
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
POLO PASSIVO:ANTONIO CELESTINO DOS SANTOS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE VINICIUS FREIRE LIMA DA CUNHA - PA14884-A
RELATOR(A):CESAR CINTRA JATAHY FONSECA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0002217-93.2011.4.01.3903/PA PROCESSO REFERÊNCIA: 0002217-93.2011.4.01.3903
CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR):
Trata-se de embargos de declaração (ID 373665156) opostos pelo Ministério Público da União em face do acórdão (ID 371566159) que, por maioria, vencido o Relator, negou provimento à sua apelação.
O embargante sustenta que o acórdão embargado padece do vício da omissão.
Afirma que o recurso ministerial não se limitou ao pleito de condenação pelo delito previsto no art. 149 do CP (redução a condição análoga à de escravo), mas também abarcou a possibilidade de condenação do apelado pelo delito previsto no art. 297, § 4º, do CP (omissão na Carteira de Trabalho e Previdência Social).
Diz que o Parquet Federal explicitou que o apelado se absteve de cumprir a obrigação legal de realizar as anotações trabalhistas nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social dos 42 (quarenta e dois) trabalhadores resgatados. Afirma que o voto vencedor reconheceu a existência de irregularidades quanto à legislação trabalhista, mas deixou de apreciar o pleito ministerial acerca da condenação pelo delito de omissão de dados na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS.
Sustenta que há diversos elementos nos autos que indicam a ausência das anotações exigidas pela legislação trabalhista na CTPS dos 42 (quarenta e dois) trabalhadores resgatados na Fazenda Sombra da Tarde, vide Auto de Infração nº 01924619-6 (págs. 30/32, id 267130549). Alega que a ausência de anotação na CTPS dos trabalhadores é incontestável, tanto é que o denunciado assinou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta a fim de regularizar a situação laboral dos indivíduos resgatados na fiscalização feita pelo Ministério Público do Trabalho (págs. 21/25, id 267130546).
Alega que a omissão quanto às informações na CTPS dos trabalhadores demonstra o dolo do agente de abster-se de adimplir com as obrigações oriundas da relação laboral, o que demonstra a existência dos elementos caracterizadores do tipo penal.
Requer seja suprida a omissão apontada, de modo que esta Turma se manifeste acerca do pleito de condenação pelo delito previsto no art. 297, § 4º, do CP.
Foram apresentadas contrarrazões (ID 417031580).
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0002217-93.2011.4.01.3903/PA PROCESSO REFERÊNCIA: 0002217-93.2011.4.01.3903
CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420)
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR):
Recebo os embargos, porque tempestivos.
Os embargos de declaração têm por objetivo suprir ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão (CPP, art. 619), não se prestando a rediscutir a causa nos mesmos moldes antes propostos, ou seja, não constituem meio processual idôneo para que a parte demonstre sua discordância com o julgado recorrido.
Os embargos de declaração merecem acolhida.
Na sentença de primeiro grau (ID 267131530 – Págs. 69/75, e ID 267131531), o magistrado julgou julgo improcedente a denúncia para absolver Hugo Celestino dos Santos das sanções dos arts. 149 (redução a condição análoga à de escravo) e 297, § 4º (ausência de anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social), ambos do CP (art. 386, l, do CPP).
Em suas razões de apelação (ID 267131534), o MPF requereu a condenação do réu em razão da prática do crime previsto no art. 149, caput, c/c § 2º, inciso I (redução a condição análoga à de escravo com presença de menores), em concurso material com o delito descrito no art. 297, § 4º, na forma do art. 71 (por 42 (quarenta e duas) vezes), todos do CP.
Esta Quarta Turma, por maioria (ID 371353140), negou provimento à apelação do MPF, nos termos do voto revisor, de minha lavra.
Consta do inteiro teor do voto-condutor do acórdão embargado:
O relatório já encaminhado, nos termos do art. 613, inciso I do CPP, bem delineia o caso dos autos, que versa sobre apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu Hugo Celestino dos Santos em relação aos delitos descritos no art. 149 e art. 297, § 4º, ambos do Código Penal, nos termos do art. 386, l, do CPP, bem como declarou extinta a punibilidade de Antônio Celestino dos Santos, com fundamento no art. 107, IV, c/c o 109, incisos II e III, e art. 115 todos do Código Penal.
O órgão ministerial alega, em síntese, o acervo probatório seria suficiente para fundamentar um decreto condenatório em desfavor de Hugo Celestino dos Santos, por conduta tipificada no art. 149, caput, c/c o § 2º, inciso I (redução a condição análoga à de escravo com presença de menores), em concurso material com o delito descrito no artigo 297, § 4º (omissão na Carteira de Trabalho e Previdência Social), na forma do artigo 71 (por 42 vezes), todos do Código Penal.
Preliminarmente, cumpre esclarecer que a insurgência ministerial visa apenas a reforma da sentença prolatada no aspecto relativo à absolvição de Hugo Celestino Dos Santos, razão pela qual não se mostra possível proferir decreto condenatório em face do corréu Antônio Celestino, sob pena de violação ao princípio do tantum devolutum quantum e configuração de reformatio in pejus.
Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO E ESTELIONATO TENTADO (ARTIGO 155, § 4º, INCISOS II E IV, E ARTIGO 171, CAPUT, COMBINADO COM O ARTIGO 14, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA PELO JUÍZO SINGULAR. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO RESTRITA AO PEDIDO DE REFORMA DO ÉDITO ABSOLUTÓRIO SOMENTE QUANTO AO ESTELIONATO. EXPRESSA CONCORDÂNCIA COM A ABSOLVIÇÃO DA PACIENTE PELO ILÍCITO DE FURTO. CONDENAÇÃO POR AMBOS OS CRIMES PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOBSERVÂNCIA DO EFEITO DEVOLUTIVO RESTRITO À FUNDAMENTAÇÃO DO APELO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal.
2. No caso dos autos, a paciente foi absolvida dos crimes de furto qualificado e estelionato em primeiro grau de jurisdição, tendo o Ministério Público interposto recurso de apelação objetivando a reforma da sentença apenas quanto ao crime previsto no artigo 171, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal, concordando expressamente com a insuficiência de provas a embasar um édito repressivo no tocante ao ilícito previsto no artigo 155, § 4º, incisos II e IV, do Código Penal.
3. Da leitura do acórdão impugnado, conclui-se que o Tribunal a quo extrapolou os limites de cognição do apelo interposto pelo órgão acusatório, pois condenou a paciente pelo delito de furto qualificado, que sequer havia sido objeto de insurgência pelo Parquet nas suas razões recursais, ampliando o efeito devolutivo do reclamo, e agravando, independentemente de provocação, a situação da acusada, procedimento que vai de encontro ao princípio que proíbe a reformatio in pejus. Doutrina. Precedentes.
4. Ordem concedida para anular a condenação da paciente no que se refere ao crime de furto qualificado, mantendo-se o édito repressivo proferido em seu desfavor no tocante ao delito de estelionato.
(HC n. 174.237/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 4/10/2011, DJe de 19/10/2011.)
Feita a delimitação do objeto do recurso, passo à análise do anseio condenatório do órgão ministerial.
Segundo narra a denúncia que, entre os dias 10 e 12 de junho de 2011, o Grupo Móvel de Fiscalização de Combate ao Trabalho Escravo, acompanhado da Polícia Federal e de representantes do Ministério Público do Trabalho, realizou fiscalização na Fazenda Sombra da Tarde, no Município de Medicilândia, de propriedade do denunciado Antônio Celestino e administrada por seu filho, o codenunciado Hugo Celestino. Na oportunidade, foram encontrados 42 trabalhadores, inclusive três menores de idade, supostamente submetidos às seguintes condições degradantes de trabalho:
A situação de degradância se observa a partir: (a) das moradias em que residiam as vítimas (em barracos de lona e de palha, e, depois, em barracos de madeira inadequadamente construídos); (b) da ausência de água potável; (c) da ausência de saneamento; (d) da ausência de energia elétrica (sequer de lampião); (e) da ausência de local adequado para que realizassem suas necessidades fisiológicas; (f) da ausência de algum local para realizarem suas refeições com higiene ou com conforto; muito menos ainda para acondicionar o lixo que produziam; (g) ainda, da exposição a animais peçonhentos e aos riscos decorrentes do uso inadequado de defensivos agrícolas.
(Denúncia – ID 267130552)
Da detida análise dos autos, verifica-se que, apesar de realmente terem ocorrido irregularidades e violações à legislação trabalhista, forçoso concluir que tais irregularidades não são suficientes para caracterizar o crime capitulado no art. 149 do Código Penal, uma vez que não se comprovou a existência de trabalho forçado, restrição de saída dos trabalhadores por dívidas contraídas ou retenção no local de trabalho por vigilância e apossamento de documentos pessoais.
O Supremo Tribunal Federal afirma que “Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade” (Inq 3412, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012).
Outrossim, o STF também já se manifestou no sentido de que "se até nas cidades brasileiras mais desenvolvidas não é difícil encontrar problemas de inadequação da estrutura de trabalho e de condições desfavoráveis de higiene e saúde pessoal para os empregados, que dirá nos rincões da nação. Conquanto seja desejável que os trabalhadores possam exercer a atividade dentro de padrões mínimos de cuidados, amparados pela legislação de rigor, é preciso atentar para a realidade vivida no interior do país" (Ministro Gilmar Mendes - RE 398.041/PA).
No mesmo sentido, os precedentes desta Quarta Turma têm enfatizado que a condenação por trabalho análogo ao de escravo somente se justifica em casos graves e extremos, sem razoabilidade, quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, alçando-se a níveis gritantes, tudo sob o crivo da prova judicial, nos quais efetivamente haja o rebaixamento do trabalhador na sua condição humana, em tarefas em cuja execução é submetido a constrangimentos econômicos e pessoais (morais) inaceitáveis (ACR 0001624-13.2015.4.01.3907, Desembargador Federal Olindo Menezes, TRF1 - Quarta Turma, PJe 02/02/2023 Pag.)
Ademais, ainda que o crime do art. 149 do Código Penal seja de ação múltipla, configurando-se, em tese, com a prática de quaisquer das condutas previstas no seu caput, não se pode esquecer que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, devendo-se comprovar que o réu praticou ou concorreu, consciente e voluntariamente, para reduzir pessoas a condição análoga à de escravos, o que não se verifica-se na hipótese.
Na mesma linha de intelecção, confira-se o recente precedente da Terceira Turma deste Tribunal:
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO art. 297, § 4º, do CP. ABSOLVIÇÃO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. A CTPS que não foi levada a registro pelo empregador não padece de qualquer falsidade, seja quanto à forma, ou quanto ao conteúdo, de maneira que a conduta não se subsome ao caput do tipo em que o Ministério Público Federal visa à condenação dos acusados. Mantida a absolvição do réu pelo delito previsto no art. 297, § 4º, do CP, nos termos da sentença. O fato narrado na denúncia não se subsome à conduta criminosa de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, conforme está tipificado no art. 149 do Código Penal. Não há nos autos o elemento subjetivo que caracteriza o tipo penal incriminador, porque não demonstrado que o réu praticou ou concorreu, consciente e voluntariamente, para reduzir pessoas a condição análoga à de escravos. Embora o crime do art. 149 do Código Penal seja de ação múltipla, o elemento subjetivo de todas as ações é o dolo, já que o tipo penal não admite forma culposa. [...] O que se observa dos autos é a ocorrência de uma série de infrações trabalhistas, de caráter administrativo, comuns nas relações de trabalho do meio rural, que sujeitam o infrator às sanções aplicáveis no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego e do direito do trabalho, sem haver repercussão da conduta na esfera criminal. O direito penal, como última ratio, somente deve ser aplicado quando as demais áreas do ordenamento jurídico não forem suficientes para punir as condutas ilegais praticadas. E, no caso, o direito trabalhista já atuou para combater as irregularidades na relação de trabalho e para ressarcir os trabalhadores dos prejuízos sofridos. Mantida integralmente a absolvição do réu, nos termos da sentença Apelação a que se nega provimento.
(ACR 0007548-62.2011.4.01.3901, Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, TRF1 - Terceira Turma, PJe 03/10/2023 Pag.)
Na espécie, a tese defensiva guarda relação com o reiterado entendimento desta Quarta Turma, no sentido de que as condições de trabalho no meio rural, usualmente braçal, duras pela própria natureza da atividade, não podem, em si mesmas, serem confundidas com redução à condição análoga à de escravo.
Confira-se, por oportuno, o seguinte trecho das alegações finais do réu, que ilustra as difíceis condições próprias do meio em que localizada a propriedade rural:
a) das moradias que residiam as vítimas: no momento da fiscalização os trabalhadores há pouco tempo haviam se mudado para casas de madeira construídas pelo 2° Réu, sendo que antes residiam em barracões de lona e palha, assim, as condições de moradia dos obreiros estavam sendo melhoradas, mas a fiscalização chegou antes da conclusão das melhorias.
Inclusive, atualmente reside apenas um caseiro na Fazenda e o mesmo vive em casa de madeira, sem nenhuma fresta entre as madeiras, que possui banheiro, e cozinha. Portanto, não havia dolo por parte dos denunciados, que até hoje buscam melhorar a condição de vida de quem mora na Fazenda.
b) da ausência de água potável: de fato todos os trabalhadores usavam a água dos poços da fazenda para beber, entretanto, tal água é utilizada inclusive pelos Denunciados, mais uma vez não se podendo falar em dolo por parte dos Réus. Atualmente, ainda se usa a água dos poços, mas dessa vez a mesma é puxada por canos de PVC e condicionada numa caixa d'água.
Cabe salientar que na localidade rural e também urbana da região transamazônica é natural que se utilizem água de poços, uma vez que nem todas as cidades possuem uma rede de fornecimento de água potável adequada, basta residir na região para que se tenha conhecimento.
c) da ausência de saneamento: os denunciados primeiramente queriam melhorar as condições de moradia dos trabalhadores, e em seguida investir em saneamento, o que já está sendo feito desde a fiscalização, conforme comprovam as fotos anexadas a esta defesa, nas quais já pode-se ver os banheiros construídos em cada residência do local.
d) da ausência de energia elétrica: o Programa do Governo Federal "Luz para Todos" ainda não chegou na propriedade do 1° Réu, nem nas propriedades vizinhas a dele. Assim, como poderia ter energia elétrica para os trabalhadores? Todavia, visando atender a tal exigência, bem como o maior conforto de seus empregados foi comprado um motor para gerar energia na Fazenda.
(ID 267131530, fls. 43/66)
No mesmo sentido, colaciona-se o depoimento prestado pelo trabalhador Luiz Gonzaga da Silva:
(...) QUE o declarante informa que quando começou a trabalhar na Gleba de António Mineiro a lavoura já estava plantada; QUE trabalham 4 pessoas para o declarante, sendo l inclusive filho do mesmo; QUE o declarante vende sua parte do cacau para o comprador chamado PARANÁ, o qual vem até a fazenda pesar e transportar o cacau: QUE o declarante no ato da pesagem do cacau, recebe uma nota discriminando o produto vendido, bem como da quantidade, em nome do comprador PARANÁ: QUE o declarante posteriormente vai até cidade de Medicilândia. no escritório de PARANÁ e recebe o valor da nota: QUE o valor da colheita é variado dependendo da quantidade colhida, rendendo em média R$1.500.00 para o declarante; QUE com o dinheiro recebido o declarante paga os trabalhadores no percentual de R$20,00 para cada ao dia e o que sobra compra de comida para utilização durante o trabalho; QUE é o declarante que arca com a alimentação dos trabalhadores durante a colheita; QUE o filho do declarante possui uma moto a qual é utilizada para transporte até a cidade: QUE anteriormente era necessário pagar para um vizinho que possuía veículo a fim de se deslocar até a cidade até a cidade; QUE o declarante pagava a quantia de R$16,00 para ir e voltar à cidade: QUE HUGO e NUBIO não permanecem na fazenda, vindo esporadicamente guando necessário; QUE não há nenhuma pessoa supervisionando o trabalho do declarante: QUE é o próprio declarante que compra a comida consumida; QUE quando veio trabalhar na fazenda não recebeu qualquer equipamento ou produto pelos quais ficou devendo: QUE o declarante informa que não há equipamento de proteção disponível para os trabalhadores da fazenda; QUE o declarante, juntamente com outros trabalhadores, aplicam veneno na lavoura de cacau sem qualquer equipamento de proteção; QUE o equipamento utilizado para aplicar o veneno é fornecido por HUGO, porém o veneno utilizado é comprado pelo declarante; QUE a jornada de trabalho é de 7h às llh e de 13h às 16h: QUE na época da colheita do cacau o declarante trabalha aos sábados e domingos: QUE atualmente o declarante dorme em um barracão de madeira dentro da fazenda, construído por HUGO; QUE anteriormente o declarante dormia, juntamente com sua família, em um barraco de lona e palha Por aproximadamente i ano (...) QUE guando a Gleba de ANTÓNIO MINEIRO não está na safra, passa para outra propriedade para "arrumar" trabalho (...)
(ID 267130545, fls. 14/15) (grifei)
Portanto, diante da situação dos autos e da jurisprudência dominante desta Quarta Turma, não há como imputar ao réu a prática do delito de redução à condição análoga à de escravo, uma vez que as irregularidades trabalhistas não demonstram uma violação de direitos que possa ser caracterizada como intensa e persistente, que alcance níveis gritantes, ao ponto de caracterizar trabalho em condições análogas à de escravo, bem como pelo fato de que não se demonstrou a intenção dos acusados em reduzir os trabalhadores à condição análoga à de escravo, de modo que não está presente o elemento subjetivo do tipo.
Com efeito, essa foi a mesma conclusão a que chegou o juízo sentenciante:
Ainda que demonstrada a precariedade dos alojamentos, constata-se que não havia a realização de trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.
Ademais, os depoimentos dos parceiros rurícolas do denunciado são uníssonos ao afirmar que foram contratados para trabalhar no plantio e colheita de cacau como meeiros (contrato de parceria), não havendo qualquer restrição à locomoção, imposição e vigilância de jornada de trabalho, tampouco restrição sobre a venda dos frutos produzidos.
[...]
Embora maior parte da manutenção da lavoura, compra de ínsumos e equipamentos, ficassem a cargo dos trabalhadores/meeiros, não vislumbro que tal ocorrência tenha gerado uma servidão por dívidas, até porque os próprios trabalhadores afirmaram que trabalhavam em outros locais quando a safra era pouco produtiva ou no período da entressafra, também não foi comprovada a jornada exaustiva em razão de irregularidades no contrato de meação.
Ainda é de se registrar, que os trabalhadores, tinham autonomia na contratação de ajudantes para auxílio na colheita do cacau, não havendo qualquer ingerência por parte dos réus na contratação destes ajudantes.
Por fim, mister salientar que se deve ter em mente que o Direito Penal é tido como ultima ratio, e não é legítimo confundir ilícitos trabalhistas com práticas criminosas.
Ante o exposto, divirjo do e. Relator e nego provimento ao recurso da acusação.
(...) (ID 370618640).
O acórdão ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.
1. A condenação por trabalho análogo ao de escravo somente se justifica em casos graves e extremos, sem razoabilidade, quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, alçando-se a níveis gritantes, tudo sob o crivo da prova judicial, nos quais efetivamente haja o rebaixamento do trabalhador na sua condição humana, em tarefas em cuja execução é submetido a constrangimentos econômicos e pessoais (morais) inaceitáveis (ACR 0001624-13.2015.4.01.3907, Desembargador Federal Olindo Menezes, TRF1 - Quarta Turma, PJe 02/02/2023 Pag.)
2. Na espécie, não há como imputar ao réu a prática do delito de redução à condição análoga à de escravo, na forma exigida pela jurisprudência da 4ª Turma deste Tribunal, bem como não ter sido comprovado o elemento subjetivo do tipo.
3. Apelação desprovida. (ID 372145661).
Verifico que o acórdão negou provimento à apelação do MPF, mantendo a absolvição do réu somente em relação ao crime do art. 149, caput, do CP, deixando, contudo, de analisar as alegações do apelante quanto ao crime do art. 297, § 4º, do CP.
Passo a sanar a omissão apontada.
Do delito de omissão de anotação em CTPS - art. 297, § 4°, do CP
Em relação ao crime de falsificação de documento público, na modalidade prevista no § 4º do art. 297 do CP, também merece ser mantida a sentença absolutória recorrida, como se demonstrará a seguir.
O art. 297, § 4º, do CP dispõe que:
Falsificação de documento público
Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
(...).
§ 3º. Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
§ 4º. Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. (grifei)
É cediço que a simples falta de anotação de uma CTPS pelo empregador não pode ser considerado crime, mas tão somente falta administrativa ou trabalhista. O delito de falsificação acima transcrito tem por objeto a fé pública expressa na veracidade dos documentos relacionados com a Previdência Social, pressupondo, assim, o dolo genérico de fraudá-la, o que não se evidencia, de pronto, pela mera ausência de anotação da Carteira de Trabalho. Ademais, tal situação é passível de correção pela Justiça do Trabalho, como ocorreu no caso em tela, com a assinatura de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta-TAC, perante o Ministério Público do Trabalho (ID 267130554 – Págs. 10/14), conforme consta da denúncia (ID 267130552 – Pág. 19).
Dessa forma, a lei em questão não teve como propósito incriminar de forma genérica a falta de anotação da CTPS, pois, se assim o quisesse, seria expressa ao constituir crime a ausência total de registro do empregado pelo empregador.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇÃO. ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INAPLICABILIDADE DA LEI PENAL NOVA MAIS GRAVOSA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
(...)
15. A mera falta de anotação de uma CTPS pelo empregador não é considerada crime, mas tão somente falta administrativa ou trabalhista, já que não é possível extrair da mera falta de registro na Carteira de Trabalho a intenção direta do empregador de fraudar o sistema previdenciário.
16. Apelação provida para decretar a extinção da punibilidade do Apelante W. C. B. M. e, por extensão, na forma do artigo 580 do CPP, do Corréu F. C. N., em virtude da ocorrência da prescrição quanto aos crimes tipificados pelos artigos 207 e 288, ambos do CP, e 38 da Lei n. 9.605/98, bem como para absolver o Recorrente da prática da conduta descrita no artigo 297, § 4º, do CP, nos termos do artigo 386, VII, do CPP e, ainda, absolver o Apelante e, por extensão, na forma do artigo 580 do CPP, o Denunciado F. C. N. da prática do crime tipificado pelo artigo 149 do CP (com redação anterior à Lei n. 10.803/2003), nos termos do artigo 386, VII, do CPP.
(ACR 0019944-74.2011.4.01.3900, Rel. Desembargador Federal Wilson Alves de Souza, TRF1, Terceira Turma, PJe 27/04/2024 PAG)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. DELITO NÃO CONFIGURADO. ARTIGO 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME. ABSOLVIÇÃO COM BASE NO ART. 386, VII, DO CPP, MANTIDA.
(...)
7. O tipo penal inscrito no § 4º do art. 297, cujo caput é a falsificação de documento público, não torna típica a omissão consistente em deixar de registrar contrato de trabalho do empregado em CTPS.
8. A omissão consistente em deixar de registrar contrato de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social é mera irregularidade administrativa, que enseja a aplicação de multa, mas não se adéqua ao tipo penal previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal, porque ausente prova do propósito direto de fraudar a previdência social. Precedentes.
9. Apelação do Ministério Público Federal não provida.
(ACR 0013647-66.2016.4.01.4000, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, TRF1, Terceira Turma, PJe 05/04/2024 PAG)
PENAL E PROCESSO PENAL. OMISSÃO DE ANOTAÇÃO EM CTPS (ART. 297, § 4º, DO CP). REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS. APELAÇÃO DO MPF NÃO PROVIDA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA.
1. A simples omissão de anotação na CTPS, por si só, não configura o tipo penal previsto no § 4º do art. 297 do CP. A omissão deve ser capaz de ludibriar a percepção daquele que se depare com o documento supostamente falsificado, o que não ocorreu no caso dos autos, tendo em conta que não ficou comprovado o propósito direto de fraudar o Estado (Previdência Social) por parte do réu. Precedentes do TRF1.
(...)
5. Apelação não provida.
(ACR 0002626-41.2012.4.01.3901, Rel. Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva, TRF1, Décima Turma, PJe 22/03/2024PAG)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. ART. 386, I, DO CPP. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.
1. A condenação por trabalho análogo ao de escravo somente se justifica em casos graves e extremos, sem razoabilidade, quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, alçando-se a níveis gritantes, tudo sob o crivo da prova judicial, nos quais efetivamente haja o rebaixamento do trabalhador na sua condição humana, em tarefas em cuja execução é submetido a constrangimentos econômicos e pessoais (morais) inaceitáveis (ACR 0001624-13.2015.4.01.3907, Desembargador Federal Olindo Menezes, TRF1 - Quarta Turma, PJe 02/02/2023 Pag.)
2. Na espécie, não há como imputar aos réus a prática do delito de redução à condição análoga à de escravo, uma vez que não se demonstrou a ocorrência de violação aos direitos do trabalho de maneira intensa e persistente, na forma exigida pela jurisprudência da 4ª Turma deste Tribunal, bem como por não ter sido comprovado o elemento subjetivo do tipo.
3. Igualmente não demonstrado o dolo necessário à condenação pelo crime de omissão de informações em CTPS (art. 297, § 4º, do CP).
4. Apelação desprovida.
(ACR 1001664-56.2020.4.01.3307, de minha Relatoria, TRF1, Quarta Turma, PJe 11/01/2024 PAG).
Com efeito, a falta de anotação da CTPS configura, em qualquer circunstância, falta grave contra os direitos sociais do empregado, mas não se adéqua, por si só, à figura típica prevista no § 4º do art. 297 do CP, uma vez que não é possível extrair da ausência de registro na Carteira de Trabalho a intenção direta do empregador de fraudar o sistema previdenciário.
Além disso, não há, nos autos, prova do propósito direto do réu de fraudar a Previdência Social.
Mantém-se, assim, a sentença absolutória também nessa parte.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, para, sanando a omissão apontada, manter a absolvição do réu também quanto ao crime do art. 297, § 4º, do CP.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 0002217-93.2011.4.01.3903/PA PROCESSO REFERÊNCIA: 0002217-93.2011.4.01.3903
CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420)
EMBARGANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
EMBARGADO: HUGO CELESTINO DOS SANTOS
Advogado do(a) EMBARGADO: JOSE VINICIUS FREIRE LIMA DA CUNHA - PA14884-A
E M E N T A
PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU TAMBÉM QUANTO AO CRIME DO ART. 297, § 4º, DO CP, MANTIDA. EMBARGOS ACOLHIDOS.
1. Os embargos de declaração têm por objetivo suprir obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão (CPP, art. 619), não se prestando a rediscutir a causa nos mesmos moldes antes propostos, ou seja, não constituem meio processual idôneo para que a parte demonstre sua discordância com o julgado recorrido.
2. Não houve análise, pelo acórdão embargado, do pleito do embargante, em sede de apelação, de condenação do embargado também como incurso nas penas do art. 297, § 4º, do CP. Alegação de omissão acolhida.
3. A falta de anotação da CTPS configura, em qualquer circunstância, falta grave contra os direitos sociais do empregado, mas não se adéqua, por si só, à figura típica prevista no § 4º do art. 297 do CP, uma vez que não é possível extrair da ausência de registro na Carteira de Trabalho a intenção direta do empregador de fraudar o sistema previdenciário. Além disso, não há, nos autos, prova do propósito direto do réu de fraudar a Previdência Social. Precedentes. Sentença absolutória mantida também nessa parte.
4. Embargos de declaração acolhidos, porém sem efeitos modificativos.
A C Ó R D Ã O
Decide a Turma, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, sem efeitos modificativos, nos termos do voto do Relator.
4ª Turma do TRF/1ª Região - Brasília/DF, 25 de junho de 2024.
Desembargador Federal CÉSAR JATAHY
Relator
AC/M
