião em que a Autarquia percebeu que o benefício de aposentadoria por idade rural foi concedido indevidamente.
Após processo administrativo para apurar as circunstâncias em que foi deferido o primeiro benefício, o INSS passou a descontar do benefício de aposentadoria urbana valores referentes ao período em que recebeu a aposentadoria rural indevidamente em 2003.
No entanto, após ser intimado, o INSS admitiu que não possui o processo administrativo em seu acervo, portanto, as possíveis conclusões apresentadas naqueles autos não podem ser atestadas e, por isso, não se pode atribuir uma possível má-fé ou fraude ocorrida pela parte autora sem as devidas provas, utilizando-se apenas do que foi alegado pela Autarquia. Conforme entendimento consolidado, a má-fé não se presume, e sim, se prova. No caso dos autos, não foi comprovada a má-fé da segurada, que, sem dúvidas, foi beneficiada, mas não há provas de que concorreu para a fraude.
A simples alegação de que a parte autora deveria saber que o período em que foi concedido a ela benefício como rural, ela era segurada urbana, não é o suficiente para provar a intenção de fraudar a Previdência. Acolher tal argumento seria considerar que a má-fé é presumida, indo totalmente contra ao ensinado pelo Ordenamento Jurídico pátrio.
Além disso, conforme salientado na sentença, a Autarquia tinha em seu poder todos os documentos da parte autora e, ao não conferir que havia registros no seu CNIS de vínculos empregatícios urbanos, houve erro administrativo por parte do INSS ao conceder o benefício.
Considerando a boa-fé da parte autora, presumível, os valores são irrepetíveis, tendo em vista que a situação em concreto ocorreu antes do julgamento do Tema 979 do STJ que fixou a seguinte Tese no em precedente qualificado no julgamento do REsp 1381734/RN:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Houve modulação dos efeitos para os processos propostos antes de 23/04/2021, que é o caso dos autos, nos seguintes termos:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo, somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
Assim, para os processos ajuizados antes de 23/04/2021, deve ser comprovada a má-fé da parte autora para que sejam ressarcidos as parcelas indevidamente recebidas. Assim, segundo entendimento desta Corte, os valores são irrepetíveis.
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979 STJ. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. RESSARCIAMENTO AO ERÁRIO INDEVIDO. 1. O cerne da controvérsia trazida à análise diz respeito à aferição do alegado direito da parte autora à irrepetibilidade dos valores recebidos de modo indevido a título de aposentadoria por tempo de contribuição e à devolução dos valores eventualmente descontados pela autarquia previdenciária. 2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social modificou em parte seu entendimento, em regime de recursos repetitivos, estabelecendo que com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido ( Recurso Especial 1.381.734/RN, Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 23/04/2021 - Tema Repetitivo 979/STJ). Houve a modulação dos efeitos do julgado para atingir somente os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de 24 de abril de 2021, data da publicação do acórdão. 3. Após a revisão ou anulação do ato concessório, somente está autorizada a cobrança dos valores pagos ao titular do benefício revisto ou anulado no caso de comprovada má-fé do beneficiário. Não basta a alegação de fraude ou mesmo sua constatação em procedimento administrativo interno da autarquia previdenciária, sendo necessária a comprovação, mediante processo administrativo ou mesmo criminal, da existência da fraude e, mais ainda, de que o segurado tenha agido com dolo de executá-la. 4. Na hipótese, o processo foi distribuído na primeira instância na data de 11/09/2015. Verifica-se nos autos que houve pagamento indevido à parte autora a título de aposentadoria por tempo de contribuição. Porém, o segurado não contribuiu para a interpretação equivocada da autarquia previdenciária e, portanto, não há que se falar em má-fé e obrigatoriedade de restituição dos valores percebidos, em homenagem aos princípios da irrepetibilidade das verbas alimentares e da presunção de boa-fé. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF-1 - AC: 00028811520154013312, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, Data de Julgamento: 14/09/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 14/09/2022 PAG PJe 14/09/2022 PAG)
Dessa forma, a sentença proferida, que julgou procedente a inexigibilidade de cobrança dos valores referentes ao período de recebimento indevido do benefício previdenciário com a interrupção imediata dos descontos, deve ser mantida neste ponto.
