
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOURDES DOS SANTOS SOUSA DE LIMA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: KELYS BARBOSA DA SILVEIRA - TO5599-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1006597-36.2024.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0005237-31.2022.8.27.2713
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
A parte autora propôs ação ordinária contra o INSS, a fim de obter benefício assistencial ao idoso.
Sentença (fl. 229) prolatada pelo MM. Juiz a quo julgando procedente o pedido inicial, condenou o INSS à concessão do benefício desde a data do requerimento administrativo. Com antecipação de tutela.
Apelou o INSS (fl. 241), sustentando o não cumprimento dos requisitos exigidos para a concessão do benefício postulado, notadamente, porque, no caso dos autos, a renda per capita do grupo familiar ultrapassa a meio salário mínimo e que a família é beneficiária de auxílio assistencial do Governo Federal – Auxílio Brasil, e que tais valores devem ser contabilizados para fins de cálculo da renda per capita familiar, para fins de concessão de LOAS idoso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1006597-36.2024.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0005237-31.2022.8.27.2713
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial a idoso.
Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016)
serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
Prescrição
A prescrição atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
Requerimento administrativo
Nos termos do entendimento firmado pelo e. STF no RE 631240, em sede de repercussão geral, exige-se o prévio requerimento administrativo para a propositura de ação judicial em que se pretende a concessão de benefício previdenciário. Entretanto, para as ações ajuizadas até a data daquele julgamento, a insurgência de mérito do INSS caracteriza o interesse de agir da parte autora, porque estaria configurada a resistência ao pedido, sendo prescindível, nesse caso, a provocação administrativa.
No caso, consta o requerimento administrativo à fl. 20 – 01.03.2022.
Mérito
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei n. 8.742/93, no art.20, prevêem a prestação de assistência social a portador de deficiência física ou a idoso, desde que seja constatado não ter ele meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família. Há presunção legal de que a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo não é capaz de promover de forma digna a manutenção do membro idoso ou portador de deficiência física (§ 3º, art. 20, Lei n. 8.742/93).
Tratando-se de pedido de benefício assistencial ao idoso, são dois os requisitos: idade superior a 65 anos e a renda familiar no limite legal estabelecido.
No que toca à renda familiar per capita, o Plenário do STF manifestou-se, por ocasião da ADIN n. 1.232-1/DF, no sentido de que a lei estabeleceu hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, contudo, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição. Para tal, cite-se outros benefícios de cunho assistencial instituídos posteriormente com critério objetivo de renda familiar per capita inferior a ½ do salário mínimo (Lei n. 10.689/2003 e Lei n. 9.533/1997). O que demonstrou o objetivo de salvaguarda do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em recurso repetitivo, que, assim como o benefício assistencial pago a um integrante da família não deve ser considerado para fins de renda per capita, nos termos do parágrafo único do art. 34 da Lei n. 10.741/2003, os benefícios previdenciários de até um salário mínimo, pagos a pessoa maior de 65 anos, não deverão ser considerados. (REsp 1.112.557/MG, rel. Mi. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20/11/2009).
Do mesmo modo, o art. 20 da Lei n. 8.742/93 foi alterado pela Lei n. 13.982/2020, que introduziu o §14 ao mesmo artigo e assim dispôs:
Art. 20 (...)
§ 14 O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Assim, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deve ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente. (AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
Importante consignar que, fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, à qual incumbe apresentar meios capazes de incutir no julgador a convicção de sua vulnerabilidade social.
Nos termos do art. 20, § 1o, da Lei n. 8.742/93, com redação dada pela Lei n. 12.435/2011, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Dessa forma, entende-se que "são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica" (REsp n. 1.538.828/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe de 27/10/2017.)
Quanto ao recebimento de rendas assistenciais de programas governamentais (Bolsa Família, Auxílio Brasil e outros), tem-se que tais verbas também não devem ser contabilizadas para fins de cálculo da renda per capita para recebimento de benefício de prestação continuada. O STF, em sede de repercussão geral (RE 567985 e 580963) entendeu que o art. 20§ 3° da Lei n. 8.742/93 passou por um processo de “inconstitucionalização”, considerando o critério previsto na LOAS encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, tendo em vista as mudanças no contexto socioeconômico do país:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentacao; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF - RE: 567985 MT, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 18/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03- 10-2013). Grifo nosso
A renda familiar informada deve garantir as necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene, moradia e saúde.
