
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:LUZIA SOUZA RAMOS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DEBORA APARECIDA MARQUES - RO4988-A e VALDELICE DA SILVA VILARINO - RO5089-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1022024-15.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 7015607-75.2019.8.22.0002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação (Id 76245053 - Pág. 19-) interposto pelo INSS em face da sentença (Id 76245053 - Pág. 13-16) que concedeu à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez, na condição de segurado especial.
O apelante alega a ausência de qualidade de segurada da autora e do cumprimento da carência na data da incapacidade. Aduz que as notas fiscais apresentadas, além de muito recentes, não são referentes ao trabalho rural, e que a autora sempre laborou na zona urbana, conforme demonstrado pelo CNIS, além da ausência de realização da prova oral em audiência para corroborar a prova material apresentada. Requer a reforma da sentença, subsidiariamente, requer a nulidade da sentença
A parte apelada, LUZIA SOUZA RAMOS, apresentou contrarrazões (Id 76245053 - Pág. 28-32).
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1022024-15.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 7015607-75.2019.8.22.0002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto no art. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei 8.213/91.
Requisitos – Trabalhador rural
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada para se comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública), não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Assim, são dotados de idoneidade para a comprovação do início de prova material do exercício de atividade rural, dentre outros documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada, desde que amparados por convincente prova testemunhal (STJ, REsp 1.650.326/MT). E, ainda, a ficha de alistamento militar, certificado de dispensa de incorporação (CDI), título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), certidão de casamento, carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS).
De igual forma, são aceitos, certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Além disso, ressalte-se o teor da Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação, que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Perda da qualidade de segurado
O art. 15, § 4º da Lei 8.213/91 dispõe que “a perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao final dos prazos fixados neste artigo”. No caso do segurado facultativo, seis meses após a cessação das contribuições (inc. VI).
A qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex. auxílio-doença) e por até 12 meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo ser prorrogado para até 24 meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (incisos, I, II e § 1º). Esses prazos serão acrescidos de 12 meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (Súmula 27 da TNU).
Consoante entendimento jurisprudencial, “não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir para Previdência Social em razão de incapacidade legalmente comprovada”. (STJ, AgInt no REsp 1.818.334/MG, Ministro Manoel Erhardt (conv.), Primeira Turma, DJe de 5/10/2022).
Da qualidade de segurado
Incapacidade não contestada no recurso, há controvérsia quanto à prova da qualidade de segurada da parte autora.
A requerente apresentou requerimento administrativo em 09.07.2019 (Id 76245055 - Pág. 15).
No caso, o juízo da origem julgou procedente a ação e condenou o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez, comprovada a qualidade de segurada especial da autora com base nos documentos apresentados, sem confirmação por prova testemunhal, o que configura cerceamento de defesa, vez que, ao ser julgado o exame interposto, a sentença de primeiro grau pode ser mantida ou reformada, nesta segunda hipótese inclusive por insuficiência de prova, justamente a tese levantada pelo Apelante, em decorrência do que se impõe a reabertura da instrução processual em primeiro grau, facultando-se às partes a produção e oitiva de provas testemunhais, impondo, assim, o reconhecimento de nulidade da sentença proferida por ausência dessa etapa processual.
A autora ajuizou esta ação na condição de trabalhadora rural e, como prova material, juntou aos autos certidão de casamento (Id 76245056 - Pág. 29 ) em que consta a atividade da autora de doméstica, declaração de endereço rural firmada pelo proprietário (João Francisco de Oliveira) do imóvel rural, notas fiscais de produtos agropecuários, no período de 2017 a 2019, em nome da autora e do proprietário do imóvel rural em que ela reside, nota fiscal de outros produtos, período de 2018 a 2019, em nome da autora com endereço rural. (Id 76245056 - Pág. 38-50 e 76245055 - Pág. 1-10). Tais provas não foram corroboradas por provas testemunhais.
Portanto, tais documentos são insuficientes para o início de prova material da condição da autora de segurada especial, é essencial a produção de prova testemunhal para o deslinde do caso, conforme entendimento jurisprudencial deste Tribunal. Precedente no mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. INSURGÊNCIA DE MÉRITO DO INSS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ROL DE TESTEMUNHAS INTEMPESTIVO. COMPARECIMENTO EM AUDIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A comprovação da qualidade de trabalhador rural ocorre mediante início de prova material devidamente corroborado pela prova testemunhal produzida em juízo, bem assim a implementação do requisito etário exigido. 2. Na hipótese, o rol de testemunhas foi apresentado na data designada para a realização audiência, razão pela qual deixaram de ser inquiridas pelo juízo a quo. 3. Todavia, as testemunhas compareceram espontaneamente à audiência, independentemente de intimação, suprindo, portanto, a necessidade de cumprimento do prazo estabelecido pelo art. 357, § 4º, do NCPC. 4. A oitiva de testemunhas constitui prova imprescindível para a solução da lide. Assim, a não apresentação do rol de testemunhas no prazo legal não implica na preclusão de sua produção, uma vez que podem ser produzidas em audiência de instrução e julgamento, se comparecem junto à parte autora no dia de sua realização (AC 0033205-20.2011.4.01.9199/MG, Rel. Des. Federal Mônica Sifuentes, 2ª TURMA, e-DJF1 p.658 de 15/08/2012). 5. A sentença de improcedência do pedido fundada na ausência de prova oral deve ser anulada, eis que a oitiva de testemunhas em juízo é necessária ao julgamento de ação previdenciária de aposentadoria rural por idade, quando presente apenas início de prova material da condição rurícola, caracterizando, dessa forma, cerceamento de defesa. 6. Apelação provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular produção de prova oral e processamento do feito.
(AC 1000869-87.2019.4.01.9999, Des. Fed. CÉSAR JATAHY, Segunda Turma, PJe 01/03/2021)
Conclusão
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para acolher a preliminar e anular a sentença com o retorno dos autos à origem para a produção de prova testemunhal.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1022024-15.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 7015607-75.2019.8.22.0002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUZIA SOUZA RAMOS
E M E N T A
RECURSO DE APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Incapacidade não contestada no recurso, controvérsia apenas quanto à prova da qualidade de segurada da parte autora.
2. A concessão de benefício por invalidez ao trabalhador rural, quando a qualidade de segurado não for demonstrada por prova plena (art. 39, inc. I c/c art. 55, § 3º da Lei 8.213/91), exige-se início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea.
3. A qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex. auxílio-doença) e por até 12 meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo ser prorrogado para até 24 meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (incisos, I, II e § 1º). Esses prazos serão acrescidos de 12 meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (Súmula 27 da TNU).
4. No caso, o juízo da origem julgou procedente a ação e condenou o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez, comprovada a qualidade de segurada especial da autora com base nos documentos apresentados, sem confirmação por prova testemunhal, o que configura cerceamento de defesa, vez que, ao ser julgado o exame interposto, a sentença de primeiro grau pode ser mantida ou reformada, nesta segunda hipótese inclusive por insuficiência de prova, justamente a tese levantada pelo Apelante, em decorrência do que se impõe a reabertura da instrução processual em primeiro grau, facultando-se às partes a produção e oitiva de provas testemunhais, impondo, assim, o reconhecimento de nulidade da sentença proferida por ausência dessa etapa processual.
5. Apelação do INSS parcialmente provida para acolher a preliminar de nulidade e anular a sentença com o retorno dos autos à origem para a produção de prova testemunhal.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
