
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE LOUDES SOUSA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ODAIR ONOFRE GOMES CAMILO - GO36626-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1012573-87.2020.4.01.0000
PROCESSO REFERÊNCIA: 5211944-76.2019.8.09.0085
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR JUIZ FEDERAL RODRIGO GASIGLIA DE SOUZA (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido da inicial e concedeu à parte autora o benefício de auxílio-doença, na qualidade de empregado rural, desde o requerimento administrativo.
O apelante alega ausência de qualidade de segurada, em especial em relação ao período anterior à data de início da alegada incapacidade fixada no laudo pericial (2019), sustenta que o endereço da autora se situa em zona urbana e que exerceu atividade remunerada na cidade, além do esposo da autora residir na cidade e possui veículo, o que demonstra ausência de trabalho campesino para fins de subsistência. Em caso de eventual condenação, requer a reforma da sentença para que a DIB seja fixada na data da audiência de instrução e julgamento.
A parte apelada, MARIA DE LOURDES SOUSA SILVA, apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1012573-87.2020.4.01.0000
PROCESSO REFERÊNCIA: 5211944-76.2019.8.09.0085
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR JUIZ FEDERAL RODRIGO GASIGLIA DE SOUZA (RELATOR CONVOCADO):
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto nos arts. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei de Regência.
Requisitos – trabalhador rural
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de requisitos: qualidade de segurado e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
Consoante disposto no art. 26, III, da Lei 8.213/91, a concessão auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado especial não dependem do cumprimento de carência. Porém, quando a qualidade de segurado não for demonstrada por prova plena (arts. 26, III; 39, inc. I c/c art. 55, § 3º da Lei 8.213/91), exige-se início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea.
A jurisprudência se consolidou no sentido de que a concessão de benefício por incapacidade anterior comprova a qualidade de segurado do requerente, salvo se ilidida por prova contrária.
Qualidade de Segurado Rural
Diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rurícola, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do e. STJ tem adotado a solução pro misero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de agricultor, desde que acompanhada de início de prova material.” (AR 4041/SP, relator Ministro Jorge Mussi, revisor Ministro Sebastião Reis Junior, Terceira Seção, DJe 05/10/2018).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34). Ressalte-se o teor da Súmula 577 do STJ: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
São idôneos, portanto, dentre outros: a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado; a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições; o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento, de nascimento de filho e de óbito, que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público/INSS.
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a vinculação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural.
Situação tratada
No caso, há controvérsia quanto à prova da qualidade de segurada da parte autora.
A requerente apresentou requerimento administrativo em 14.03.2019 (fl. 25).
Com objetivo de demonstrar o exercício da atividade rural, desde 2013, a autora anexou aos autos os seguintes documentos (fl.16-34): Certidão de matrícula RI de Guaraíta/GO, data de 30.10.2018; Documentos pessoais do proprietário do imóvel rural; declaração de aptidão ao pronaf -DAP- emissão em, 22.01.2014; CAFIR; Carteira sindical, filiada em 22.01.2014; comprovante de cadastramento junto a Secretaria Municipal de Saúde de Guaraíta/GO-CADSUS, desde 21/12/2014; contrato de comodato, assinado em 03.08.2018; declarações de exercício de atividade rural; notas fiscais.
Portanto, resta comprovado a qualidade de segurado especial da autora, a prova testemunhal produzida na origem confirma o início da prova material apresentada, demonstrando o exercício da atividade rural pela parte autora.
O entendimento jurisprudencial do STJ é no sentido da aceitação desses documentos como início de prova material do exercício do labor rural quando a prova testemunhal confirma a atividade. Precedentes: AgInt no REsp 1.928.406/SP, rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 15/9/2021; AREsp 1.538.882/RS, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 11/10/2019; AR 4.987/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 12/11/2018; REsp n. 1.378.518/MG, rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 17/3/2015.
Não há falar em perda da qualidade de segurado especial em razão de a autora ter exercido atividade de doméstica em zona urbana no período de 01.06.2012 a 30.04.2013, como alega o INSS em suas razões de apelação, pois tais vínculos foram em períodos anteriores ao início da atividade rural que a autora pretende comprovar.
Assim, comprovada a qualidade de segurada especial da parte autora, deve ser mantida a sentença que lhe concedeu o benefício de auxílio-doença.
Termo inicial
A sentença fixou a DIB na data do requerimento administrativo e a apelante/INSS pretende sua reforma para que a DIB seja fixada na data da audiência de instrução e julgamento.
A jurisprudência já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Precedentes do STJ aplicáveis à hipótese dos autos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. O entendimento do Tribunal de origem não está em consonância com a orientação do STJ de que o termo inicial do pagamento do auxílio-doença é a data da cessação do pagamento do benefício anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Quando inexistentes ambas as situações anteriormente referidas, o termo inicial do pagamento do auxílio-doença será a data da citação da autarquia.
2. Ao contrário do que faz crer a parte agravante, não incide o óbice da Súmula 7/STJ em relação ao Recurso Especial interposto pela agravada. Isso porque o decisum ora atacado não adentrou matéria fática.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.961.174/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022.)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. O LAUDO PERICIAL NÃO PODE SER UTILIZADO PARA FIXAR O MARCO INICIAL DA AQUISIÇÃO DE DIREITO A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DECORRENTES DE MOLÉSTIA INCAPACITANTE. TERMO INICIAL: DATA DA CITAÇÃO NA AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.
1. O benefício de auxílio-doença, concedido judicialmente, deve ser concedido a partir da data do requerimento administrativo e, na sua ausência, na data da citação válida da Autarquia.
2. É firme a orientação desta Corte de que o laudo pericial não pode ser utilizado como parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos, servindo, tão somente, para nortear o convencimento do Juízo quando à existência do pressuposto da incapacidade para a concessão do benefício.
3. Recurso Especial do Segurado provido para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
(REsp 1.475.373/SP, Rel. Min. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 8/5/2018).
Portanto, a DIB deve ser a data do requerimento administrativo, correta sentença.
Consectários
Juros e correção monetária, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos, desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC/2015, os honorários devem ser majorados em dois pontos percentuais.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1012573-87.2020.4.01.0000
PROCESSO REFERÊNCIA: 5211944-76.2019.8.09.0085
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOUDES SOUSA SILVA
E M E N T A
RECURSO DE APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TRABALHADOR RURAL. AUXÍLIO-DOENÇA. VÍNCULO URBANO ANTERIOR AO INÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. COMPROVADO POR PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR TESTEMUNHAS. DIB DATA DO REQUERIMENTO. APELAÇÃO DO INSS NÃO PROVIDA.
1. Incapacidade não contestada no recurso, há controvérsia quanto à prova da qualidade de segurada da parte autora.
2. Conforme disposto nos arts. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
3. Consoante disposto no art. 26, III, da Lei 8.213/91, a concessão auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado especial não dependem do cumprimento de carência. Porém, quando a qualidade de segurado não for demonstrada por prova plena (arts. 26, III; 39, inc. I c/c art. 55, § 3º da Lei 8.213/91), exige-se início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea.
4. É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. São idôneos, portanto, dentre outros: a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado; a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições; o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento, de nascimento de filho e de óbito, que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público/INSS.
5. Com objetivo de demonstrar o exercício da atividade rural, desde 2013, a autora anexou aos autos os seguintes documentos: Certidão de matrícula RI de Guaraíta/GO, data de 30.10.2018; Documentos pessoais do proprietário do imóvel rural; declaração de aptidão ao pronaf -DAP- emissão em, 22.01.2014; CAFIR; Carteira sindical, filiada em 22.01.2014; comprovante de cadastramento junto a Secretaria Municipal de Saúde de Guaraíta/GO-CADSUS, desde 21/12/2014; contrato de comodato, assinado em 03.08.2018; declarações de exercício de atividade rural; notas fiscais.
6. Portanto, resta comprovado a qualidade de segurado especial da autora, a prova testemunhal produzida na origem confirma o início da prova material apresentada, demonstrando o exercício da atividade rural pela parte autora.
7. Não há falar em perda da qualidade de segurado especial em razão de a autora ter exercido atividade de doméstica em zona urbana no período de 01.06.2012 a 30.04.2013, como alega o INSS em suas razões de apelação, pois tais vínculos foram em períodos anteriores ao início da atividade rural que a autora pretende comprovar.
8. A sentença fixou a DIB na data do requerimento administrativo e a apelante/INSS pretende sua reforma para que a DIB seja fixada na data da audiência de instrução e julgamento. A jurisprudência já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Portanto, correta sentença.
9. Juros e correção monetária, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
10. Apelação do INSS não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Juiz Federal RODRIGO GASIGLIA DE SOUZA
Relator Convocado
