
POLO ATIVO: FRANCISCA MAGALHAES DE ALMEIDA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: WILSON MOLINA PORTO - TO3546-A e MICHELLE FASCINI XAVIER - MT11413-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1005016-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000346-29.2019.8.04.2901
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: FRANCISCA MAGALHAES DE ALMEIDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: WILSON MOLINA PORTO - TO3546-A e MICHELLE FASCINI XAVIER - MT11413-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que não reconheceu o direito à percepção do benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural, segurada especial, pela não comprovação do labor rural em regime de subsistência durante o período de carência pretendido.
Em suas razões, requer nulidade da sentença, sustentando ter ocorrido o cerceamento do direito de defesa, tendo em vista que o julgador monocrático indeferiu a produção da prova testemunhal, sob o fundamento de ausência de prévio depósito do rol de testemunhas.
O INSS, devidamente intimado, apresentou contrarrazões.
Com vistas dos autos, o Ministério Público Federal informou não vislumbrar a presença de interesse institucional a justificar a sua manifestação quanto ao mérito.
É o relatório.

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1005016-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000346-29.2019.8.04.2901
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: FRANCISCA MAGALHAES DE ALMEIDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: WILSON MOLINA PORTO - TO3546-A e MICHELLE FASCINI XAVIER - MT11413-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente ao benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural, segurada especial, em que a autora sustenta a nulidade do julgado por cerceamento ao direito de defesa.
O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora, portanto, exige a demonstração do trabalho rural, em regime de subsistência, no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27).
Dessa forma, antes de analisar eventual nulidade da sentença em razão da não colheita da prova testemunhal em audiência instrutória, desvela-se essencial percorrer quanto a presença, ou não, de prova material idônea a servir como início de prova material em favor da autora, diante da vedação de concessão de benefício baseada, unicamente, em prova testemunhal.
E nesse ponto, no que tange à caracterização da condição de segurada especial, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência, firmou o entendimento de que para o reconhecimento do tempo de serviço do trabalho rural, apesar de não haver exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se busca comprovar, é preciso que tal prova seja contemporânea ao menos por uma fração do lapso de trabalho rural pretendido (Pet 7.475/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 09/11/2016, DJe 29/11/2016).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
São idôneos, portanto, dentre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE).
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Por outro lado, são inservíveis como início de prova material do labor rural durante o período da carência os documentos não revestidos das formalidades legais para comprovar a autenticidade, os desprovidos de segurança jurídica e aqueles que tiverem sido confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação, à Data de Entrada do Requerimento administrativo - DER ou à data do nascimento da criança.
Por tal razão, a certidão eleitoral (retificável a qualquer tempo) com anotação indicativa da profissão de rurícola, certidão de nascimento da criança e/ou certidão de casamento sem qualificação profissional, prontuários médicos, cartão da gestante, cartão de vacinas, carteira e ficha de filiação a sindicato de trabalhadores rurais, desacompanhados dos recolhimentos, CTPS sem anotações de vínculos rurais, documentos de terras em nome de terceiros, bem como declaração de terceiros são inservíveis como início de prova material.
Nesta mesma direção são os seguintes precedentes: AC 00052792020184019199, Desembargador Federal João Luiz de Sousa, TRF1 – Segunda Turma, e-DJF1 Data: 08/06/2018 Página; AC 00017872020184019199, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF1 - Primeira Turma, e-DJF1 Data: 06/06/2018 Página; AC 1021403-47.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 11/06/2023 PAG.
No caso dos autos, a autora postula o benefício de salário-maternidade rural, segurada especial, em decorrência do nascimento de sua filha F.A.D., ocorrido em 18/09/2014.
Com o propósito de comprovar a sua condição de trabalhadora rural, segurada especial, juntou aos autos diversos documentos indicativos do labor rural de subsistência, dentre os quais se destacam: a ficha de matrícula do filho da autora, relativo ao ano de 2013, de onde se extrai sua profissão como sendo a de agricultora, bem como o endereço rural apresentado se situa em meio rural; certidão de nascimento da criança, em virtude da qual se postula o benefíco, de onde se extrai que o local de ocorrência do parto se deu em meio rural, tratando-se, pois, de documentos indicativos de que no período de carência a autora retirava seu sustento das lides rurais.
Desse modo, verifica-se que os documentos retromencionados são idôneos a configurar o início de prova material, em especial pelo fato de que inexiste nos autos qualquer elemento de contraprova da alegada condição de segurada especial da autora no período de carência pretendido ou qualquer outro elemento indicativo de fraude que macule o seu conteúdo e as afirmações exordiais.
Com efeito, diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rural, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem adotado a solução pro mísero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de segurada, desde que acompanhada de início de prova material.
Por outro lado, a despeito da presença da prova indiciária do labor rural, na condição de segurada especial, a autora não logrou êxito na produção de prova testemunhal, pois embora tenha comparecido à audiência aprazada, acompanhada de suas testemunhas, o julgador monocrático deixou de ouvi-las, declarando a preclusão do direito a produção da referida prova, por ausência de prévia juntada de rol das testemunhas, contendo suas qualificações.
