
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ANTONIO CARLOS DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: GILBERTO ANTONIO ALMEIDA REGO SOUSA - BA14796-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1014016-44.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de Antônio Carlos da Silva, com a finalidade de obter a reforma da sentença (ID 334641659 - Pág. 148 a 150) proferida pelo Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Macaúbas/BA, que concedeu aposentadoria por idadehíbrida pelo RGPS.
Foi concedida a tutela provisória antecipatória pelo juízo de origem.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões recursais (ID 334641659 - Pág. 182 a 189), a parte recorrente pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido, sob a alegação da falta de implemento do requisito etário, qual seja, 65 (sessenta e cinco) anos, para concessão da aposentadoria híbrida na data do requerimento administrativo (11/12/2017), na forma da legislação de regência.
Intimada, a parte recorrida não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1014016-44.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
Inicialmente, cumpre esclarecer que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os requisitos legais do benefício deferido (AgRg no REsp 1425636/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 28/11/2014).
A concessão benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O autor nasceu em 05/12/1957 e completaria 60 anos de idade em 05/12/2017 (ID 334641659 - Pág. 15). Apresentou requerimento administrativo (DER em 11/12/2017, conforme ID . 334641659 - Pág. 18). Portanto, o autor completaria 65 anos em 05/12/2022.
Na inicial, o autor deduziu pretensão de concessão de benefício de aposentadoria por idade rural, mediante o reconhecimento do labor em regime de economia familiar durante o período correspondente à carência, considerado o implemento do requisito etário. Não obstante, verifica-se que o magistrado, ao analisar e julgar procedente a demanda, concedeu o benefício de aposentadoria por idade híbrida, a partir de 11/12/2017 (NB 178.530.321-7), data do requerimento administrativo, momento em que a parte autora não preenchia todos os requisitos para sua concessão, visto não ter cumprido com o requisito etário, para o qual exige-se o mínimo de 65 (sessenta e cinco) anos de idade para a dita aposentadoria híbrida.
Após a análise do conjunto probatório, que demonstrou efetivo exercício da atividade laborativa rurícola em regime de economia familiar em todo o período correspondente à carência, é possível o ajuste da sentença na forma do inciso II do §3º do art. 1.013 do CPC/2015, especialmente em face da circunstância de essa conduta processual não causa prejuízo concreto ao prejudicado. Ainda que assim não fosse, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os requisitos legais do benefício deferido (AgRg no REsp 1425636/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 28/11/2014).
Na sentença recorrida foi consignado o a seguir transcrito (ID 334641659 - Pág. 148 e 149):
“(...) a parte autora logrou êxito em demonstrar que era ruralista após ter desempenhado serviço urbano, atuando como lavradora até o implemento do requisito etário, sendo certo reconhecer que houve demonstração de tal atividade rural como lavradora, donde obteve o seu sustento e de sua família, notadamente levando-se em conta os documentos juntados no processo, em especial os documentos de certidão de casamento constando a sua companheira como lavradora, ITRs referente ao Sítio Olho D'Água de mpropriedade de sua companheira, recibo de compra e venda do imóvel rural denominado Baixa da Tábuas, celebrado em 2008, ITR deste último imóvel em nome do autor, certidão eleitoral constando a ocupação como agricultor, carteira de filiação sindical aos trabalhadores rurais, carteira de associação comunitária com filiação desde 2010, extrato do CNIS indicando reconhecimento administrativo do período de atividade de lavrador, entre 01/01/2008 até 13/12/2018, tudo harmonizando-se com o depoimento pessoal da parte requerente e os depoimentos das testemunhas ouvidos nesta audiência, os quais demonstram que o autor trabalhou em atividade rural durante o período em que permaneceu domiciliada nesta Comarca, notadamente de 2003 até os dias atuais. Assim, a parte demandante trouxe aos autos diversos elementos que demonstram que durante toda a sua vida após o serviço urbano exerceu atividade rural em propriedade rural pertencente ao mesmo e a sua esposa, restando indubitavelmente demonstrado que a parte autora vive da agricultura de subsistência. (...) Se dos autos já é possível extrair que o autor faz jus ao benefício da aposentadoria rural por idade, mesmo considerando apenas os documentos de vinculação rural, quanto mais ao pedido de aposentadoria híbrida, os quais agregam até o ano de 2003, em sua CTPS, mais de cento e vinte meses de serviço urbano, o qual foi cessado no mencionado ano, onde se iniciou o desempenho exclusivo da atividade rural".
Quanto ao período de trabalho urbano exercido, constante do relatório do CNIS (Registros de 21/01/1992 a 16/03/1992, de 01/03/1993 a 21/05/1993; e 01/02/1999 a 10/1999 (última remuneração) - ID 334641659, Pág. 132), não desconstitui a qualidade de segurado especial do autor, pois situado fora do período de carência do labor rural. Assim, o referido vínculo urbano, em data remota, não descaracteriza a qualidade de segurado especial.
Ainda que considerado o registro do CNIS, com data de início em 02/05/2003 e última remuneração em 06/2003, vínculo como de trabalhador urbano (ID 334641659 - Pág. 132), colaciona-se jurisprudência dominante que admite que cessada a atividade remunerada, realizada em período não superior a 120 dias, recupera-se a qualidade de segurado especial no momento em que o trabalhador retornar à atividade rurícola (PEDILEF 0501240-10.2020.4.05.8303/PE, Tema 301, Juiz Federal Neian Milhomem Cruz - acórdão: Juiz Federal Fábio de Souza Silva).
O acervo probatório juntado aos autos, tais como certidão de casamento (ID 334641659 - Pág. 22, no ano de 2000) na qual consta o cônjuge como lavradora; certidão de nascimento do filho (ID 334641659 - Pág. 26) de 17/06/2003, na qual costa a profissão da parte autora e sua esposa como lavradores; Documento de Informação e Atualização Cadastral (DIAC) do cônjuge do autor - Declaração do ITR (ID 334641659, págs. 44 a 51; referente aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002); recibo de compra e venda de imóvel rural denominado “Baixa das Tábuas” (ID 334641659, Pág. 52, ano de 2008); recibo de entrega da declaração do ITR (ID 334641659, Págs. 54 a 72; anos de 2008 a 2018); CNIS do autor, com registro do período de atividade de segurado especial, com início em 01/01/2008 e data fim em 13/12/2018 (ID 334641659, Pág. 132 a 135). Somado ao fato da esposa do autor estar aposentada por idade rural, desde 2013 (ID 334641659, pág. 147) formam prova plena da qualidade de segurado especial do requerente.
A qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante jurisprudência dos Tribunais e inclusive pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03).
Ainda, a prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 380155133) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
Portanto, diante da documentação acostada e dos depoimentos testemunhais colhidos, possível o reconhecimento da atividade rural exercida pelo autor, em regime de economia familiar, de 02/07/1999 a 01/05/2003 e de 01/08/2003 a 13/12/2018, mantida a condição de segurado especial entre o período de 02/05/2003 a 31/07/2003 (CTPS – ID 334641659, Pág. 32), visto que não perdido a qualidade de segurado especial em face de vínculo urbano inferior a 120 dias anuais.
Assim, preenchido o requisito da idade exigida e comprovado o exercício da atividade rural durante o período correspondente à carência, considerada a data do implemento do requisito etário (05/12/2017), deve ser julgado procedente o pedido para condenar o INSS a conceder o benefício de Aposentadoria por idade Rural ao autor, a partir do requerimento administrativo, em 11/12/2017.
A sentença recorrida deve ser reformada, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante a seguir transcritos:
Súmula 14 da TNU: Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.
Súmula 34 da TNU: Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.
Súmula 46 da TNU: O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto.
Súmula 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
A parte autora tem direito ao melhor benefício previdenciário, na forma do art. 589, §1º , da IN INSS 128/2022. Tornou-se desnecessária a reafirmação da DER, porque a parte autora pediu aposentadoria rural em regime de economia familiar e apresentou requerimento administrativo quando já tinha 60 anos de idade.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC/2015, c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe parcial provimento e reformar a sentença recorrida para condenar o INSS a conceder aposentadoria por idade rural ao segurado especial, a partir da data do requerimento administrativo (11/12/2017), e a pagar as parcelas vencidas acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado, observada a prescrição quinquenal e descontado valores pagos administrativamente.
Honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do acórdão, nos termos da Súmula nº 111 do STJ.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1014016-44.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 8000132-59.2019.8.05.0156
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ANTONIO CARLOS DA SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR COMPROVADO. DEFERIDO BENEFÍCIO DIVERSO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. SÚMULA 46 DA TNU. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
1. A concessão benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Ajuste da sentença na forma do inciso II do §3º do art. 1.013 do CPC/2015 ou mediante a aplicação da firme jurisprudência do STJ no sentido de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os requisitos legais do benefício deferido (AgRg no REsp 1425636/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 28/11/2014).
3. O beneficiário não tinha a idade mínima necessária para concessão de aposentadoria híbrida, mas havia preenchido todos os requisitos para deferimento de aposentadoria por idade rural (na condição de segurado especial).
4. Ainda que se considerassem os vínculos como de trabalhador urbano, registrados no CNIS, colaciona-se jurisprudência dominante que admite que cessada a atividade remunerada, realizada em período não superior a 120 dias, recupera-se a qualidade de segurado especial no momento em que o trabalhador retornar à atividade rurícola (PEDILEF 0501240-10.2020.4.05.8303/PE, Tema 301, Juiz Federal Neian Milhomem Cruz - acórdão: Juiz Federal Fábio de Souza Silva).
5. Concedida aposentadoria rural por idade rural, em regime de economia familiar, pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
6. Apelação provida em parte. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
