
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA JULIA PEREIRA DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: HENRIQUE ELOI BARBOSA - AM7528-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1014256-33.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0000637-04.2013.8.04.4400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação (Id 335568647 - Pág. 106) interposto pelo INSS em face da sentença (Id 335568647 - Pág. 98) que julgou procedente o pedido da inicial e concedeu a parte autora o benefício de auxílio-doença rural.
O apelante alega ausência de qualidade de segurada da autora, vez que não foi apresentado qualquer documento que possa servir de início de prova material do exercício de atividade rural, além de a parte possui vínculos urbanos, o que afasta a sua condição de rural. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença para que seja alterada a data de início do benefício para data de realização da perícia médica.
A parte apelada, MARIA JULIA PEREIRA DA SILVA, não apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1014256-33.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0000637-04.2013.8.04.4400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto no art. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei 8.213/91.
Requisitos
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência (segurado urbano) e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
Perda da qualidade de segurado
O art. 15, § 4º da Lei 8.213/91 dispõe que “a perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao final dos prazos fixados neste artigo”. No caso do segurado facultativo, seis meses após a cessação das contribuições (inc. VI).
A qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex. auxílio-doença) e por até 12 meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo ser prorrogado para até 24 meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (incisos, I, II e § 1º).Esses prazos serão acrescidos de 12 meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (Súmula 27 da TNU).
Consoante entendimento jurisprudencial, “não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir para Previdência Social em razão de incapacidade legalmente comprovada”. (STJ, AgInt no REsp 1.818.334/MG, Ministro Manoel Erhardt (conv.), Primeira Turma, DJe de 5/10/2022).
Da qualidade de segurado
Incapacidade não contestada no recurso, há controvérsia quanto à prova da qualidade de segurada da parte autora.
A requerente ingressou em juízo com a presente ação no dia 29.11.2021, sem o prévio requerimento administrativo.
No caso, tendo em vista que a cidade em que a parte autora reside (Humaitá/AM) não possui agência da Previdência Social e o seu deslocamento para comparecer a outra cidade se torna oneroso, resta dispensada a exigência de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário, eis que tal situação se amolda à exceção prevista no item 57 do voto condutor no julgamento do STF no RE 631.240/MG.
Nesse sentido, confira-se recente julgado deste Tribunal Regional Federal:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. LEI 8.213/91. INTERESSE DE AGIR. PREVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DISPENSA. DIFICULDADE DE ACESSO À AGÊNCIA DO INSS. ENQUADRAMENTO NA EXCEÇÃO PREVISTA NO ITEM 57 DO VOTO CONDUTOR DO ACÓRDÃO JULGADO EM REPERCUSSÃO GERAL. RE 631.240/MG. HONORÁRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Trata-se de recurso de apelação manejado pelo INSS, requerendo a extinção do processo sem resolução do mérito, pela falta de interesse de agir, considerando a ausência de requerimento administrativo. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 631.240-MG, com repercussão geral reconhecida (art. 543-B do CPC/1973), Rel. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, PLENÁRIO, DJe 10/11/2014, firmou entendimento no sentido de que a exigência de prévio requerimento administrativo para o manejo de ação judicial na qual se busca concessão de benefício previdenciário não fere a garantia do livre acesso ao Poder Judiciário, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. No referido julgamento, em face do longo período em que o entendimento jurisprudencial a respeito do tema manteve-se oscilante, estabeleceu-se uma fórmula de transição para se aplicar às ações em tramitação até a data da conclusão do julgamento ora mencionado, em 03/09/2014, com as possíveis providências e prazos a ser observados, a depender da fase em que se encontrar o processo em âmbito judicial: a) nas ações provenientes de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar na extinção do feito; b) nas ações em que se tenha havido contestação de mérito pelo INSS, estará caracterizado o interesse em agir, pela resistência à pretensão; c) as demais ações, não enquadradas nas hipóteses nos itens a e b ficarão sobrestadas, para fins de adequação à sistemática definida no dispositivo do voto emanado da Corte Suprema. 3. No caso dos autos, a parte autora não formulou pedido administrativo perante o INSS e, o juízo a quo afastou dispensou a exigência de prévio requerimento, em vista da autora morar no município de Tapauá-AM, local de difícil acesso à agência do INSS, o que acarretaria em dispêndio financeiro ou de tempo para a litigante. 4. A questão atinente à dispensa do prévio requerimento administrativo prevista no item 57 do voto condutor no julgamento do STF no RE 631.240/MG dispõe que: " Deste modo, apesar de certamente haver carências ainda a serem sanadas, a estruturação da rede de atendimento hoje existente não justifica a fixação de um parâmetro espacial abstrato para permitir o ingresso diretamente em juízo (inexistência de agência da Previdência Social na cidade ou a uma certa distância do domicílio do segurado), o que não cuidaria adequadamente de múltiplos casos concretos. Porém, verificada uma situação específica em que o ônus de comparecer a um posto de atendimento da Previdência Social seja demasiadamente superior ao de ingressar em juízo, poderá o magistrado, motivadamente e no caso concreto, justificar a dispensa da exigência de prévio requerimento administrativo. Isto porque a excessiva onerosidade para o segurado ser atendido pelo INSS é, em si mesma, uma lesão a direito." 5. Deste modo, a autora deve ser dispensada da exigência de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário, eis que tal situação se amolda à exceção prevista no item 57 do voto condutor no julgamento do STF no RE 631.240/MG. 6. Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 870.947 (Tema 810/STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ). 7. Publicada a sentença na vigência do atual CPC (a partir de 18/03/2016, inclusive) e desprovido o recurso de apelação, deve-se aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC, para majorar os honorários arbitrados na origem em 1% (um por cento). 8. Apelação do INSS desprovida."
(AC 1013135-67.2023.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIS GUSTAVO SOARES AMORIM DE SOUSA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 31/10/2023 PAG.)
A autora ajuizou esta ação na condição de trabalhadora rural e, como prova material, juntou aos autos certidão de casamento em que consta a profissão de agricultora, certidão de nascimento dos filhos, que comprova o nascimento dos filhos em zona rural, declaração do Pronaf, nota de crédito rural, nota fiscal de compra de produtos rurais, cadastro familiar da atenção básica de saúde, boletim escolar dos filhos, ficha de matrícula escolar e certidão eleitoral que consta profissão de agricultora. (Id 335568647 - Pág. 12-38).
Todavia, o INSS traz aos autos (Id 335568647 - Pág. 75) prova contrária, porquanto o CNIS registra trabalho urbano do autor, período de 21.03.2011 a 01.12.2011, o que descaracteriza a prova material constituída.
No entanto, embora o CNIS afaste a qualidade de segurado especial, restou demonstrado que na data do ajuizamento da ação a autora possuía vínculo empregatício urbano, o que comprova sua qualidade de segurada urbano.
Sendo assim, a concessão do benefício de auxílio-doença deve ser mantida em razão da qualidade de segurado urbano do autor.
Termo inicial
A sentença fixou a DIB na data da citação e o apelante/INSS pretende sua reforma para que a DIB seja a data do laudo.
A fixação do termo inicial do benefício na data do laudo não tem amparo na jurisprudência, que já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Precedentes do STJ aplicáveis à hipótese dos autos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. O entendimento do Tribunal de origem não está em consonância com a orientação do STJ de que o termo inicial do pagamento do auxílio-doença é a data da cessação do pagamento do benefício anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Quando inexistentes ambas as situações anteriormente referidas, o termo inicial do pagamento do auxílio-doença será a data da citação da autarquia.
2. Ao contrário do que faz crer a parte agravante, não incide o óbice da Súmula 7/STJ em relação ao Recurso Especial interposto pela agravada. Isso porque o decisum ora atacado não adentrou matéria fática.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.961.174/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022.)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. O LAUDO PERICIAL NÃO PODE SER UTILIZADO PARA FIXAR O MARCO INICIAL DA AQUISIÇÃO DE DIREITO A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DECORRENTES DE MOLÉSTIA INCAPACITANTE. TERMO INICIAL: DATA DA CITAÇÃO NA AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.
1. O benefício de auxílio-doença, concedido judicialmente, deve ser concedido a partir da data do requerimento administrativo e, na sua ausência, na data da citação válida da Autarquia.
2. É firme a orientação desta Corte de que o laudo pericial não pode ser utilizado como parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos, servindo, tão somente, para nortear o convencimento do Juízo quando à existência do pressuposto da incapacidade para a concessão do benefício.
3. Recurso Especial do Segurado provido para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
(REsp 1.475.373/SP, Rel. Min. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 8/5/2018).
Assim, tendo em vista ausência de requerimento administrativo, correta sentença que fixou a data do termo inicial do benefício na data da citação válida.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1014256-33.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0000637-04.2013.8.04.4400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JULIA PEREIRA DA SILVA
E M E N T A
RECURSO DE APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TRABALHADOR RURAL/ URBANO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVADA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO URBANO. DIB NA DATA DA CITAÇÃO VÁLIDA. APELAÇÃO DO INSS NÃO PROVIDA.
1. Incapacidade não contestada no recurso, há controvérsia quanto à prova da qualidade de segurada especial da parte autora.
2. A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento de dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência (segurado urbano) e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
3. A requerente ingressou em juízo com a presente ação no dia 29.11.2021, sem o prévio requerimento administrativo. No caso, tendo em vista que a cidade em que a parte autora reside (Humaitá/AM) não possui agência da Previdência Social e o seu deslocamento para comparecer a outra cidade se torna oneroso, resta dispensada a exigência de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário, eis que tal situação se amolda à exceção prevista no item 57 do voto condutor no julgamento do STF no RE 631.240/MG.
4. A autora ajuizou esta ação na condição de trabalhadora rural e, como prova material, juntou aos autos certidão de casamento em que consta a profissão de agricultora, certidão de nascimento dos filhos, que comprova o nascimento dos filhos em zona rural, declaração do Pronaf, nota de crédito rural, nota fiscal de compra de produtos rurais, cadastro familiar da atenção básica de saúde, boletim escolar dos filhos, ficha de matrícula escolar e certidão eleitoral que consta profissão de agricultora.
5. O INSS traz aos autos prova contrária, porquanto o CNIS registra trabalho urbano do autor, período de 21.03.2011 a 01.12.2011, o que descaracteriza a prova material constituída. No entanto, embora o CNIS afaste a qualidade de segurada especial, restou demonstrado que na data do ajuizamento da ação a autora possuía vínculo empregatício urbano, o que comprova sua qualidade de segurada urbano.
6. A fixação do termo inicial do benefício na data do laudo não tem amparo na jurisprudência, que já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo, ou, quando inexistentes ambas as situações anteriormente referidas, o termo inicial do pagamento do auxílio-doença será a data da citação da autarquia. (AgInt no AREsp n. 1.961.174/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022.)
7. Tendo em vista ausência de requerimento administrativo, correta sentença que fixou a data do termo inicial do benefício na data da citação válida.
8. Apelação do INSS não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