Ocorre, todavia, consoante precedentes das Turmas deste Tribunal Regional, o comparecimento de forma espontânea das testemunhas na audiência de instrução designada previamente atesta o interesse na produção da prova e afasta a preclusão temporal. Nesse sentido são os precedentes: AC 0000894-88.2014.4.01.3825, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 07/10/2016 PAG)” (AC 1018661-83.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 12/12/2022; AC 1027374-13.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 24/03/2023.
Tendo em vista o caráter social do direito previdenciário, em especial como no caso dos autos que se postula direito de salário-maternidade, cujo alcance da norma alberga, a um só tempo, a proteção à maternidade e aos interesses do nascituro, direitos estes que são resguardados, normativamente, desde a concepção (art. 2º do CC), revela interesse social que se sobrepõe aos rigorismos exacerbados.
Dessa forma, não há falar em preclusão do direito a produção da prova, independente da apresentação do rol de testemunhas, em especial pelo fato de que, repita-se, a autora requereu o direito de produção da referida prova e compareceu junto com suas testemunhas à solenidade, independente de intimação e de prévia apresentação de rol.
Trata-se, em verdade, não de afastar norma processual vigente, mas de dar-lhe interpretação de modo a considerar as condições desiguais vivenciadas pelos segurados/trabalhadores rurais que, por sua condição de notória hipossuficiência, adotando-se a solução pro misero e ponderando os valores envolvidos, prestigia os princípios constitucionais da efetividade da prestação jurisdicional e da instrumentalidade das formas.
Acrescenta-se que, no caso concreto, não restou demonstrado qualquer indicativo de que a possibilidade de realização do ato sem apresentação prévia do rol de testemunhas ensejaria prejuízo ou dano à autarquia previdenciária, eis que poderia, comparecendo o procurador federal à audiência de instrução e julgamento designada, contraditar as testemunhas levadas pela parte autora.
Dito de outro modo, no caso dos autos a não apresentação do rol de testemunhas não implica na preclusão do direito de produção da prova oral, uma vez que as testemunhas compareceram junto com a parte autora no dia da realização da audiência de instrução e julgamento, conforme consta, expressamente, na sentença.
Posto isto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pela autora para, anulando a sentença recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para o regular prosseguimento do feito, com reabertura da fase instrutória.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1005016-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000346-29.2019.8.04.2901
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: FRANCISCA MAGALHAES DE ALMEIDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: WILSON MOLINA PORTO - TO3546-A e MICHELLE FASCINI XAVIER - MT11413-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL VÁLIDA. ROL DE TESTEMUNHAS NÃO APRESENTADO PREVIAMENTE. PRECLUSÃO DO DIREITO DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA.
1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser comprovado mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27).
2. No caso dos autos, a autora postula o benefício de salário-maternidade rural, segurada especial, em decorrência do nascimento de sua filha F.A.D., ocorrido em 18/09/2014. Com o propósito de comprovar a sua condição de trabalhadora rural, segurada especial, juntou aos autos diversos documentos indicativos do labor rural de subsistência, dentre os quais se destacam: a ficha de matrícula do filho da autora, relativo ao ano de 2013, de onde se extrai sua profissão como sendo a de agricultora, bem como o endereço rural apresentado se situa em meio rural; certidão de nascimento da criança, em virtude da qual se postula o benefício, de onde se extrai que o local de ocorrência do parto se deu em meio rural, tratando-se, pois, de documentos indicativos de que no período de carência a autora retirava seu sustento das lides rurais.
3. Por outro lado, a despeito da presença da prova indiciária do labor rural, na condição de segurada especial, a autora não logrou êxito na produção de prova testemunhal, pois embora tenha comparecido à audiência aprazada, acompanhada de suas testemunhas, o julgador monocrático deixou de ouvi-las, declarando a preclusão do direito a produção da referida prova, por ausência de prévia juntada de rol das testemunhas, contendo suas qualificações.
4. Ocorre, todavia, que o comparecimento espontâneo das testemunhas na audiência previamente designada, atesta o interesse na produção da prova e afasta a preclusão temporal. Com efeito, tendo em vista o caráter social do direito previdenciário, em especial como no caso dos autos que se postula direito de salário-maternidade, cujo alcance da norma alberga, a um só tempo, a proteção à maternidade e aos interesses do nascituro, direitos estes que são resguardados, normativamente, desde a concepção (art. 2º do CC), revela interesse social que se sobrepõe aos rigorismos exacerbados. Dessa forma, não há falar em preclusão do direito a produção da prova, independente da apresentação do rol de testemunhas, em especial pelo fato de que a autora requereu o direito de produção da referida prova e compareceu junto com suas testemunhas à solenidade, independente de intimação e de prévia apresentação de rol.
5. Acrescenta-se que, no caso concreto, não restou demonstrado qualquer indicativo de que a possibilidade de realização do ato sem apresentação prévia do rol de testemunhas ensejaria prejuízo ou dano à autarquia previdenciária, eis que poderia, comparecendo o procurador federal à audiência de instrução e julgamento designada, contraditar as testemunhas levadas pela parte autora.
6. Apelação a que se dá provimento para, anulando a sentença, determinar o retorno dos autos à origem para produção da prova testemunhal.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO a apelação interposta pela autora, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
