
POLO ATIVO: HILTON OLIVEIRA AMORIM
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RODRIGO DE ASSIS FERREIRA MELO - MG94302-A
POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1006402-36.2019.4.01.3400
APELANTE: HILTON OLIVEIRA AMORIM
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de apelação interposta pela parte impetrante, em face de sentença que denegou a segurança que visava à complementação de aposentadoria prevista na Lei nº 8.186/1991, tomando por base a última e maior remuneração percebida no momento imediatamente anterior ao da aposentadoria pelo regime geral de previdência, observadas as tabelas salariais praticadas pela CBTU e as informações prestadas a respeito das parcelas percebidas de forma permanente pelo impetrante. Foi deferida a gratuidade de justiça.
Nas razões recursais (ID 115902021), a parte impetrante argumenta, em síntese, o direito à complementação da aposentadoria de ex-ferroviário em paridade com servidores ativos, uma vez que restaram preenchidos os requisitos constantes das Leis nº 8.186/1991 e nº 10.478/2002, salientando que a legislação é omissa quanto à necessidade de inativação laboral para o recebimento do benefício requerido.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 115902040).
É o relatório.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1006402-36.2019.4.01.3400
APELANTE: HILTON OLIVEIRA AMORIM
APELADO: UNIÃO FEDERAL
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (RELATOR CONVOCADO):
O pleito da parte recorrente consiste na análise do direito à complementação da aposentadoria de ex-ferroviário em paridade com servidores ativos, uma vez que restaram preenchidos os requisitos constantes das Leis nº 8.186/1991 e nº 10.478/2002, salientando que a legislação é omissa quanto à necessidade de inativação laboral para o recebimento do benefício requerido.
A Lei nº 8.186/1991, que dispõe sobre a complementação de aposentadoria de ferroviários e dá outras providências, estabelece o seguinte:
Art. 1º É garantida a complementação da aposentadoria paga na forma da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) aos ferroviários admitidos até 31 de outubro de 1969, na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), constituída ex-vi da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias.
Art. 2º Observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária, a complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço.
Parágrafo único. O reajustamento do valor da aposentadoria complementada obedecerá aos mesmos prazos e condições em que for reajustada a remuneração do ferroviário em atividade, de forma a assegurar a permanente igualdade entre eles.
(...)
Art. 4° Constitui condição essencial para a concessão da complementação de que trata esta lei a detenção, pelo beneficiário, da condição de ferroviário, na data imediatamente anterior ao início da aposentadoria previdenciária.
Art. 5° A complementação da pensão de beneficiário do ferroviário abrangido por esta lei é igualmente devida pela União e continuará a ser paga pelo INSS, observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária e as disposições do parágrafo único do art. 2° desta lei.
Da leitura da norma citada, verifica-se que é assegurada a igualdade permanente no que diz respeito ao reajustamento das aposentadorias complementadas, equiparando-se aos salários dos trabalhadores da ativa.
A Lei nº 10.478/2002, por seu turno, estendeu, “a partir do 1º de abril de 2002, aos ferroviários admitidos até 21 de maio de 1991 pela Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, em liquidação, constituída ex vi da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, o direito à complementação de aposentadoria na forma do disposto na Lei nº 8.186, de 21 de maio de 1991”.
Da leitura dos dispositivos acima colacionados se extrai que a aposentadoria ou a pensão por morte dos ferroviários da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) é composta de duas partes: um valor principal, pago pelo INSS, referente ao próprio benefício previdenciário decorrente das contribuições recolhidas pelo segurado ao longo de sua vida laboral; e um valor acessório, chamado de complementação de aposentadoria, pago pela União Federal a fim de garantir a paridade remuneratória entre os ferroviários inativos admitidos até maio de 1991 e aqueles em atividade.
Anoto que da interpretação teleológica e sistemática do art. 4º da Lei 8.186/1991, que deve ser lido em conjunto com o art. 1º do mesmo diploma, conclui-se que a expressão “ferroviário” foi usada para se referir tão somente aos ferroviários empregados da RFFSA, e não a todo e qualquer ferroviário da categoria.
Com efeito, considerando que a Lei em análise cria considerável ônus orçamentário ao erário público, ela deve ser interpretada restritivamente, sendo certo que o benefício então criado se aplica tão somente aos ferroviários empregados vinculados à Administração Pública indireta federal e integrantes dos quadros da RFFSA, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, não se estendendo a empregados de empresas privadas ou empresas públicas estaduais ou municipais.
A documentação acostada aos autos (ID 115896778, fls. 37/46) demonstra que a parte impetrante foi admitida pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos de Belo Horizonte em 07/07/1989. Em 16/05/2016 passou a receber aposentadoria por tempo de contribuição pelo RGPS (ID 115896778, fls. 47/48).
Consta dos autos, ainda, o pedido de complementação da aposentadoria, datado de 12/11/2018, bem como a nota técnica emitida pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, datada de 30/11/2018, na qual há informação de que a parte impetrante, embora estivesse aposentada pelo RGPS, encontrava-se em atividade junto à Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU (ID 1156896778, fls. 35 e 54/57).
Esta Corte vem entendendo, ao analisar questão análoga, que a complementação da aposentadoria, como garantia de paridade remuneratória entre os ferroviários inativos e ativos, não se faz possível àqueles que, embora já aposentados pelo Regime Geral da Previdência Social, ainda permanecem em atividade, recebendo os seus vencimentos. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FERROVIÁRIO DA CBTU. COMPLEMENTAÇÃO DE PROVENTOS. LEI 8.186/91 E LEI 10.478/02. PARIDADE REMUNERATÓRIA COM FERROVIÁRIOS EM ATIVIDADE DA CBTU. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DA ATIVIDADE APÓS APOSENTADORIA. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A Lei 8.186/91 deferiu aos ferroviários, admitidos até 31/10/1969, na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), o direito à complementação da aposentadoria, devida pela União e paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social, constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo INSS e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e suas subsidiárias. Posteriormente, o art. 1º da Lei 10.478/02 estendeu o direito à paridade e à complementação da Lei 8.186/91 a todos os ferroviários admitidos até 21/05/91.
2. São exigências para a obtenção da complementação de aposentadoria dos ferroviários, nos termos da Lei 8.186/91: a) ter sido admitido na extinta RFFSA, até 21/05/1991; b) receber aposentadoria paga pelo Regime Geral de Previdência Social; e c) ser ferroviário do quadro e pessoal da extinta RFFSA ou de suas subsidiárias, na data imediatamente anterior ao início da aposentadoria previdenciária.
3. Na concreta situação dos autos, a parte impetrante, ora apelante, permaneceu em atividade na Companhia Brasileira de Trens Urbanos CBTU, subsidiária da RFFSA, mesmo após a concessão de sua aposentadoria, cumulando os proventos desta com a remuneração da atividade, de forma que não faz jus ao benefício da complementação de aposentadoria justamente por não estar na condição de ferroviário inativo e por não ter experimentado decréscimo remuneratório. Tal requisito se extrai da interpretação teleológica do art. 2º da Lei 8.186/91 que, ao utilizar a expressão em atividade, deixa transparecer que, a contrario sensu, o beneficiário deve se encontrar na inatividade (e não apenas aposentado) para fazer jus à complementação pleiteada.
4. A jurisprudência deste e. TRF-1, em interpretação teleológica da Lei 8.186/91, tem entendido que o benefício em questão visa tutelar os ferroviários aposentados, a fim de evitar um decréscimo no padrão salarial e no padrão de vida com a passagem para a inatividade. Desta feita, se o ferroviário permanece em atividade, cumulando os proventos da aposentadoria com a remuneração da ativa, não há que se falar em decréscimo salarial ou ruptura da paridade remuneratória e, consequentemente, em complementação da renda a ser custeada pelo Tesouro Nacional.
5. Sentença mantida.
6. Apelação não provida.
(AC 1014725-98.2017.4.01.3400/DF, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Nilza Maria Costa dos Reis, unânime, PJE 13/05/2024).
PREVIDENCIÁRIO. FERROVIÁRIO APOSENTADO EM ATIVIDADE. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. LEIS 8.186/91 e 10.478/2002. À PARIDADE AOS TRABALHADORES DA ATIVA. TERMO DE RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO CARREADO APÓS SENTENÇA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. O cerne da demanda está em saber se o lado recorrente faz jus à complementação de aposentadoria prevista na Lei 8.186/91, tomando por base a última e maior remuneração no momento imediatamente anterior ao da aposentadoria pelo regime geral de previdência, observadas as tabelas salariais praticadas pela CBTU e as informações prestadas a respeito das parcelas percebidas de forma permanente.
2. O legislador optou, de forma clara, por não utilizar como parâmetro para cálculo do complemento a ser pago pela União a remuneração quitada por entes sucessores da RFFSA. Desse modo, não se pode ter como referência para a paridade sequer o valor da remuneração percebida por ex-servidores da RFFSA incorporados à Valec após a transição.
3. A paridade é estrita e toma como referência apenas a remuneração do cargo (ou seja, o salário-base) somada gratificação por tempo de serviço (artigo 2º da Lei 8.186/91 c/c art. 118, §1°, da Lei 10.233/2001). Estão fora desse cálculo parcelas indenizatórias ou relacionadas ao exercício de atividade de chefia ou função comissionada.
4. No caso concreto, inexiste razão ao acolhimento da pretensão porquanto o autor, a despeito de estar aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, encontrava-se em atividade na Companhia Brasileira de Trens Urbanos CBTU (item 11, da Nota Técnica n. 17800/2017-MP, Id 41152076 - Pág. 14).
5. "Na hipótese de cumulação do salário com provento de aposentadoria, a finalidade da parcela de complementação, que é a de assegurar a paridade com os ferroviários da ativa, deixa de existir" (item 10, Id citado).
6. O Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, que ocorreu em 25.11.2019 (Id 320583648) somente foi carreado aos autos após a sentença prolatada em 02.05.2019 (Id 41152092), o que impede a alteração das razões fático-jurídicas delineadas quando do descortinamento do mérito.
7. Apelação improvida.
(AC 1001751-92.2018.4.01.3400/DF, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Urbano leal Berquo Neto, unânime, PJe 24/04/2024).
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, em seus recentes julgados, reconhece que o exercício de qualquer atividade laboral pelo aposentado não pode impedir o pagamento da complementação ao ex-ferroviário da RFFSA, prevista na Lei nº 8.186/1991, caso os requisitos legais estejam preenchidos. Confira-se:
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DE EX-FERROVIÁRIO APOSENTADO PELO RGPS E EM ATIVIDADE NA CBTU. RESTRIÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. IMPOSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que o exercício de qualquer atividade laboral pelo aposentado não pode impedir o pagamento da complementação de aposentadoria prevista na Lei 8.186/91, devida aos ex-ferroviários da RFFSA, desde que atendidos os demais requisitos para a concessão do benefício. Nesse sentido: REsp 1.843.956/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 28/10/2020.
2. "Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício" (AgInt no AREsp 1.263.382/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 19.12.2018).
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 2.124.189/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, unânime, DJe 28/06/2024).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ALEGAÇÕES GENÉRICAS DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚM. N. 284/STF. EX-FERROVIÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. RESTRIÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. Não é possível conhecer da alegada violação do art. 1.022, II, do CPC/2015, pois as teses indicadas no recurso especial não demonstram quais foram as questões essenciais ao deslinde da controvérsia omitidas pelo acórdão a quo.
2. Nos termos do art. 1º da Lei n. 8.186/1991 c/c art. 1º da Lei n. 10.478/2002, o pagamento da complementação de aposentadoria é garantido aos ferroviários vinculados a antiga RFFSA admitidos até o dia 21 de maio de 1991. Precedentes.
3. No caso dos autos, o quadro fático delineado pelo acórdão a quo reconhece a condição de ex-ferroviário do ora recorrente, porém não reconhece o direito à complementação da aposentadoria porque o empregado da CBTU permanece trabalhando.
4. Contudo, a Lei n. 8.186/1991 não apresenta restrições ao direito de complementação da aposentadoria para os aposentados que permanecem em atividade, razão pela qual o exercício de qualquer atividade pelo aposentado não pode impedir o pagamento da complementação.
5. Ademais, cabe destacar a jurisprudência do STJ reconhece a impossibilidade de a Administração Pública conferir interpretação extensiva para criar um requisito não previsto em lei para a concessão de direitos.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 1.843.956/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, unânime, DJe 28/10/2020).
Ao fundamentar o voto condutor do acórdão do REsp 1843956/PE, o Ministro Mauro Campbell Marques, assim se pronunciou:
Acerca da violação dos arts. 1º, 2º, 5º e 6º, todos da Lei n. 8.186/1991 e do art. 1º da Lei n. 10.478/2002 e do dissídio jurisprudencial, o recorrente defende ter direito à complementação de aposentaria, apesar de ainda permanecer em atividade.
Nos termos do art. 1º da Lei n. 8.186/1991 c/c art. 1º da Lei n. 10.478/2002, o pagamento da complementação de aposentadoria é garantido aos ferroviários vinculados a antiga RFFSA admitidos até o dia 21 de maio de 1991. Confira-se: Lei n. 8.186/1991:
(...)
Dessa forma, os ex-ferroviários da antiga extinta RFFSA possuem direito à complementação de aposentadoria pela União quando presentes os requisitos previstos na Lei n. 8.186/1991, independentemente do valor devido pelo INSS.
(...)
No caso dos autos, o quadro fático delineado pelo acórdão a quo reconhece a condição de ex-ferroviário do ora recorrente, porém não reconhece o direito à complementação da aposentadoria porque o recorrente, como empregado da CBTU, permanece trabalhando. Para tanto, assevera que (e-STJ fl. 231):
No caso dos autos, verifica-se que o apelante ingressou na RFFSA anteriormente a 21.05.1991 (admissão em 30.12.1983) e se aposentou em 13.12.2002, porém ainda se encontra em atividade na CBTU. A complementação é incompatível com a continuidade do vínculo empregatício, uma vez que não há que se falar em discrepância entre o valor que recebe da aposentadoria e o salário percebido como empregado. Ademais, se a finalidade da parcela da complementação é a de assegurar a permanente igualdade salarial entre os ferroviários da ativa e os que passaram para a inatividade, o demandante não faz jus a tal complementação, considerando que, por se encontrar ainda na ativa, não há qualquer perda de rendimento por força da inativação.
A princípio, o intérprete não deve ficar restrito à literalidade dos dispositivos legais. Dessa forma, tal como salientado no trecho do acórdão a quo citado, a busca pela norma jurídica deve levar em consideração os fins sociais da lei. Isso se deve ao disposto do art. 5º da LINDB, que assim dispõe:
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Contudo, a limitação imposta não representa os fins sociais da complementação de aposentadoria e nem às exigências do bem comum. O dispositivo do acórdão a quo seria coerente com o sistema jurídico se o recorrente fosse servidor público estatutário. Isso porque o vínculo entre o recorrente e a administração pública seria regida pela Lei n. 8.112/1990, onde a aposentadoria determina a vacância nos termos de seu art. 33, VII.
A realidade dos autos advém de um vínculo celetista. O ex-ferroviário vinculado à antiga RFFSA não é servidor público estatutário, porque a RFFSA era uma sociedade anônima. Diferente do que está previsto no regime estatutário dos servidores públicos federais, a aposentadoria não pressupõe a inatividade do segurado. É sabido que muitos aposentados pelo regime geral ainda permanecem trabalhando, seja para complementar o valor de um benefício previdenciário insuficiente para a manutenção do padrão de vida, seja para juntar mais recursos financeiros, seja por qualquer outro motivo estritamente pessoal do segurado.
Ressalta-se o direito à aposentadoria do recorrente possui natureza previdenciária não necessariamente relacionado com a extinção de todos vínculos empregatícios - de natureza eminentemente trabalhista. Ademais, a finalidade da complementação de aposentadoria se insere no contexto do próprio benefício previdenciário e não de uma eventual atividade laboral do segurado. Logo, a completa inatividade do ex-empregado da antiga RFFSA não pode ser considerado requisito da complementação.
Divorciada com a realidade social, a interpretação dada pelo Tribunal de origem implica na violação do art. 1º, IV, da CF/1988, pois desmotiva a atividade laboral de um cidadão, cujo valor social intrínseco é evidente. Basta ver ditos populares como: "o preguiçoso fica pobre, mas quem se esforça no trabalho enriquece."; ou então: "o trabalho mais duro que existe é não fazer nada."
Apresenta-se, agora, outra razão pela qual o exercício de qualquer atividade pelo aposentado não pode impedir o pagamento da complementação. Mesmo que a interpretação jurídica passe pela diretriz do art. 5º da LINDB, não é possível quebrar os limites de interpretação determinados pela própria literalidade dos dispositivos presentes nas leis. O critério gramatical não é o único parâmetro de interpretação, mas ainda assim é um critério relevante. Nesse sentido, Luiz Roberto Barroso, lembra que:
O intérprete não pode ignorar ou torcer o sentido das palavras, sob pena de sobrepor a retórica à legitimidade democrática, à lógica e à segurança jurídica. A cor cinza pode compreender uma variedade de tonalidades entre o preto e o branco, mas não é vermelha nem amarela. (BAROSSO, Luís Roberto. Curso de Direito Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 282).
Além da devida interpretação da norma jurídica à luz da realidade social, tem-se que em nenhuma parte dos arts. 1º e 2º, ambos da Lei n. 8.186/1991, há restrições ao direito de complementação da aposentadoria para os aposentados que permanecem em atividade.
Cabe mencionar que o art. 2º, caput, da Lei n. 8.186/1991 determina que o valor da complementação corresponde à diferença entre o valor da aposentadoria devida pelo INSS e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade. Vê-se:
Art. 2° Observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária, a complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço.
Observa-se que a limitação reconhecida pelo Tribunal de origem não encontra guarida nos contornos determinados pelo legislador. Vê-se, por exemplo, da redação do art. 2º da Lei n. 8.186/1991, que o padrão da complementação é a "remuneração do pessoal em atividade" e não a "remuneração que a pessoa teve em atividade". Portanto, a criação da inatividade como requisito para a complementação é uma inovação não prevista em lei. Desse modo, tem-se que esse requisito é indevido por violação do princípio da legalidade.
A esse respeito, cabe destacar a jurisprudência do STJ reconhece a impossibilidade de a Administração Pública conferir interpretação extensiva para criar um requisito não previsto em lei para a concessão de direitos. Nesse sentido, mutatis mutandis, os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. CONCURSO DE PROMOÇÃO DA PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. EDITAL CSAGU Nº 36/2010. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 24 E 25 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 73/93. CLÁUSULA DE ELEGIBILIDADE. PROMOÇÃO POR MERECIMENTO RESTRITA À PRIMEIRA TERÇA PARTE DA LISTA DE ANTIGUIDADE DA RESPECTIVA CATEGORIA. RESOLUÇÃO CSAGU Nº 11/2008. LONGEVIDADE NA CARREIRA NÃO PREVISTA EM LEI COMO REQUISITO PARA A PROMOÇÃO POR MERECIMENTO. DUPLA CONSIDERAÇÃO DA ANTIGUIDADE. EXTRAPOLAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR. ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO E DO EDITAL DE PROMOÇÃO CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Segundo já consignado na decisão agravada, cabe ao Conselho Superior da Advocacia-Geral da União, no exercício do poder regulamentar, estabelecer as regras para a promoção dos membros da Procuradoria da Fazenda Nacional, observada a alternância entre antiguidade e merecimento, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei Complementar nº 73/93. Entretanto, referido poder tem fundamento na própria Lei Complementar nº 73/93 e deve ser exercido nos limites impostos pela lei, sendo vedado à Administração estabelecer critérios não previstos na legislação ou que com ela sejam conflitantes, sob pena de ilegalidade por extrapolação do poder regulamentar. [...] 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1414536/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 03/08/2020) .
ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE PENSÃO DE FILHA MAIOR E SOLTEIRA COM BASE EM REQUISITO NÃO PREVISTO NA LEI 3.373/1958. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRECEDENTES. 1. Firmou-se a mais atual orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "eventual vínculo empregatício privado e/ou recebimento de outro benefício previdenciário não impedem a concessão/manutenção da pensão temporária por morte, desde que atendidos os requisitos do art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58" (REsp 1.823.528, Relatora Min. Assusete Magalhães, DJe 2.12.2019 - decisão monocrática). No mesmo sentido as seguintes decisões singulares do STJ: REsp 1.837.964/PE, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 8.11.2019; REsp 1.799.100/PE, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 10.10.2019; REsp 1.817.401/PE, Ministra Regina Helena Costa, DJe de 13.9.2019; REsp 1.817.349/PE, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 13.9.2019. 2. A consolidação dessa posição se deu logo após o Supremo Tribunal Federal pontificar que, "[s]egundo o art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/1958, as hipóteses de exclusão são restritas ao casamento ou posse em cargo público permanente", de modo que "a criação de hipótese de exclusão não prevista pela Lei 3.373/1958 (demonstração de dependência econômica) fere o princípio da legalidade" (MS 35.414 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 5.4.2019). Pela Segunda Turma daquele Corte, confirase o MS 34.850 AgR, Relator Min. Edson Fachin, DJe 25.3.2019. 3. "Este Superior Tribunal consagra orientação no sentido de que o art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 3.373/1958 assegura à filha maior solteira, não ocupante de cargo público permanente, o direito à pensão temporária, independentemente de o óbito do instituidor do benefício ser superveniente à maioridade da filha" (REsp 1.857.655, Relator Min. Sérgio Kukina, DJe 5.2.2020 - decisão monocrática). Na mesma linha: REsp 1.804.903/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13.9.2019; AgInt no REsp 1.769.260/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJ 28.5.2019. 4. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1869178/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 23/06/2020).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1263382/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 19/12/2018).
Assim, adotando o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, entendo ser devida a concessão da complementação de aposentadoria pleiteada, eis que a Lei nº 8.186/1991 não estabelece ressalva ao recebimento do referido direito aos aposentados que permanecem em atividade laboral.
Quanto ao pedido de utilização como paradigma para o cálculo da complementação de aposentadoria o valor da remuneração atualmente percebida pelos empregados ativos da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), conforme tabela salarial do Plano de Emprego e Salários (PES/2010) desta empresa, anoto que não assiste razão à parte impetrante.
A CBTU foi criada pelo Decreto-Lei nº 89.396/1984 como sociedade de economia mista subsidiária da RFFSA, e se encontra atualmente sob supervisão ministerial do Ministério do Desenvolvimento Regional. Recentemente a referida empresa pública sofreu significativa reestruturação remuneratória, com a criação do Plano de Empregos e Salários (PES/2010) que aumentou significativamente a remuneração dos empregados em atividade, motivo que levou a propositura da presente demanda pela parte autora para que lhe fossem aplicados os mesmos aumentos salariais por intermédio do cálculo da complementação de aposentadoria que recebe com fulcro nas supracitadas Leis nº 8.186/1991 e nº 10.478/2002.
Com efeito, o art. 118, § 1º, da Lei nº 10.233/2001, com redação dada pela Lei nº 11.483/2007, é explícito e inequívoco ao dispor que a complementação de aposentadoria prevista pela Lei 8.186/91 deverá ser calculada com base no valor da remuneração fixada no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, conforme percebida pelos empregados que foram transferidos para o quadro de pessoal especial da VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., nos seguintes termos:
Art. 118. Ficam transferidas da extinta RFFSA para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: (Redação dada pela Lei nº 11.483, de 2007)
I - a gestão da complementação de aposentadoria instituída pelas Leis nos 8.186, de 21 de maio de 1991, e 10.478, de 28 de junho de 2002; e (Redação dada pela Lei nº 11.483, de 2007)
II - a responsabilidade pelo pagamento da parcela sob o encargo da União relativa aos proventos de inatividade e demais direitos de que tratam a Lei no 2.061, de 13 de abril de 1953, do Estado do Rio Grande do Sul, e o Termo de Acordo sobre as condições de reversão da Viação Férrea do Rio Grande do Sul à União, aprovado pela Lei no 3.887, de 8 de fevereiro de 1961. (Redação dada pela Lei nº 11.483, de 2007)
§ 1º A paridade de remuneração prevista na legislação citada nos incisos I e II do caput deste artigo terá como referência os valores previstos no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, aplicados aos empregados cujos contratos de trabalho foram transferidos para quadro de pessoal especial da VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço. (Redação dada pela Lei nº 11.483, de 2007)
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou exaustivas vezes a respeito da questão sob análise, tendo firmado jurisprudência pacífica no sentido de que "os cálculos da complementação de aposentadoria não devem seguir os valores da tabela salarial da CBTU, pois o art. 118, § 1º, da Lei n. 10.223/2001 (com redação dada pela Lei 11.483/2007) é expresso em determinar que a paridade de remuneração entre ativos e inativos terá como referência os valores previstos no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, aplicados aos empregados cujos contratos de trabalho foram transferidos para quadro de pessoal especial da VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A."(REsp 1.684.307/RJ, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, unânime, DJe 18/6/2019).
Dessa forma, não cabe ao Poder Judiciário, sob o fundamento de isonomia, utilizar como paradigma para fins da paridade prevista na Lei nº 8.186/91 a tabela remuneratória dos ferroviários em atividade na CBTU, pois assim estaria sendo alterado o parâmetro legal para fins da aludida complementação, o que, por sua vez, importaria em violação do pacto federativo e da Súmula 339 do STF (Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia).
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte impetrante para, reformando a sentença, conceder a segurança para condenar a União a deferir a complementação de aposentadoria prevista na Lei nº 8.186/1991, a partir da data do requerimento administrativo, observando-se o art. 118, § 1º, da Lei nº 10.223/2001.
Custas pela parte impetrada.
Sem honorários de advogado.
É como voto.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1006402-36.2019.4.01.3400
APELANTE: HILTON OLIVEIRA AMORIM
APELADO: UNIÃO FEDERAL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EX-FERROVIÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. LEI 8.186/1991 E LEI 10.478/2002. CONTINUIDADE DA ATIVIDADE APÓS APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PARIDADE REMUNERATÓRIA COM FERROVIÁRIOS EM ATIVIDADE DA CBTU. IMPOSSIBILIDADE. PARADIGMA NÃO PREVISTO EM LEI. APELAÇÃO DA PARTE IMPETRANTE PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O pleito da parte recorrente consiste na análise do direito à complementação da aposentadoria de ex-ferroviário em paridade com servidores ativos, uma vez que restaram preenchidos os requisitos constantes das Leis nº 8.186/1991 e nº 10.478/2002, salientando que a legislação é omissa quanto à necessidade de inativação laboral para o recebimento do benefício requerido.
2. As Leis nº 8.186/1991 e nº 10.478/2002 prevêem o pagamento de complementação de aposentadoria aos ex-ferroviários empregados públicos aposentados, consistente na diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo INSS e o da remuneração do ferroviário em atividade na RFFSA, a ser paga pela União Federal a fim de garantir a paridade remuneratória entre os ferroviários inativos admitidos até maio de 1991 e aqueles em atividade.
3. O art. 4º da Lei 8.186/1991 elenca como requisito indispensável à concessão da complementação de proventos, que o beneficiário ostente a qualidade de ferroviário na data imediatamente anterior ao início da aposentadoria. O art. 5º, por sua vez, estabelece que a “complementação da pensão de beneficiário do ferroviário abrangido por esta lei é igualmente devida pela União e continuará a ser paga pelo INSS, observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária e as disposições do parágrafo único do art. 2° desta lei”.
4. A Lei nº 10.478/2002, por seu turno, estendeu, “a partir do 1º de abril de 2002, aos ferroviários admitidos até 21 de maio de 1991 pela Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, em liquidação, constituída ex vi da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, o direito à complementação de aposentadoria na forma do disposto na Lei nº 8.186, de 21 de maio de 1991”.
5. Da leitura dos dispositivos acima colacionados se extrai que a aposentadoria ou a pensão por morte dos ferroviários da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) é composta de duas partes: um valor principal, pago pelo INSS, referente ao próprio benefício previdenciário decorrente das contribuições recolhidas pelo segurado ao longo de sua vida laboral; e um valor acessório, chamado de complementação de aposentadoria, pago pela União Federal a fim de garantir a paridade remuneratória entre os ferroviários inativos admitidos até maio de 1991 e aqueles em atividade.
6. Anoto que da interpretação teleológica e sistemática do art. 4º da Lei 8.186/91, que deve ser lido em conjunto com o art. 1º do mesmo diploma, conclui-se que a expressão “ferroviário” foi usada para se referir tão somente aos ferroviários empregados da RFFSA, e não a todo e qualquer ferroviário da categoria.
7. Com efeito, considerando que a Lei em análise cria considerável ônus orçamentário ao erário público, ela deve ser interpretada restritivamente, sendo certo que o benefício então criado se aplica tão somente aos ferroviários empregados vinculados à Administração Pública indireta federal e integrantes dos quadros da RFFSA, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, não se estendendo a empregados de empresas privadas ou empresas públicas estaduais ou municipais.
8. Consta dos autos, ainda, o pedido de complementação da aposentadoria, datado de 12/11/2018, bem como a nota técnica emitida pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, datada de 30/11/2018, na qual há informação de que a parte impetrante, embora estivesse aposentada pelo RGPS, encontrava-se em atividade junto à Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU.
9. Esta Corte vem entendendo, ao analisar questão análoga, que a complementação da aposentadoria, como garantia de paridade remuneratória entre os ferroviários inativos e ativos, não se faz possível àqueles que, embora já aposentados pelo Regime Geral da Previdência Social, ainda permanecem em atividade, recebendo os seus vencimentos.
10. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, em seus recentes julgados, reconhece que o exercício de qualquer atividade laboral pelo aposentado não pode impedir o pagamento da complementação ao ex-ferroviário da RFFSA, prevista na Lei nº 8.186/1991, caso os requisitos legais estejam preenchidos.
11. Assim, adotando o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, entendo ser devida a concessão da complementação de aposentadoria pleiteada, eis que a Lei nº 8.186/1991 não estabelece ressalva ao recebimento do referido direito aos aposentados que permanecem em atividade laboral (AgInt no Resp .124.189/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, unânime, DJe 28/06/2024; REsp 1.843.956/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell, unânime, DJe 28/10/2020.
12. O § 1º do art. 118 da Lei nº 10.233/2001, com redação dada pela Lei nº 11.483/2007, é explícito e inequívoco ao dispor que a complementação de aposentadoria prevista pela Lei nº 8.186/1991 deverá ser calculada com base no valor da remuneração fixada no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, conforme percebida pelos empregados que foram transferidos para o quadro de pessoal especial da VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A..
13. Descabida, portanto, a utilização da tabela remuneratória do Plano de Empregos e Salários (PES) dos ferroviários em atividade na CBTU como paradigma para a paridade prevista na Lei nº 8.186/1991, por absoluta falta de amparo legal, sob pena de se alterar o regramento normativo da aludida complementação, o que, por sua vez, importaria em violação do pacto federativo e da Súmula 339 do STF. Precedente do STJ.
14. Apelação da parte impetrante parcialmente provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte impetrante, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão de julgamento.
ASSINADO DIGITALMENTE
Alysson Maia Fontenele
Juiz Federal
Relator Convocado