Caso dos autos
A parte autora cumpriu o requisito de idade superior a 65 anos (fl. 22), quando do requerimento administrativo.
O laudo social (fls. 75) demonstrou que o núcleo familiar da parte autora é composto pela autora, o esposo e a enteada do filho, menor com 14 anos. O esposo, idoso, recebe aposentadoria por idade rural. Todos idosos e doentes, e todos recebem aposentadoria por idade rural pelo INSS. O laudo também relata que a autora é diabética, hipertensa e apresenta mioma uterino em sangramento, necessitando de cirurgia de urgência, que a impede de realizar as tarefas diárias.
Insta frisar que, consoante entendimento esposado pelo STJ e citado acima, os benefícios previdenciários de até um salário mínimo, pagos a pessoa maior de 65 anos, não devem ser considerados para fins de renda per capita, nos termos do art. 34 da Lei n. 10.741/2003 ( REsp 1.112.557/MG, rel. Mi. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20/11/2009).
Da mesma forma, o fato de a família receber Auxílio Brasil, não configura óbice à concessão do LOAS idoso, porquanto trata-se de programa de transferência de rendas, é assente pela jurisprudência que o referido valor não deve ser considerado na análise do direito ao BPC idoso, consoante fundamentação acima.
Vulnerabilidade social constatada.
A parte autora faz jus, portanto, ao benefício assistencial postulado.
Data inicial do benefício
Nos termos da Lei n. 8.213/91, artigo 49, I, “b”, o benefício vindicado é devido a partir da data do requerimento administrativo, observada a prescrição qüinqüenal.
Consectários
Atrasados: correção monetária e os juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos, desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC/2015.
Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piaui (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020).
Em se tratando de causas ajuizadas perante a Justiça Federal, o INSS está isento de custas por força do art. 4º, inc. I, da Lei n. 9.289/96.
Conclusão
Em face do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1006597-36.2024.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0005237-31.2022.8.27.2713
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES DOS SANTOS SOUSA DE LIMA
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA IDOSA. LEI N. 8.742/93. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. RECONHECIMENTO. MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR QUE RECEBE BENEFÍCIO DE ATÉ UM SALÁRIO MÍNIMO E/OU PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. A prescrição atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
2. O benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
3. A família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é capaz de prover de forma digna a manutenção do membro idoso ou portador de deficiência física (§ 3º, art. 20, Lei n. 8.742/93). Contudo, o legislador não excluiu outras formas de verificação da condição de miserabilidade. Precedentes do STJ, da TNU e desta Corte.
4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação n. 4374/PE, sinalizou compreensão no sentido de que o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo não é mais aplicável, motivo pelo qual a miserabilidade deverá ser aferida pela análise das circunstâncias concretas do caso analisado.
5. A parte autora cumpriu o requisito de idade superior a 65 anos (fl. 22), quando do requerimento administrativo.
6. O laudo social (fls. 75) demonstrou que o núcleo familiar da parte autora é composto pela autora, o esposo e a enteada do filho, menor com 14 anos. O esposo, idoso, recebe aposentadoria por idade rural. Todos idosos e doentes, e todos recebem aposentadoria por idade rural pelo INSS. O laudo também relata que a autora é diabética, hipertensa e apresenta mioma uterino em sangramento, necessitando de cirurgia de urgência, que a impede de realizar as tarefas diárias.
7. Consoante entendimento esposado pelo STJ, em sede de recurso repetitivo, assim como o benefício assistencial pago a um integrante da família, os benefícios previdenciários de até um salário mínimo, pagos a pessoa maior de 65 anos, não devem ser considerados para fins de renda per capita, nos termos do art. 34 da Lei n. 10.741/2003 (REsp 1.112.557/MG, rel. Mi. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20/11/2009).
8. O fato de a família receber Auxílio Brasil, não configura óbice à concessão do LOAS idoso, porquanto trata-se de programa de transferência de rendas, sendo assente pela jurisprudência que o referido valor não deve ser considerado na análise do direito ao BPC idoso. (STF, RE: 567985 MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe 03.10.2013).
9. DIB a contar do requerimento administrativo.
10. Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
11. Honorários de advogado majorados em dois pontos percentuais, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015 e da tese fixada no Tema 1.059/STJ.
12. Apelação do INSS não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator