
POLO ATIVO: RAIMUNDO ALVARO COSTA
POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros
RELATOR(A):DANIELE MARANHAO COSTA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta por Raimundo Álvaro da Costa contra sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor do ora recorrente e mais dois agentes públicos (servidoras do INSS), reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva das sanções do art. 12 da Lei 8.429/92, julgou procedente o pedido remanescente de ressarcimento ao erário no valor de R$ 7.812,13 (sete mil, oitocentos e doze reais e treze centavos), com fulcro no art. 37, §5º, da Constituição Federal, ante a alegada concessão indevida de benefício previdenciário ao apelante por meio da inserção de informações falsas de vínculos empregatícios para fins de obtenção de aposentadoria.
Nas razões recursais, o apelante diz que foi absolvido nos autos do processo criminal n. 25248-09.2010.4.01.3700, sendo a razão de sua absolvição o fato de o MPF não ter logrado êxito em demonstrar a presença de dolo ou culpa em sua conduta
Contrarrazões apresentadas.
A Procuradoria-Regional da República da 1ª Região apresentou parecer, opinando pelo não provimento da apelação.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO (RELATORA):
Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por Raimundo Álvaro da Costa contra sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor do ora recorrente e mais dois agentes públicos (servidoras do INSS), reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva das sanções do art. 12 da Lei 8.429/92, julgou procedente o pedido remanescente de ressarcimento ao erário no valor de R$ 7.812,13 (sete mil, oitocentos e doze reais e treze centavos), com fulcro no art. 37, §5º, da Constituição Federal, ante a alegada concessão indevida de benefício previdenciário ao apelante por meio da inserção de informações falsas de vínculos empregatícios para fins de obtenção de aposentadoria.
O tema da prescrição em relação aos pedidos de ressarcimento ao erário, como cediço, foi examinado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 852.475, que definiu a tese da imprescritibilidade nos atos ímprobos dolosos, oportunidade em que determinou o retorno dos autos para que o juízo de origem examinasse somente a “pretensão de ressarcimento”, conforme trechos da ementa a seguir transcritos:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO.
[...] 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento.
(RE 852.475, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, Public. 25/03/2019).
Também sobre o dano ao erário, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, no julgamento do REsp n. 1.901.271/MT, anteriormente às inovações da Lei n. 14.230/2021, fixou a tese da possibilidade da continuidade do feito quanto ao pedido de ressarcimento ao erário, mesmo após a consumação da prescrição das demais condutas ímprobas (REsp n. 1.901.271/MT, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 22/9/2021, DJe de 13/10/2021 - grifei).
Admissível, assim, a análise e julgamento da pretensão do apelante em relação à pretensão de ressarcimento ao erário, mesmo na hipótese em que se reconheça a prescrição da pretensão em relação à condenação da parte requerida nas sanções contidas na lei de improbidade administrativa.
Não obstante seja admissível a análise e julgamento da pretensão de ressarcimento ao erário, o STF, por meio do julgamento do RE n. 852.475 – Tema 897 – RG, firmou orientação no sentido de que somente será acolhido o referido pleito quando ficar demonstrado nos autos a presença do elemento subjetivo da conduta (dolo:
São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
No caso em apreço, a sentença condenatória, embora tenha consignado que as servidoras do INSS teriam agido “pelo menos, com culpa” ao não verificarem a existência de irregularidades nos documentos que acompanharam o pedido de benefício, concluiu que a existência de rasura em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) seria prova suficiente do acréscimo doloso de tempo fictício de trabalho e que tal ato não teria sido realizado sem o consentimento do réu, já que a concessão irregular de benefício previdenciário pressupõe uma contraprestação dada pelo responsável pelo seu deferimento, sendo inimaginável uma modificação gratuita de tais dados.
Contudo, não há nos autos indícios suficientes de que o recorrente teria atuado em liame subjetivo com as demais rés, ou em conluio com terceiros, com o objetivo de obter benefício previdenciário indevidamente, conclusão que é reforçada pela absolvição do réu em âmbito criminal (ação de n. 00025084-73.2010-4.01.3700), pela imputação dos mesmos fatos, à míngua de provas suficientes para a condenação.
Não obstante a independência das instâncias cível e penal, tenho que o juízo criminal bem examinou o caso, concluindo que, embora a materialidade delitiva tenha sido demonstrada, o acervo probatório não logrou demonstrar a presença de dolo na conduta do réu.
Confira-se (Id. 253737099 – fls. 47/56 – fls. 1.750/1759 dos autos digitalizados):
(...) em seu interrogatório (fis. 326), RAIMUNDO ÁLVARO aduz que se dirigiu à Agência da Previdência Social situada na Cohab, na qual, após uma simulação, teriam lhe informado que faltavam apenas seis meses para que completasse o tempo de contribuição necessário para se aposentar. Após trabalhar os ditos seis meses, ele teria conhecido o acusado LUCAS ISAIAS, o qual se prontificou a conseguir a aposentadoria. O denunciado, então, mesmo após certo receio, teria entregado de boa-fé seus documentos a LUCAS, sem saber que este se valeria de fraude para lograr a concessão do benefício. Afirmou que pagou R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais) pelo serviço de LUCAS, sendo R$ 200,00 (duzentos reais) antes e R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) depois de receber o benefício. Disse que o valor do benefício Iniciou em cerca de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais). Declarou, ainda, que atualmente está aposentado.
O Ministério Público Federal, no entanto, considera inverossímil a versão apresentada pela defesa. Argumenta que, se o acusado Raimundo verdadeiramente acreditava que havia trabalhado o tempo de serviço necessário para obter o benefício, razão não haveria para se valer da intermediação de desconhecido, ainda mais pagando uma quantia superior ao valor mensal recebido em decorrência da aposentadoria.
A despeito das ponderações ministeriais, não ficou provado que o acusado tinha consciência do ardil que propiciou a concessão do benefício previdenciário do qual foi titular. Não se pode ignorar a capacidade que tarimbados estelionatários têm de induzir a erro os mais incautos, conferindo aparência de legitimidade a um proveito que, na verdade, se origina de artimanha fraudulenta, o que pode ter sido o caso do réu RAIMUNDO ÁLVARO.
Por outro lado, a entrega de valor ao atravessador de benefícios não significa que o réu sabia que o benefício era ilegal. É razoável supor que o tivesse feito a título de pagamento por serviços especializados de pessoa versada na legislação previdenciária, bem como pela intermediação do requerimento do benefício (serviço de despachante). Ora, não há crime em confiar documentos a outra pessoa para que formule requerimento de aposentadoria adequadamente instruído, tampouco em remunerar tal serviço.
Ademais, a circunstância de não ter o acusado acompanhado pessoalmente o requerimento de aposentadoria agrava ainda mais a incerteza em torno da autoria
No interrogatório realizado na fase de Investigação Preliminar (fis. 93/95), Raimundo Álvaro afirmou que a assinatura aposta no Requerimento de Benefícios do INSS (fis. 05) não é sua. Tal alegação foi confirmada pelo Laudo de Exame Docurnentoscópico (Grafotécnico), cuja conclusão foi a de que "[...] a peça questionada [o requerimento de benefícios] não foi escrita por Raimundo Álvaro Costa" (19s. 120/123).
Além do mais, Raimundo Álvaro declarou em juízo (lis. 326) que quando recebeu seus documentos originais de Lucas, os quais tinham sido entregues a ele para que fossem retiradas suas fotocópias, não identificou neles quaisquer espécies de alteração, sobretudo na Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Com efeito, a CTPS original do denunciado não apresenta sinal da adulteração que consubstanciou a fraude: a anotação do vínculo empregatício com a Indústria Brasileira de Alumínio com data de inicio em 03/09/1967. O cotejo entre a CTPS original (fis. 328/345) e aquela apresentada na solicitação do benefício (lis. 08, 11/30) evidencia tal conclusão. Portanto, é razoável a alegação do réu Raimundo Álvaro no sentido de não ter conhecimento da fraude que propiciou o benefício.
Como se observa, a conclusão a que chegou o juízo criminal com base nas mesmas provas produzidas na presente ação, afigura-se mais consentânea com a verdade real buscada no processo, já que, de fato, não há indício de liame subjetivo de fraude entre o réu e o despachante a quem foi entregue a documentação visando à obtenção do benefício previdenciário, sendo plausível a tese defensiva de que o ora apelante teria sido induzido a erro pelo intermediador, o qual, sem sua permissão ou conhecimento, pode ter rasurado a cópia de sua CTPS com aposição de vínculo empregatício inexistente.
Ademais, consoante bem apontado pela Defensoria Pública da União nas razões da apelação, "pouco depois do cancelamento de sua aposentadoria decorrente de requerimento fraudulento, ingressou com novo pedido junto à autarquia previdenciária, sendo concedido novamente o benefício." Aquiesce-se, assim, que seria "ilógico assumir que o apelante aceitaria atrair para si o risco de condenações cíveis e criminais apenas para obter algo a que o próprio INSS reconhece seu pleno direito."
Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de ressarcimento ao erário.
É o voto.
Desembargadora FederalDaniele Maranhão
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GAB. 30 - DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0025084-73.2012.4.01.3700
APELANTE: RAIMUNDO ALVARO COSTA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. CONTINUIDADE DA AÇÃO EM RELAÇÃO À PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ART. 37, §5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOLO ESPECÍFICO EM LESAR O ERÁRIO. TEMA 897 DO STF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Trata-se de apelação interposta por Raimundo Álvaro da Costa contra sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor do ora recorrente e de mais dois agentes públicos (servidoras do INSS), reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva das sanções do art. 12 da Lei 8.429/92, julgou procedente o pedido remanescente de ressarcimento ao erário no valor de R$ 7.812,13 (sete mil, oitocentos e doze reais e treze centavos), com fulcro no art. 37, §5º, da Constituição Federal, ante a alegada concessão indevida de benefício previdenciário ao apelante por meio da inserção de informações falsas de vínculos empregatícios para fins de obtenção de aposentadoria.
2. Conforme tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 852.475 – Tema 897, “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.
3. No caso em apreço, a sentença condenatória, embora tenha consignado que as servidoras do INSS teriam agido “pelo menos, com culpa” ao não verificarem a existência de irregularidades nos documentos que acompanharam o pedido de benefício, consignou que a existência de rasura na CTPS do ora recorrente seria prova suficiente do acréscimo doloso de tempo fictício de trabalho e que tal ato não teria sido realizado sem o consentimento do réu, já que a concessão irregular de benefício previdenciário pressupõe uma contraprestação dada pelo responsável pelo seu deferimento, sendo inimaginável uma modificação gratuita de tais dados.
4. Contudo, não há nos autos nenhum indício de que o requerido teria atuado em liame subjetivo com as demais rés, ou em conluio com terceiros, com o objetivo de obter benefício previdenciário indevidamente, conclusão que é reforçada pela sua absolvição em âmbito criminal (ação de n. 00025084-73.2010-4.01.3700), pela imputação dos mesmos fatos, à míngua de provas suficientes para a condenação.
5. Apelação a que se dá provimento para absolver o apelante da sanção de ressarcimento ao erário.
ACÓRDÃO
Decide a Décima Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da relatora.
Desembargadora Federal Daniele Maranhão
Relatora
