
POLO ATIVO: MARCIO LUIZ CAMPOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FABRICIO CANDIDO DO NASCIMENTO RODRIGUES - GO46858-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1007541-09.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5545596-85.2019.8.09.0125
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação (Id 197820033 - Pág. 121-130), interposto pela parte autora, MARCIO LUIZ CAMPOS, da sentença (Id 197820033 - Pág. 116-117) que julgou improcedente o pedido da inicial de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, visto que não foi constatada a incapacidade para todos os tipos de trabalho.
A apelante aduz cerceamento de defesa, visto que o juiz de piso não analisou os quesitos complementares e as solicitações de esclarecimentos à perícia. No mérito, alega que é cego do olho esquerdo e que o perito ignorou a condição de baixa acuidade no olho direito. Requer que seja anulada a sentença e o retorno dos autos à origem para produção das provas necessárias ou realização de um novo laudo pericial com médico especialista. Ultrapassada as preliminares, requer a concessão do benefício de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial destinado ao deficiente BPC/LOAS.
A parte apelada/INSS não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1007541-09.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5545596-85.2019.8.09.0125
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto no art. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei 8.213/91.
Requisitos
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência (urbano) e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
A jurisprudência se consolidou no sentido de que não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de exercer suas atividades laborais em decorrência de agravamento de patologia incapacitante. Da mesma forma, a concessão de benefício por incapacidade anterior comprova a qualidade de segurado do requerente, salvo se ilidida por prova contrária.
Situação tratada
A ausência de um dos requisitos legais, qualidade de segurado ou incapacidade, prejudica a análise do outro.
A Lei 14.126/2021 classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual e em se tratando de trabalhador rural, a existência de incapacidade laboral deve levar em conta as condições pessoais do segurado.
Em regra, a jurisprudência tem entendimento de que não constitui ofensa ao princípio do cerceamento de defesa a perícia realizada por médico não especializado na área da doença alegada pelo segurado.
A perícia médica judicial é prova fundamental em demandas que objetivam a concessão ou o restabelecimento de benefício previdenciário por invalidez, porquanto produzida por profissional da confiança do juízo, imparcial e que tem a expertise necessária para subsidiar o juiz sobre a existência de inaptidão do segurado para suas atividades profissionais habituais e, quando for possível, acerca do início da doença e da incapacidade laboral, se for o caso.
De acordo com laudo pericial judicial (Id 197820033 - Pág. 101-106) o autor (53 anos, trabalhador rural, ensino fundamental incompleto) “portador de Cegueira em Olho Esquerdo (cego); porém em olho Direito normal (20/20), onde tem boa acuidade visual, compensando visão de olho afetado esquerdo, campo visual e acuidade visual mantida para sua profissão; sem gravidades ou deformidades, não há incapacidade para a vida independente ou para o laboro”.
Não obstante o médico perito afirmar que o autor apresenta cegueira em olho esquerdo e visão normal em olho direito, verifica-se que nos autos consta exame (197820033 - Pág. 44-45) realizado por médico oftalmologista atestando que o requerente é portador de acuidade visual para o olho direito (– 2,00 Ax = 15º v= 1,0).
Em consulta realizada por este gabinete ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás, verifica-se que o perito não possui nenhuma especialidade médica registrada e a conclusão do laudo é contraditória com o exame oftalmológico apresentado pelo autor, realizado por médico oftalmologista.
Desse modo, todas essas circunstâncias indicam a necessidade de perícia com médico especialista na área.
Nesse sentido, jurisprudência desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RURAL. NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA EM OFTALMOLOGIA. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE APARELHOS MÉDICOS ESPECÍFICOS PARA AFERIÇÃO DE SEQUELAS OFTALMOLÓGICAS. SENTENÇA ANULADA PARA REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA.
1. Os requisitos para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente estão dispostos no art. 42, caput e § 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento do período de carência (12 contribuições), quando exigida; 3) incapacidade insuscetível de recuperação ou de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência (incapacidade total e permanente para o trabalho) e 4) não ser a doença ou lesão preexistente à filiação do segurado ao Regime Geral da Previdência Social.
2. Nos termos do art. 15, II, da Lei 8.213/91, mantém a qualidade de segurado até 12 meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, podendo ser prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (§ 1º), somando-se, ainda, mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado (§ 2º).
3. O art. 59 da Lei n. 8.213/91 dispõe que não é devido benefício de auxílio por incapacidade temporária/aposentadoria por incapacidade permanente ao segurado cuja doença que motiva o pedido seja preexistente à sua filiação ao Regime Geral da Previdência Social ou à recuperação de sua qualidade de segurado, exceto se a incapacidade decorrer do agravamento ou de progressão da doença ou lesão.
4. A autarquia apelante se insurge com relação à qualidade de segurada da parte autora, e sustenta a sua capacidade laboral, de acordo com o disposto no laudo pericial.
5. A qualidade de segurada da parte autora, bem assim o cumprimento do período de carência, restaram devidamente comprovados por meio da produção de suficiente prova material e testemunhal.
6. De acordo com o laudo pericial não obstante cegueira em um olho e glaucoma no outro, a autora permanece capaz para o exercício de suas atividades laborais. Assim dispôs o expert no laudo: “No caso em tela a periciada permanece com visão monocular, apresentando como principais alterações a limitação da sensação tridimensional, paralaxe (diferença na posição aparente de um objeto visto por observadores em locais distintos), noção de tamanho relativa e tons de sombreamento da imagem vista, não essenciais para prática laborativa referida”. Diametralmente em oposição ao laudo particular juntado aos autos, prescrito por médicos oftalmologista, a autora apresenta pressão intraocular na vista, necessitando de cirurgia, sob pena de perda da visão remanescente.
7. O Juízo a quo concluiu que “o perito constatou a mesma doença que o médico especialista, qual seja, CID H54.4 e CID H40. Somente há divergência quanto ao fato de esta doença ser incapacitante para as atividades rurais. Considero que seja incapacitante, total e permanentemente, com base no grande número de decisões judiciais por todo o país, no mesmo sentido e também pelas condições pessoais da autora”.
8. A avaliação médica acerca da acuidade visual imprescinde de avaliação por especialista na área de oftalmologia, mormente pela necessária utilização de aparelhagens específicas, indispensáveis ao diagnóstico. Diante de tal constatação, imprescindível a realização de nova perícia, a ser realizada por médico especialista em oftalmologia.
9. Apelação do INSS parcialmente provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para realização de segunda perícia com médico especialista em oftalmologia. Mantida a antecipação de tutela concedida, eis que não infirmados, até o presente, os pressupostos para a sua concessão.
(AC 1008534-23.2020.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 10/08/2023).
Assim, tendo em vista a sentença de improcedência com base em laudo contraditório com outras provas dos autos, está caracterizado o prejuízo ao autor, evidenciando-se o cerceamento de defesa por falta de perícia com médico especialista em oftalmologia e, portanto, deve ser anulada a sentença para que nova prova seja produzida.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação do autor, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para realização de perícia com médico especialista em oftalmologia.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1007541-09.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5545596-85.2019.8.09.0125
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MARCIO LUIZ CAMPOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VISÃO MONOCULAR. PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA.
1. Em regra, a jurisprudência tem entendimento de que não constitui ofensa ao princípio do cerceamento de defesa a perícia realizada por médico não especializado na área da doença alegada pelo segurado.
2. A Lei 14.126/2021 classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual e em se tratando de trabalhador rural, a existência de incapacidade laboral deve levar em conta as condições pessoais do segurado.
3. De acordo com laudo pericial judicial o autor (53 anos, trabalhador rural, ensino fundamental incompleto) “portador de Cegueira em Olho Esquerdo (cego); porém em olho Direito normal (20/20), onde tem boa acuidade visual, compensando visão de olho afetado esquerdo, campo visual e acuidade visual mantida para sua profissão; sem gravidades ou deformidades, não há incapacidade para a vida independente ou para o laboro”.
4. Não obstante o médico perito afirmar que o autor apresenta cegueira em olho esquerdo e visão normal em olho direito, verifica-se que nos autos consta exame (197820033 - Pág. 44-45) realizado por médico oftalmologista atestando que o requerente é portador de acuidade visual para o olho direito (– 2,00 Ax = 15º v= 1,0).
5. Em consulta realizada por este gabinete ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás, verifica-se que o perito não possui nenhuma especialidade médica registrada e a conclusão do laudo é contraditória com o exame oftalmológico apresentado pelo autor, realizado por médico oftalmologista. Desse modo, todas essas circunstâncias indicam a necessidade de perícia com médico especialista na área. Precedente: (AC 1008534-23.2020.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 10/08/2023).
6. Apelação do autor provida, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para realização de perícia com médico especialista em oftalmologia.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator