
POLO ATIVO: LUCIA CANDIDA DE SOUSA VIEIRA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ALVACIR DE OLIVEIRA BERQUO NETO - GO20508-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1017191-46.2018.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0332862-50.2015.8.09.0049
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
POLO ATIVO: LUCIA CANDIDA DE SOUSA VIEIRA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ALVACIR DE OLIVEIRA BERQUO NETO - GO20508-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora em face de decisão interlocutória proferida pelo Juízo monocrático que, julgando temerária a conduta da autora e de seu advogado, aplicou a pena de multa por litigância de má-fé em desfavor da agravante e de seu advogado, bem como em honorários de sucumbência.
Em suas razões, requer a reforma da decisão agravada, reconhecendo como indevida a multa aplica em seu desfavor, bem como a condenação em honorários advocatícios de sucumbência.
Intimado, o lado agravado apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PROCESSO: 1017191-46.2018.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0332862-50.2015.8.09.0049
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
POLO ATIVO: LUCIA CANDIDA DE SOUSA VIEIRA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ALVACIR DE OLIVEIRA BERQUO NETO - GO20508-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Diante da inexistência de preliminares ou/e defesa indireta de mérito, mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente ao acertou, ou não, da decisão que condenou a Agravante e seu advogado ao pagamento de multa por litigância de má-fé e honorários de sucumbência.
Nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil, para ficar configurada a litigância de má-fé é necessário que a parte tenha como conduta: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
O art. 81 do mesmo diploma normativo estabelece, ainda, que:
“De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”.
Além dos mencionados critérios de caráter objetivo, é necessária a presença de aspecto subjetivo, qual seja, a conduta dolosa de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte.
Com efeito, verifica-se dos autos que no ano de 2014 a autora, representada em Juízo pelo mesmo advogado dos autos, intentou ação judicial perante o Juízo da 14ª Vara do Juizado Especial Civil da Seção Judiciária Federal do Estado de Goiás, objetivando a concessão de benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, em razão do indeferimento administrativo de benefício requerido em 12/08/2010.
Em sentença datada em 18/03/2015 a referida ação foi julgada improcedente, em face da qual a agravante interpôs recurso.
Em ato contínuo, na pendência do julgamento do recurso interposto, a autora formulou novo requerimento administrativo de benefício por incapacidade (DER: 17/07/2015) e, a vista do novo indeferimento, ajuizou nova demanda requerendo o benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), omitindo o fato da existência de outra ação discutindo o mesmo pedido consistente na concessão do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente.
Após o regular trâmite processual e contestação apresentada pelo INSS no presente feito, cujo trâmite se deu perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Goianésia, a ação cujo trâmite se deu perante à Justiça Federal foi definitivamente julgada e, consoante voto/ementa datada em 19/05/2016, a autora/agravante teve reconhecido em seu favor o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez/incapacidade permanente, com DIB - Data Inicio do Benefício fixada em 05/03/2014, de modo que o objeto do feito cujo trâmite se dava no Juízo Estadual restou completamente prejudicado por perda superveniente do objeto.
Verifica-se, ainda, que naquele outro feito houve a expedição de RPV quanto aos valores atrasados, com requisição de pagamento datada em 24/03/2017, todavia, em que pese à satisfação integral do direito da autora/agravante em decorrência do resultado da ação anteriormente intentada, em curso quando do ajuizamento da presente ação, a agravante deixou de observar o dever de lealdade processual e do princípio da cooperação e não comunicou o Juízo quanto ao resultado obtido, o que ocasionou a movimentação da máquina judiciária indevidamente, com realização de atos processuais e judiciais desnecessários, culminando na sentença de procedência proferida pelo Juízo de origem após o decurso de mais de um ano em que a agravante já teve satisfeita a pretensão.
Nesse contexto, constata-se que de fato a agravante procedeu de modo temerário, pois permitiu a movimentação do judiciário para obter provimento judicial que em nada lhe aproveita.
Por outro lado, inexiste no regramento processual civil a previsão de condenação do advogado em litigância de má-fé, posto que o Código de Processo Civil estabelece que a condenação recairá sobre a parte, embora inequivocadamente se observa que todo o transtorno/tumulto processual se deu por negligência causadora pelo patrono da parte agravante, que não agiu com o zelo que lhe é exigido ao formular pedido de desistência da ação somente após a entrega definitiva do provimento jurisdicional e após o decurso de mais de um ano que já havia sido satisfeita a pretensão exordial, em razão da manifestação da autarquia previdenciária relatando os fatos, com inobservância do que estabelece o art. 485, §5º do Código de Processo Civil.
Segundo os arts. 32 e 33 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lei nº 8.906/1994, o advogado é responsável pelos atos que praticar com culpa e deve cumprir, no exercício de sua atividade, os deveres previstos no Código de Ética e Disciplina da OAB:
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.
O Código de Ética da OAB, a seu turno, impõe ao advogado o dever de informação ao cliente quanto aos riscos e consequências que poderão advir da propositura das demandas judiciais, entre eles, evidentemente, o de ajuizar demanda com pedidos repetidos e de ter que arcar com o ônus sucumbencial dela advindo:
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
(...)
VII – desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica (grifos acrescentados)
Art. 9º O advogado deve informar o cliente, de modo claro e inequívoco, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda. Deve, igualmente, denunciar, desde logo, a quem lhe solicite parecer ou patrocínio, qualquer circunstância que possa influir na resolução de submeter-lhe a consulta ou confiar-lhe a causa. (grifos acrescentados)
Por conseguinte, condenar a parte autora por litigância de má-fé no presente caso seria responsabilizá-la diretamente por ato negligente praticado por terceiro (patrono), que não cumpriu com seu ônus de atuar com acuidade, cooperação e boa-fé (art. 5º e 6º do CPC) ao deixar de formular o pedido de desistência e/ou comunicar ao Juízo quanto à superveniente perda do objeto da ação, permitindo o regular trâmite processual e a execução de atos judiciais desnecessários, onerando a máquina pública já tão assoberbada quando a parte autora já havia tido sua pretensão exaurida em outro feito.
Nota-se, portanto, que nos caso dos autos a aludida condenação teria, na prática, repercussão mais desarrazoada do que a responsabilidade penal objetiva, na qual uma pessoa é condenada sem que sejam aferidos, ao menos, os elementos subjetivos de sua conduta (dolo ou culpa).
Em outras palavras, ratificar em segundo grau a condenação por litigância de má-fé previamente imposta à parte autora seria chancelar hipótese em que uma pessoa (constituinte) arcará com as consequências advindas da conduta de outrem (patrono), o que, a meu sentir, é inadmissível e inapropriado ao caso.
Por outro lado, como dito em linhas volvidas, também não se vislumbra possível a condenação do próprio advogado em litigância de má-fé, posto que a previsão normativa estabelece a condenação da parte e não do seu patrono, cabendo ao Conselho de Ética da OAB apurar a conduta do advogado da agravante.
Via de consequência, também é incabível falar em condenação do advogado em honorários de sucumbência, uma vez que o advogado não é parte/autor do processo.
Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento interposto, nos termos da fundamentação supra.
Oficie-se o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para ciência dos fatos que trata o presente recurso para que, entendendo pertinente, adote as providências necessárias para apuração de eventual falta disciplinar do advogado.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1017191-46.2018.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0332862-50.2015.8.09.0049
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
POLO ATIVO: LUCIA CANDIDA DE SOUSA VIEIRA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ALVACIR DE OLIVEIRA BERQUO NETO - GO20508-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDUTA DOLOSA NO CURSO DO PROCESSO. DEVER PROCESSUAL DE COOPERAÇÃO. MANUTENÇÃO DE DEMANDA JUDICIAL APÓS SATISFAÇÃO DO DIREITO EM RAZÃO DE OUTRA AÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NEGLIGÊNCIA DO ADVOGADO. INVIABILIDADE DE CONDENAÇÃO DA PARTE AUTORA E DE SEU ADVOGADO. AGRAVO PROVIDO.
1. Na hipótese, trata-se de conflito de interesses condizente ao acerto, ou não, da decisão preferida por Juízo Estadual que, no âmbito do exercício da competência federal delegada, condenou a Agravante e seu advogado ao pagamento de multa por litigância de má-fé e honorários de sucumbência em razão da omissão da existência de demanda pendente de julgamento na Justiça Federal, cujo trâmite se dava em grau recursal ao tempo do ajuizamento do feito de origem e que continha pedido idêntico ao formulado junto ao Juízo Estadual (benefício previdenciário por incapacidade). No decorrer do trâmite processual, a parte Agravante obteve julgamento favorável na demanda anterior (aposentadoria por incapacidade permanente), o que exauriu a pretensão do feito de origem.
2. Em que pese à satisfação integral do direito da autora/agravante em decorrência do resultado da ação anteriormente intentada, a agravante deixou de observar o dever de lealdade processual e do princípio da cooperação e não comunicou o Juízo quanto ao resultado obtido, o que ocasionou a movimentação da máquina judiciária indevidamente, com realização de atos processuais e judiciais desnecessários, culminando na sentença de procedência proferida pelo Juízo de origem após o decurso de mais de um ano em que a agravante já teve satisfeita a pretensão. Nesse contexto, constata-se que de fato a agravante procedeu de modo temerário, pois permitiu a movimentação do judiciário para obter provimento judicial que em nada lhe aproveita, apenas formulando pedido de desistência da ação após mais de um ano da satisfação integral do seu direito em outra ação e após provação da autarquia previdenciária, o que se deu após entrega definitiva do provimento judicial do feito de origem.
3. Por outro lado, inexiste no regramento processual civil a previsão de condenação do advogado em litigância de má-fé, posto que o Código de Processo Civil estabelece que a condenação recairá sobre a parte, embora inequivocadamente se observa que todo o transtorno/tumulto processual se deu por negligência causadora pelo patrono da parte agravante, que não agiu com o zelo que lhe é exigido ao formular pedido de desistência da ação somente após a entrega definitiva do provimento jurisdicional e após o decurso de mais de um ano que já havia sido satisfeita a pretensão exordial, em razão da manifestação da autarquia previdenciária relatando os fatos, com inobservância do que estabelece o art. 485, §5º do Código de Processo Civil.
4. Por conseguinte, condenar a parte autora por litigância de má-fé no presente caso seria responsabilizá-la diretamente por ato negligente praticado por terceiro (patrono), que não cumpriu com seu ônus de atuar com zelo, cooperação e boa-fé (art. 5º e 6º do CPC) ao deixar de formular o pedido de desistência e/ou comunicar ao Juízo quanto à superveniente perda do objeto da ação, permitindo o regular trâmite processual e a execução de atos judiciais desnecessários, onerando a máquina pública já tão assoberbada quando a parte autora já havia tido sua pretensão exaurida em outro feito. Assim, ratificar em segundo grau a condenação por litigância de má-fé previamente imposta à parte autora seria chancelar hipótese em que uma pessoa (constituinte) arcará com as consequências advindas da conduta de outrem (patrono), o que é inadmissível e inapropriado ao caso.
5. Igualmente, não se vislumbra possível a condenação do próprio advogado em litigância de má-fé, posto que a previsão normativa estabelece a condenação da parte e não do seu patrono, cabendo ao Conselho de Ética da OAB apurar a conduta do advogado da agravante. Via de consequência, também é incabível falar em condenação do advogado em honorários de sucumbência, uma vez que o advogado não é parte/autor do processo.
6. Recurso a que se dá provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento interposto, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
