
POLO ATIVO: ANTONIA DA SILVA LOPES
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: SALOMAO PINHEIRO DE MOURA NETO - PI12199-A e LENNA MARIA BARBOSA DE SOUSA - PI7185-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004747-31.2015.4.01.4000
APELANTE: ANTONIA DA SILVA LOPES
Advogados do(a) APELANTE: LENNA MARIA BARBOSA DE SOUSA - PI7185-A, SALOMAO PINHEIRO DE MOURA NETO - PI12199-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de Ação de Ressarcimento ao Erário proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra ANTONIA DA SILVA LOPES, visando reaver os valores indevidamente recebidos a título de salário maternidade no período de 07/2010 a 10/2010.
O magistrado julgou procedente o pedido, condenando a ré ao ressarcimento da quantia indevidamente percebida a título de salário maternidade. Determinou ainda a incidência de juros e correção monetária, a serem calculados conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal.
A ré interpôs apelação, sustentando, de forma resumida, a ocorrência da prescrição, a existência da boa-fé e a irrepetibilidade do indébito.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004747-31.2015.4.01.4000
APELANTE: ANTONIA DA SILVA LOPES
Advogados do(a) APELANTE: LENNA MARIA BARBOSA DE SOUSA - PI7185-A, SALOMAO PINHEIRO DE MOURA NETO - PI12199-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Prescrição
Quanto à prescrição, é certo que o artigo 37, § 5º, da Constituição, ao dispor sobre a ocorrência de prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário, estabelece que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento".
Conforme já decidido pelo STF, “a Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis”. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (RE 852475, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019). (Sem grifos no original).
Por sua vez, em decisão proferida com repercussão geral reconhecida (Tema 666), o Supremo Tribunal Federal concluiu da seguinte forma: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
Além disso, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
Portanto, a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, ainda que configurada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
Por fim, enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente aos prazos prescricionais (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
No caso em questão, afasto a alegação de prescrição levantada pela ré. A presente ação foi ajuizada em 04/03/2015 e trata da cobrança de parcelas de benefício pagas no interstício de julho a outubro de 2010. Portanto, não se consumou o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.
DO MÉRITO
A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, tidos como indevidos, a título de benefício previdenciário (aposentadoria por idade rural).
Na situação em análise, a parte autora visa reaver os valores indevidamente recebidos a título de salário-maternidade no período de 07/2010 a 10/2010.
O INSS alega que, após operação deflagrada pela Polícia Federal, foi constatado que a Requerida fazia parte de uma quadrilha envolvendo particulares e servidores. O grupo buscava mulheres grávidas com a finalidade de filiá-las à Previdência Social, obtendo para essas mulheres a falsa condição de empregadas domésticas.
Ao proferir a sentença, o Magistrado reconheceu a má-fé da ré nos seguintes termos:
"Analisando detidamente a documentação anexada aos autos, conclui-se que foi, efetivamente, concedido à ré de forma indevida benefício previdenciário de salário maternidade, tendo essa admitido, em sua contestação, que forneceu seus documentos para a entrada do requerimento do benefício em questão, não se tendo, portanto, como conceber, pela tão só condição de hipossuficiência da beneficiária ou pelo caráter alimentar da verba, a sua boa-fé". (Sem grifos no original).
Caso em que a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário.
A jurisprudência tem manifestado a orientação deque seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
Nesse sentido, o INSS não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé da segurada. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes.
O simples ato de fornecer documentos pessoais para que terceiros solicitem um benefício previdenciário não necessariamente indica má-fé por parte da segurada. Pelo contrário, pode sugerir que a ré tenha sido vítima de uma quadrilha especializada na fraude de benefícios, que eventualmente contava até mesmo com a participação de servidores dos quadros funcionais da Autarquia Previdenciária. Portanto, não restou cabalmente comprovada a má-fé da ré.
Acresço que, embora tenha sido mencionada a existência da Ação Penal n° 0011697-31.2010.4.03.6181 contra um servidor do INSS envolvido na fraude, tal ação não evidencia a efetiva participação da ré neste processo relacionado à referida organização criminosa.
Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido.
No julgamento do REsp n. 1.381.734 (Tema 979/STJ) foi firmada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." (Sem grifos no original).
No mesmo julgamento foi decidida a modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
Ante a modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário. Tal não é a situação dos autos, uma vez que a ação foi proposta antes da publicação do acórdão em referência.
Considerando a ausência da comprovação de má-fé da ré e a restrição de eficácia temporal estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, não se mostra relevante eventual discussão sobre a ausência, ou não, de boa-fé da na percepção das verbas tidas por indevidas.
Por fim, objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, dou provimento à apelação da ré para declarar inexistente o débito indicado pelo INSS, nos termos acima explicitados.
Inverto os ônus da sucumbência, ficando a parte vencida condenada em custas e honorários advocatícios em favor da parte vencedora, englobando trabalho do advogado em primeiro e segundo graus (art. 85, §11, CPC), que ora fixo em 1% (um por cento) acima dos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, sobre o valor atualizado da causa. Sem custas, pois o INSS é isento.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004747-31.2015.4.01.4000
APELANTE: ANTONIA DA SILVA LOPES
Advogados do(a) APELANTE: LENNA MARIA BARBOSA DE SOUSA - PI7185-A, SALOMAO PINHEIRO DE MOURA NETO - PI12199-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INEXIGIBILIDADE. TEMA 979. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023). No caso em questão, deve ser afastada a alegação de prescrição levantada pela ré. A presente ação foi interposta em 04/03/2015 e trata da cobrança de parcelas de benefício pagas no interstício de julho a outubro de 2010. Portanto, não se aplica à espécie o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.
2. A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, tidos como indevidos, a título de benefício previdenciário.
3. Na situação em análise, a parte autora visa reaver os valores indevidamente recebidos a título de salário-maternidade no período de 07/2010 a 10/2010. O INSS alega que, após operação deflagrada pela Polícia Federal, foi constatado que a Requerida fazia parte de uma quadrilha envolvendo particulares e servidores. O grupo buscava mulheres grávidas com a finalidade de filiá-las à Previdência Social, obtendo para essas mulheres a falsa condição de empregadas domésticas.
4. A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
5. O simples ato de fornecer documentos pessoais para que terceiros solicitem um benefício previdenciário não necessariamente indica má-fé por parte da segurada. Pelo contrário, pode sugerir que a ré tenha sido vítima de uma quadrilha especializada na fraude de benefícios, que eventualmente contava até mesmo com a participação de servidores dos quadros funcionais da Autarquia Previdenciária. Além disso, embora tenha sido mencionada a existência da Ação Penal n° 0011697-31.2010.4.03.6181 contra um servidor do INSS envolvido na fraude, tal ação não evidencia a efetiva participação da ré neste processo relacionado à referida organização criminosa. Portanto, não restou cabalmente comprovada a má-fé da ré.
6. O Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido.
7. Ante a modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário. Tal não é a situação dos autos, uma vez que a ação foi proposta antes da publicação do acórdão em referência.
8. Considerando a ausência da comprovação de má-fé da ré e a restrição de eficácia temporal estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, não se mostra relevante eventual discussão sobre a ausência, ou não, de boa-fé da na percepção das verbas tidas por indevidas.
9. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
