
POLO ATIVO: MARLISE SCHULZ PERINI e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARIA LUIZA AMARANTE KANNEBLEY - MT12199-A e PAULO RODRIGO LIMA RODRIGUES - MT22827-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARIA LUIZA AMARANTE KANNEBLEY - MT12199-A e PAULO RODRIGO LIMA RODRIGUES - MT22827-A
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1019634-38.2021.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
Trata-se de embargos de declaração opostos por MARLISE SCHULZ PERINI e pelo INSS contra acórdão proferido por esta Primeira Turma.
A parte autora sustenta, em síntese, a existência de erro material no julgado quanto à configuração do requisito etário para a aposentadoria por idade híbrida no ano de 2022, uma vez que, diante do seu nascimento em 25/10/1972, somente atingiria a idade de 60 (sessenta) anos para a concessão do referido benefício em 2032. Por outro lado, alega omissão no acórdão por não ter apreciado o argumento principal deduzido no recurso de apelação e que se refere ao reconhecimento do labor rural desde a idade de 10 (dez) anos (qual seja, no período de 25/10/1982 a 30/10/1998), o que lhe ensejaria o direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo formulado em 22/09/2016.
Já o INSS, por sua vez, em seus aclaratórios, aduz a existência de erro material no acórdão com relação ao computo da idade da autora, para fins de concessão da aposentadoria híbrida.
É o relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1019634-38.2021.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
Os embargos de declaração constituem recurso com fundamentação restrita aos casos de obscuridade, contradição, omissão e erro material do julgado (CPC, art. 1.022), sendo certo que, embora possam excepcionalmente ostentar caráter infringente, não são vocacionados à alteração substancial do julgamento.
No caso, identifica-se primo ictu oculi que o acórdão incorreu em erro material, ao reconhecer à parte autora o direito ao benefício de aposentadoria por idade híbrida, uma vez que, tendo ela nascido em 25/10/1972, não cumpriu o requisito etário para a concessão do referido benefício, mesmo porque, no ano de 2022 ela contava apenas com a idade de 50 (cinquenta) anos.
Por outro lado, também identifico que o acórdão embargado padece de omissão quanto à apreciação do pedido veiculado no recurso de apelação de reconhecimento do labor rural da autora desde a idade de 10 (dez) anos (no período de 25/10/1982 a 30/10/1998) e, de consequência, ao reconhecimento do seu direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com DIB a partir do requerimento administrativo formulado em 22/09/2016.
Como já constou na fundamentação do voto condutor do acórdão embargado, para o reconhecimento de atividade rural exige-se o início razoável de prova material, desde que corroborado por robusta prova testemunhal, conforme previsão do art. 55, §3º, da Lei n. 8.213/91 e na esteira do entendimento jurisprudencial pacificado sobre esse tema.
Com o propósito de constituir o início razoável de prova material da atividade rural, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: CTPS com anotação de emprego a partir de 06/03/2001, como serviços gerais; ficha de criador em nome do seu pai, referente à Campanha Nacional de Combate à Febre Aftosa, dos anos de 1979 a 1985; comprovante de filiação dos seus genitores a sindicato rural, com admissão em 1986; certidão de casamento da autora (1993), com a qualificação profissional do cônjuge como agricultor; notas fiscais de produtor emitidas em nome do cônjuge; notas fiscais ao consumidor em nome do cônjuge, com endereço em área rural.
Em primeiro lugar, deve ser consignado que não exige a jurisprudência que o início de prova material contemple todo o período que se pretende comprovar. Assim, na esteira do julgamento proferido no REsp 1.348.633/SP (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima) a Primeira Seção do STJ concluiu que, para efeito de reconhecimento do labor agrícola, mostra-se desnecessário que o início de prova material seja contemporâneo a todo o período de carência exigido, desde que a eficácia daquele seja ampliada por prova testemunhal idônea.
A sentença recorrida, com base na análise dos documentos trazidos aos autos, reconheceu à parte autora o tempo de serviço rural no período de 25/10/1984 (a partir do 12 (doze) anos de idade) e até a 24/07/1991, data da entrada em vigor da Lei n. 8.213/91.
Destaca-se que, embora o art. 5º, XXXIII, Constituição Federal, vede o trabalho aos menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, a jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça reconhece o tempo de serviço prestado pelo menor, a fim de que evitar que a vedação ao trabalho infantil, criada com o intuito de proteger o menor, seja tomada em seu prejuízo. Precedente: STJ, AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020).
Ademais, o tempo de labor na atividade rural, em período anterior à Lei 8.213/91, pode ser adicionado ao tempo de serviço urbano para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo na hipótese da contagem recíproca noutro regime previdenciário, a teor do disposto nos artigos 55, §§ 1º e 2º, 94 e 96, inciso IV, todos da Lei n. 8.213/91, e 201, § 9º, da Constituição Federal de 1988, sendo vedado o cômputo desse período para efeito de carência.
Os documentos trazidos pela parte autora configuram o início razoável de prova material da atividade campesina. A prova oral produzida nos autos, por sua vez, confirma o desempenho de atividade rural desde a infância, juntamente com seus genitores, em imóvel rural do grupo familiar.
Diante desse cenário, é de se reconhecer à parte autora o direito ao reconhecimento do tempo de atividade rural desde os seus 10 (dez) anos de idade, conforme postulado em sua apelação, uma vez que não há obice ao reconhecimento do labor rural do infante antes mesmo dos seus 12 (doze) anos. Nesse sentido decidiu o e. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHO INFANTIL. CÔMPUTO DE PERÍODO LABORADO ANTES DA IDADE MÍNIMA LEGAL. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ESCOPO PROTETIVO DA NORMA. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ E DO STF.
1. "Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011).
(...) Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção" (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 17.6.2020). No mesmo sentido: STJ - AgRg no REsp 1.150.829/SP, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 4.10.2010; AgRg no Ag 922.625/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 29.10.2007, p. 333; e STF - AI 529.694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 11.3.2005.
2. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.811.727/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/6/2021, DJe de 1/7/2021.)
Ademais, há nos autos início razoável de prova material da atividade rural da autora no período posterior à Lei n. 8.213/91, especialmente a sua certidão de casamento (1993), com a qualificação profissional do cônjuge como agricultor e as notas fiscais de produtor e ao consumidor em nome do cônjuge, com endereço em área rural, cujo início de prova documental foi corroborado pela prova testemunhal.
Assim, deve ser reconhecido à parte autora o direito ao tempo de atividade rural no período de 25/10/1982 a 30/10/1998, conforme postulado em sua apelação.
Considerando que os institutos da carência e do tempo de contribuição são diferentes, a contagem de período rural, posterior à edição da Lei n. 8.213/91, para fins de soma ao tempo necessário para direito à aposentadoria por tempo de contribuição deve ser precedido do respectivo recolhimento das contribuições, ainda que o requisito carência já esteja cumprido.
Sobre a matéria, o STJ possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com o reconhecimento de atividade rural referente a períodos posteriores à edição da Lei 8.213/1991, faz-se necessário o recolhimento de contribuições previdenciárias. (AgInt no REsp n. 1.991.852/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 24/8/2022).
A Emenda Constitucional nº 20/98 assegurou em seu art. 3º a concessão da aposentadoria integral ou proporcional àqueles que na data de sua publicação já houvessem implementado os requisitos exigidos pela legislação até então vigente, em razão do direito adquirido. Assim, preenchidos os requisitos de tempo de serviço até 16/12/98, é devida ao segurado a aposentadoria integral/proporcional independentemente de qualquer outra exigência (integral aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço para o homem e 30 (trinta) anos para a mulher, e, proporcional com redução de 5 (cinco) anos de trabalho para cada.
O não preenchimento do período mínimo de 30 (trinta) anos em 16/12/1998 tornou obrigatória para a aposentadoria a observância dos requisitos contidos na EC nº 20/1998, sendo indispensável contar o segurado com 53 (cinquenta e três anos) de idade, se homem, e 48 (quarenta e oito) anos de idade, se mulher, bem como a integralização do percentual de contribuição pedágio de 20% (vinte por cento) para aposentadoria integral e 40% (quarenta por cento) para a proporcional.
Quanto ao tempo de serviço posterior à Emenda Constitucional nº 20/98, o entendimento esposado pelo STF é no sentido de que, se o segurado quiser agregar tempo de serviço posterior à referida emenda, tem de se submeter ao novo ordenamento, com observância das regras de transição, tanto em relação ao pedágio, como no que concerne à idade mínima. A adoção de um sistema híbrido não é admitida pelo Supremo Tribunal Federal. A propósito, confira-se o seguinte precedente vinculante, prolatado em sede de Repercussão Geral:
INSS. APOSENTADORIA. CONTAGEM DE TEMPO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 3º DA EC 20/98. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO POSTERIOR A 16.12.1998. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO CALCULADO EM CONFORMIDADE COM NORMAS VIGENTES ANTES DO ADVENTO DA REFERIDA EMENDA. INADMISSIBILIDADE. RE IMPROVIDO.
I - Embora tenha o recorrente direito adquirido à aposentadoria, nos termos do art. 3º da EC 20/98, não pode computar tempo de serviço posterior a ela, valendo-se das regras vigentes antes de sua edição.
II - Inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico, razão pela qual não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior.
III - A superposição de vantagens caracteriza sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários. IV - Recurso extraordinário improvido.
(RE 575089, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-09 PP-01773 RB v. 20, n. 541, 2008, p. 23-26 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 122-129).
No caso em exame, o cômputo do período de atividade rural reconhecido à parte autora após a vigência da Lei n. 8.213/91, para fins de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, deverá ser precedido do recolhimento das contribuições correspondentes. Ademais, conclui-se que na data da EC n. 20/98 a autora não havia implementado o tempo de serviço necessário para a aposentadoria, sujeitando-se, assim, às novas exigências impostas pela referida emenda constitucional.
As informações do CNIS também revelam que a autora manteve vínculo empregatício com o empregador Erai Maggi Scheffer e outros desde 06/03/2001 e que perdurou até 12/2015, tendo sido firmado novo vínculo com a empresa Bom Futuro Agrícola Ltda a partir de 01/01/2016, constando como última remuneração 05/2019.
Diante desse cenário, conclui-se que a autora possui o seguintes período de tempo de serviço/contribuição: - de 25/10/1982 a 30/10/1998 - tempo de atividade rural; - de 06/03/2001 a dezembro/2015 - tempo de atividade urbana (ERAI MAGGI SCHEFFER E OUTROS); e - de 01/01/2016 a maio/2019 - tempo de atividade urbana (BOM FUTURO AGRÍCOLA LTDA).
Entretanto, tendo a autora nascido em 25/10/1972, ela não completou a idade mínima exigida para a aposentadoria por tempo de contribuição na data do seu requerimento administrativo, formulado em 22/09/2016, e nem antes da vigência da EC n. 19/2003, que estabeleceu novas regras para a aposentadoria por tempo de contribuição e que deverão ser aplicadas na hipótese vertente.
Em conclusão, a parte autora faz jus ao reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 25/10/1982 a 30/10/1998, para fins previdenciários, condicionando a sua contagem para fins de aposentadoria, com relação ao período posterior à vigência da Lei n. 8.213/91, ao prévio recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes.
A parte autora arcará com os honorários de advogado fixados no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor atribuído à causa, cuja exigibilidade ficará suspensa se estiver litigando sob o pálio da justiça gratuita, enquanto que o INSS pagará honorários de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, já considerada a proporcionalidade da sucumbência parcial de cada parte, na forma do art. 86 do CPC.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração do INSS, para corrigir o erro material no acórdão embargado; e acolho os embargos de declaração da parte autora para suprir a omissão apontada no julgado e, atribuindo-lhes efeitos modificativos, dar parcial provimento à sua apelação, nos termos da fundamentação.
É como voto.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019634-38.2021.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: MARLISE SCHULZ PERINI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: MARIA LUIZA AMARANTE KANNEBLEY - MT12199-A, PAULO RODRIGO LIMA RODRIGUES - MT22827-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARLISE SCHULZ PERINI
Advogados do(a) APELADO: MARIA LUIZA AMARANTE KANNEBLEY - MT12199-A, PAULO RODRIGO LIMA RODRIGUES - MT22827-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À APOSENTADORIA HÍBRIDA. ERRO MATERIAL NO JULGADO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL, CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL POSTERIOR À LEI 8.213/91. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES CORRESPONDENTES. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 103/2019. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO NOVO REGRAMENTO IMPOSTO PELA NORMA CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSS E DA PARTE AUTORA ACOLHIDOS.
1. Os embargos de declaração constituem recurso com fundamentação restrita aos casos de obscuridade, contradição, omissão e erro material do julgado (CPC, art. 1.022), sendo certo que, embora possam excepcionalmente ostentar caráter infringente, não são vocacionados à alteração substancial do julgamento.
2. Identifica-se primo ictu oculi que o acórdão incorreu em erro material, ao reconhecer à parte autora o direito ao benefício de aposentadoria por idade híbrida, uma vez que, tendo ela nascido em 25/10/1972, não cumpriu o requisito etário para a concessão do referido benefício, mesmo porque, no ano de 2022 ela contava apenas com a idade de 50 (cinquenta) anos.
3. O acórdão embargado também padece de omissão quanto à apreciação do pedido veiculado no recurso de apelação de reconhecimento do labor rural da autora desde a idade de 10 (dez) anos (no período de 25/10/1982 a 30/10/1998) e, de consequência, ao reconhecimento do seu direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com DIB a partir do requerimento administrativo formulado em 22/09/2016.
4. Para o reconhecimento de atividade rural exige-se o início razoável de prova material, desde que corroborado por robusta prova testemunhal, conforme previsão do art. 55, §3º, da Lei n. 8.213/91 e na esteira do entendimento jurisprudencial pacificado sobre esse tema.
5. Com o propósito de constituir o início razoável de prova material da atividade rural, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: CTPS com anotação de emprego a partir de 06/03/2001, como serviços gerais; ficha de criador em nome do seu pai, referente à Campanha Nacional de Combate à Febre Aftosa, dos anos de 1979 a 1985; comprovante de filiação dos seus genitores a sindicato rural, com admissão em 1986; certidão de casamento da autora (1993), com a qualificação profissional do cônjuge como agricultor; notas fiscais de produtor emitidas em nome do cônjuge; notas fiscais ao consumidor em nome do cônjuge, com endereço em área rural.
6. A sentença recorrida, com base na análise dos documentos trazidos aos autos, reconheceu à parte autora o tempo de serviço rural no período de 25/10/1984 (a partir do 12 (doze) anos de idade) e até a 24/07/1991, data da entrada em vigor da Lei n. 8.213/91.
7. Embora o art. 5º, XXXIII, Constituição Federal, vede o trabalho aos menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, a jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça reconhece o tempo de serviço prestado pelo menor, a fim de que evitar que a vedação ao trabalho infantil, criada com o intuito de proteger o menor, seja tomada em seu prejuízo. Precedente: STJ, AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020).
8. O tempo de labor na atividade rural, em período anterior à Lei 8.213/91, pode ser adicionado ao tempo de serviço urbano para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo na hipótese da contagem recíproca noutro regime previdenciário, a teor do disposto nos artigos 55, §§ 1º e 2º, 94 e 96, inciso IV, todos da Lei n. 8.213/91, e 201, § 9º, da Constituição Federal de 1988, sendo vedado o cômputo desse período para efeito de carência.
9. Os documentos trazidos pela parte autora configuram o início razoável de prova material da atividade campesina. A prova oral produzida nos autos, por sua vez, confirma o desempenho de atividade rural desde a infância, juntamente com seus genitores, em imóvel rural do grupo familiar.
10. É de se reconhecer à parte autora o direito ao reconhecimento do tempo de atividade rural desde os seus 10 (dez) anos de idade, conforme postulado em sua apelação, uma vez que não há obice ao reconhecimento do labor rural do infante antes mesmo dos seus 12 (doze) anos. Nesse sentido decidiu o e. STJ (AgInt no AREsp n. 1.811.727/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/6/2021, DJe de 1/7/2021), Ademais, há nos autos início razoável de prova material da atividade rural da autora no período posterior à Lei n. 8.213/91 e que foi corroborado pela prova testemunhal.
11. O STJ possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com o reconhecimento de atividade rural referente a períodos posteriores à edição da Lei 8.213/1991, faz-se necessário o recolhimento de contribuições previdenciárias. (AgInt no REsp n. 1.991.852/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 24/8/2022).
12. A Emenda Constitucional nº 20/98 assegurou em seu art. 3º a concessão da aposentadoria integral ou proporcional àqueles que na data de sua publicação já houvessem implementado os requisitos exigidos pela legislação até então vigente, em razão do direito adquirido. Assim, preenchidos os requisitos de tempo de serviço até 16/12/98, é devida ao segurado a aposentadoria integral/proporcional independentemente de qualquer outra exigência (integral aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço para o homem e 30 (trinta) anos para a mulher, e, proporcional com redução de 5 (cinco) anos de trabalho para cada.
13. O não preenchimento do período mínimo de 30 (trinta) anos em 16/12/1998 tornou obrigatória para a aposentadoria a observância dos requisitos contidos na EC nº 20/1998, sendo indispensável contar o segurado com 53 (cinquenta e três anos) de idade, se homem, e 48 (quarenta e oito) anos de idade, se mulher, bem como a integralização do percentual de contribuição pedágio de 20% (vinte por cento) para aposentadoria integral e 40% (quarenta por cento) para a proporcional.
14. Quanto ao tempo de serviço posterior à Emenda Constitucional nº 20/98, o entendimento esposado pelo STF é no sentido de que, se o segurado quiser agregar tempo de serviço posterior à referida emenda, tem de se submeter ao novo ordenamento, com observância das regras de transição, tanto em relação ao pedágio, como no que concerne à idade mínima. A adoção de um sistema híbrido não é admitida pelo Supremo Tribunal Federal ((RE 575089, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-09 PP-01773 RB v. 20, n. 541, 2008, p. 23-26 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 122-129).
15. As informações do CNIS também revelam que a autora manteve vínculo empregatício com o empregador Erai Maggi Scheffer e outros desde 06/03/2001 e que perdurou até 12/2015, tendo sido firmado novo vínculo com a empresa Bom Futuro Agrícola Ltda a partir de 01/01/2016, constando como última remuneração 05/2019.
16. Entretanto, tendo a autora nascido em 25/10/1972, ela não completou a idade mínima exigida para a aposentadoria por tempo de contribuição na data do seu requerimento administrativo, formulado em 22/09/2016, e nem antes da vigência da EC n. 19/2003, que estabeleceu novas regras para a aposentadoria por tempo de contribuição e que deverão ser aplicadas na hipótese vertente.
17. A parte autora faz jus ao reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 25/10/1982 a 30/10/1998, para fins previdenciários, condicionando a sua contagem para fins de aposentadoria, com relação ao período posterior à vigência da Lei n. 8.213/91, ao prévio recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes.
18. A parte autora arcará com os honorários de advogado fixados no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor atribuído à causa, cuja exigibilidade ficará suspensa se estiver litigando sob o pálio da justiça gratuita, enquanto que o INSS pagará honorários de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, já considerada a proporcionalidade da sucumbência parcial de cada parte, na forma do art. 86 do CPC.
19. Embargos de declaração do INSS acolhidos, para corrigir o erro material no acórdão embargado; e embargos de declaração da parte autora também acolhidos, para suprir a omissão apontada no julgado e, atribuindo-lhes efeitos modificativos, dar parcial provimento à sua apelação.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