Quanto à devolução dos valores já descontados, não há que se falar em determinação da devolução de valores eventualmente já descontados, o que implicaria novamente fazer com que a autarquia previdenciária efetuasse pagamento reconhecidamente indevido, não sendo admissível que, sob manto da proteção à boa-fé, se albergue a possibilidade de enriquecimento ilícito.
É também como entende esta Turma, vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. STJ. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CUMULADO COM PENSÃO POR MORTE. BOA-FÉ DO SEGURADO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO INDEVIDO. 1. O cerne da controvérsia trazida à análise diz respeito à aferição do alegado direito da parte autora à irrepetibilidade dos valores recebidos de modo indevido a título de percepção indevida de benefício assistencial cumulado com pensão por morte e à devolução dos valores eventualmente descontados pela autarquia previdenciária. 2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social modificou em parte seu entendimento, em regime de recursos repetitivos, estabelecendo que com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido ( Recurso Especial 1.381.734/RN, Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 23/04/2021 - Tema Repetitivo 979/STJ). Houve a modulação dos efeitos do julgado para atingir somente os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de 24 de abril de 2021, data da publicação do acórdão. 3. Após a revisão ou anulação do ato concessório, somente está autorizada a cobrança dos valores pagos ao titular do benefício revisto ou anulado no caso de comprovada má-fé do beneficiário. Não basta a alegação de fraude ou mesmo sua constatação em procedimento administrativo interno da autarquia previdenciária, sendo necessária a comprovação, mediante processo administrativo ou mesmo criminal, da existência da fraude e, mais ainda, de que o segurado tenha agido com dolo de executá-la. 4. Na hipótese, o processo foi distribuído na primeira instância na data de 20/06/2018. Verifica-se nos autos que houve pagamento indevido à parte autora a título de benefício assistencial. Porém, o segurado não contribuiu para a interpretação equivocada da autarquia previdenciária e, portanto, não há que se falar em má-fé e obrigatoriedade de restituição dos valores percebidos, em homenagem aos princípios da irrepetibilidade das verbas alimentares e da presunção de boa-fé 5. Não há que se falar em determinação da devolução de valores eventualmente já descontados, o que implicaria novamente fazer com que a autarquia previdenciária efetuasse pagamento reconhecidamente indevido, não sendo admissível que sob manto da proteção à boa-fé se albergue a possibilidade de enriquecimento ilícito. ( AC 0037946-45.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Rel. Conv. Juiz Federal Cleberson José Rocha (conv.) Segunda Turma, e-DJF1 de 10/03/2016). 6. Sem honorários recursais, na forma do art. 85, § 11º, do CPC porquanto não preenchidos os requisitos simultâneos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça para sua aplicação (cf. AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017). 7. Apelação parcialmente provida, nos termos do item 5. (TRF-1 - AC: 10041265720184019999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, Data de Julgamento: 14/09/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 14/09/2022 PAG PJe 14/09/2022 PAG)
Mantenho a verba honorária fixada na sentença. Deixo de majorar os honorários advocatícios, em face do entendimento firmado pelo STJ no Tema 1.059 (Resp. n. 1865663/PR), segundo o qual a aplicação da norma inserta no art. 85, §11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, mantendo hígida a sentença que julgou procedente a inexigibilidade de cobrança dos valores referentes ao período de recebimento indevido do benefício previdenciário com a interrupção imediata dos descontos, porém os descontos já realizados não deverão ser devolvidos pela Autarquia, reformando-se a sentença quanto a esse ponto.
É como voto.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1024904-14.2019.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERA ROSA DA SILVA
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO E DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS JÁ DESCONTADAS. CUMULAÇÃO INDEVIDA DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL E APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. APLICAÇÃO DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO TEMA 979 DO STF. AÇÃO ANTERIOR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS. INDEVIDA. SENTENÇA REFORMADA NESTE PONTO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O pleito do INSS é pela legalidade do desconto administrativo de valores recebidos de forma indevida por concessão de dois benefícios previdenciários não-cumulativos à parte autora.
2. Preliminarmente, sustenta a Autarquia a incompetência da Justiça Estadual para julgar a lide, uma vez que seria caso de débito de natureza fiscal, e não de benefício previdenciário. A preliminar deve ser rejeitada. Compulsando os autos, fica claro que o pedido da ação refere-se à cobrança administrativa do INSS de valores recebidos a título de benefício previdenciário que seriam indevidos, com a declaração de inexigibilidade do débito, devolução das parcelas de benefício previdenciário descontadas e suspensão de novas cobranças. Portanto, a natureza da causa é eminentemente relacionada a benefício previdenciário e sua cobrança pelo INSS.
3. Alega, em síntese, o INSS que a parte autora tinha ciência que estava recebendo benefício indevido, que a boa-fé para devolução dos valores recebidos indevidamente é irrelevante, faz referência ao processo administrativo a qual teria sido submetida a parte autora e que teria concluído pela fraude perpetuada pela parte autora ao se declarar como segurada especial para obter aposentadoria por idade rural à qual não tinha direito, que houve enriquecimento ilícito, que houve comprovação de má-fé pela parte autora, que há a possibilidade de cobrança administrativa e a prevalência do interesse público.
4. De acordo com os autos, a parte autora requereu benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, que foi concedida em 01/06/1992. Posteriormente, em 06/05/2003, a parte autora solicitou o benefício de aposentadoria por idade urbana, ocasião em que a Autarquia percebeu que o benefício de aposentadoria por idade rural foi concedido indevidamente. Após processo administrativo para apurar as circunstâncias em que foi deferido o primeiro benefício, o INSS passou a descontar do benefício de aposentadoria urbana valores referentes ao período em que recebeu a aposentadoria rural indevidamente em 2003.
5. No entanto, após ser intimado, o INSS admitiu que não possui o processo administrativo em seu acervo, portanto, as possíveis conclusões apresentadas naqueles autos não podem ser atestadas e, por isso, não se pode atribuir uma possível má-fé ou fraude ocorrida pela parte autora sem as devidas provas, utilizando-se apenas do que foi alegado pela Autarquia. Conforme entendimento consolidado, a má-fé não se presume, e sim se prova. No caso dos autos, não foi comprovada a má-fé da segurada, que, sem dúvidas, foi beneficiada, mas não há provas de que concorreu para a fraude. A simples alegação de que a parte autora deveria saber que o período em que foi concedido a ela benefício como rural, ela era segurada urbana, não é o suficiente para provar a intenção de fraudar a Previdência. Acolher tal argumento seria considerar que a má-fé é presumida, indo totalmente contra ao ensinado pelo Ordenamento Jurídico pátrio. Além disso, conforme salientado na sentença, a Autarquia tinha em seu poder todos os documentos da parte autora e, ao não conferir que havia registros no seu CNIS de vínculos empregatícios urbanos, houve erro administrativo por parte do INSS ao conceder o benefício.
6. Considerando a boa-fé da parte autora, presumível, os valores são irrepetíveis, tendo em vista que a situação em concreto ocorreu antes do julgamento do Tema 979 do STJ que fixou a seguinte Tese no em precedente qualificado no julgamento do REsp 1381734/RN: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". Houve modulação dos efeitos para os processos propostos antes de 23/04/2021, que é o caso dos autos, nos seguintes termos: "Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo, somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão". Assim, para os processos ajuizados antes de 23/04/2021, deve ser comprovada a má-fé da parte autora para que sejam ressarcidos as parcelas indevidamente recebidas. Precedentes.
7. Dessa forma, a sentença proferida, que julgou procedente a inexigibilidade de cobrança dos valores referentes ao período de recebimento indevido do benefício previdenciário com a interrupção imediata dos descontos, deve ser mantida nesse ponto.
8. Quanto à devolução dos valores já descontados, não há que se falar em determinação da devolução de valores eventualmente já descontados, o que implicaria novamente fazer com que a autarquia previdenciária efetuasse pagamento reconhecidamente indevido, não sendo admissível que, sob manto da proteção à boa-fé, se albergue a possibilidade de enriquecimento ilícito. Precedentes.
9. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTOao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado
