
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:JOAO ALVES VIANA
RELATOR(A):HERCULES FAJOSES
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que extinguiu a execução fiscal com resolução do mérito, nos termos do art. 40, §4º, da Lei nº 6.830/1980 c/c o art. 487, II, do Código de Processo Civil, por reconhecer a prescrição intercorrente (ID 417209442).
Em suas razões recursais, o apelante sustenta que: “não há decadência ou prescrição a ser reconhecida, tendo em vista o caráter ilícito do fato (art. 37, §5º, da CR, c/c art. 348, §2º do Decreto nº 3.048/1999), que acarretou dano ao erário", bem como que “a demora no desfecho da execução fiscal é imputável ao aparelho judiciário e seus mecanismos” (ID 417209447).
Sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES (RELATOR):
A execução fiscal foi ajuizada em 08/07/2004, para a cobrança de crédito inscrito em Dívida Ativa em 07/10/2003, em decorrência da responsabilidade civil pelo recebimento indevido de benefício previdenciário, conforme consta da Certidão de Dívida Ativa - CDA que instrui a petição inicial (ID 417209436 – fls. 04 e 07 do PDF).
Diante da ausência de autorização legal à época da constituição do crédito, vez que não estava vigente a norma do §3º do art. 115 da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Medida Provisória nº 780/2017, não é possível o manejo da execução fiscal para cobrança desse tipo de crédito, devendo a apuração da responsabilidade civil ser feita em ação de conhecimento.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA EFETUADA COM BASE, UNICAMENTE, EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. REQUISITOS LEGAIS NÃO CUMPRIDOS. VIA ELEITA INADEQUADA. PRECEDENTES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. "À míngua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previsto no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil" (STJ, REsp 1.350.804/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 28/06/2013. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008).
2. "O ressarcimento do valor indevidamente recebido a título de benefício previdenciário não se enquadra no conceito de dívida ativa, visto ser proveniente de responsabilidade civil, o que afasta a certeza e a liquidez do título. A apuração unilateral dos fatos imputados ao particular e a quantificação de eventual indenização em processo administrativo não se enquadram na atividade típica da autarquia previdenciária, pois desbordam dos limites do seu poder polícia e da sua competência" (AP 0005507-34.2011.4.01.3801/MG, Relatora Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, TRF1, Oitava Turma, e-DJF1 de 23/01/2015).
3. O título executivo objeto da controvérsia foi elaborado em afronta ao que dispõem os arts. 202, III, do CTN, e 5º, III, da Lei nº 6.830/80, ao mencionar, no campo destinado ao fundamento legal, apenas, “RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - CRÉDITO DECORRENTE DE PAGAMENTO POR FRAUDE, DOLO OU MÁ-FÉ” (fls. 05), o que, certamente, afasta a regularidade da inscrição.
4. Apelação não provida (AC 0008994-60.2012.4.01.4000/PI, Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, e-DJF1 de 08/05/2015).
Ademais, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1064), firmou o seguinte entendimento quanto à possibilidade de inscrição, em dívida ativa, de benefício previdenciário indevidamente recebido:
RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3. RECURSO REPETITIVO. TEMA CORRELATO AO TEMA N. 598 CONSTANTE DO REPETITIVO RESP. 1.350.804-PR. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO FINANCEIRO E PREVIDENCIÁRIO. DISCUSSÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE RECEBIDO, QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. APLICABILIDADE DOS §§3º E 4º, DO ART. 115, DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 780/2017 (LEI Nº 13.494/2017) E MEDIDA PROVISÓRIA Nº 871/2019 (LEI Nº 13.846/2019) AOS PROCESSOS EM CURSO DONDE CONSTAM CRÉDITOS CONSTITUÍDOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DAS REFERIDAS LEIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. O presente repetitivo Tema/Repetitivo 1064 é um desdobramento do Tema/Repetitivo 598, onde foi submetida a julgamento no âmbito do REsp. 1.350.804-PR (Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 12.06.2013) a "Questão referente à possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido, qualificado como enriquecimento ilícito". Naquela ocasião foi definido que a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente, o que impossibilitava a inscrição em dívida ativa de valor indevidamente recebido, a título de benefício previdenciário do INSS, pois não havia lei específica que assim o dispusesse. Essa lacuna de lei tornava ilegal o art. 154, §4º, II, do Decreto nº 3.048/99 que determinava a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente, já que não dispunha de amparo legal.
2. Pode-se colher da ratiodecidendi do repetitivo REsp. 1.350.804-PR três requisitos prévios à inscrição em dívida ativa: 1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a inscrição do débito em dívida ativa.
3. Após o advento da Medida Provisória nº 780/2017 (convertida na Lei nº 13.494/2017) a que se sucedeu a Medida Provisória nº 871/2019 (convertida na Lei nº 13.846/2019), que alteraram e adicionaram os §§3º, 4º e 5º ao art. 115, da Lei nº 8.213/91, foi determinada a inscrição em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal - PGF dos créditos constituídos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive para terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação.
4. Considerando-se as razões de decidir do repetitivo REsp 1.350.804-PR, as alterações legais não podem retroagir para alcançar créditos constituídos (lançados) antes de sua vigência, indiferente, portanto, que a inscrição em dívida ativa tenha sido feita depois da vigência das respectivas alterações legislativas. O processo administrativo que enseja a constituição do crédito (lançamento) há que ter início (notificação para defesa) e término (lançamento) dentro da vigência das leis novas para que a inscrição em dívida ativa seja válida. Precedentes: REsp 1.793.584/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Francisco Falcão, julgado em 02.04.2019; AREsp 1.669.577/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 04.08.2020; AREsp. 1.570.630/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 12.11.2019; REsp 1.826.472/PE, Segunda Turma, Relator Ministro Francisco Falcão, julgado em 15.10.2019; AREsp. 1.521.461/RJ, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 03.10.2019; REsp 1.776.760/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 23.04.2019; AREsp 1.432.591/RJ, decisão monocrática, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 21.2.2019; REsp 1.772.921/SC, Decisão monocrática, Relator Ministro Assusete Magalhães, DJe de 18.2.2019.
5. Desta forma, propõe-se as seguintes teses:
5.1. "As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei nº 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis"; e
5.2. "As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019, convertida na Lei nº 13.846/2019 (antes de 18.01.2019) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis".
6. Recurso especial não provido (REsp 1.852.691/PB, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 28/06/2021).
Ante o exposto, nego provimento à apelação, por fundamento diverso.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) N. 0000224-08.2012.4.01.3506
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO: JOAO ALVES VIANA
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MP 780/2017, CONVERTIDA NA LEI Nº 13.494/2017, E ART. 493 DO CPC. INAPLICABILIDADE.
1. O egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgado submetido ao regime do art. 543-C do CPC/1973 (recursos repetitivos), reconhece que: “À míngua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil” (REsp 1.350.804/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 28/06/2013).
2. No mesmo sentido entende este egrégio Tribunal: “O ressarcimento do valor indevidamente recebido a título de benefício previdenciário não se enquadra no conceito de dívida ativa, visto ser proveniente de responsabilidade civil, o que afasta a certeza e a liquidez do título. A apuração unilateral dos fatos imputados ao particular e a quantificação de eventual indenização em processo administrativo não se enquadram na atividade típica da autarquia previdenciária, pois desbordam dos limites do seu poder polícia e da sua competência” (AC 0008994-60.2012.4.01.4000/PI, Relator Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, Oitava Turma, e-DJF1 de 08/05/2015).
3. O egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1064), firmou o entendimento de que: “Após o advento da Medida Provisória n. 780/2017 (convertida na Lei nº 13.494/2017) a que se sucedeu a Medida Provisória nº 871/2019 (convertida na Lei nº 13.846/2019), que alteraram e adicionaram os §§3º, 4º e 5º ao art. 115, da Lei nº 8.213/91, foi determinada a inscrição em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal - PGF dos créditos constituídos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive para terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação. [...] Considerando-se as razões de decidir do repetitivo REsp 1.350.804-PR, as alterações legais não podem retroagir para alcançar créditos constituídos (lançados) antes de sua vigência, indiferente, portanto, que a inscrição em dívida ativa tenha sido feita depois da vigência das respectivas alterações legislativas. [...] Desta forma, propõe-se as seguintes teses: [...] ‘As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei nº 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis’” (REsp 1.852.691/PB, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 28/06/2021).
4. Inaplicabilidade do §3º do art. 115 da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Medida Provisória nº 780/2017, vez que não estava vigente à época da constituição do crédito exequendo.
5. Apelação não provida, por fundamento diverso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator.
Brasília-DF, 05 de agosto de 2024 (data do julgamento).
DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES
Relator
