
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:NAIARA ARAUJO DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOAO FRANCISCO ANDRADE ALMEIDA - BA38904-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1016493-40.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a sentença que concedeu o benefício de auxílio-doença pelo RGPS ao segurado especial (ID 373267664 - pág. 1-6).
Foi concedida tutela provisória pelo juízo de origem na audiência realizada em 15/03/2023.
O recurso foi recebido e/ou processado em ambos efeitos (§1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões recursais, a parte recorrente pediu a reforma da sentença para denegar o benefício concedido, sob a alegação de falta de qualidade de segurado especial e anotação de vínculos urbanos em nome da requerente e de seu marido.
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1016493-40.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais(competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II;55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
Cabe ao requerente a comprovação, por início de prova material, da sua qualidade de segurado especial para, posteriormente, em audiência de instrução, ter corroborada por prova testemunhal a prática de atividade rural em regime de economia familiar, conforme Súmula 34 da TNU e Súmula 149 do STJ.
Consoante a Lei 8.213/91, a aposentadoria por invalidez ou aposentadoria por incapacidade permanente é devida ao filiado ao RGPS que, mantendo a qualidade de segurado, seja acometido de incapacidade total e definitiva para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação profissional. O benefício de auxílio-doença ou auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, é devido ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado em caráter provisório para exercer sua atividade laboral. Para ambos os benefícios, o filiado segurado especial deverá comprovar cumprimento de carência de 12 meses, art. 39 da Lei de Benefícios.
No tocante à incapacidade, deverá ser comprovada por laudo pericial produzido em juízo, submetidos à impugnação das partes e a esclarecimentos quando necessários, com descrição do tempo de duração e grau de acometimento da doença.
No caso concreto, o laudo médico produzido em juízo atestou a incapacidade parcial e temporária para atividade laboral declarada. O laudo pericial relata transtorno dos discos lombares com radiculopatia (CID 10: M51.1) e espondilose (CID 10: M47.8) como patologias incapacitantes. Não houve fixação da data de início da incapacidade, porém o perito certificou que o laudo de ressonância nuclear magnética, realizado em 06/01/2022, já confirmava o quadro clínico.
Como início de prova material destacam-se os documentos expedidos por órgãos oficiais que comprovam a atividade e domicílio rural contemporâneos à data do início da incapacidade, quais sejam: conta de luz que comprova o endereço da requerente em imóvel rural; pagamento de ITR de 2008 a 2021 (ID 344184624, págs. 37 a 73).
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 344184620 - pág. 7) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período anterior ao início da incapacidade, cumprindo com o período mínimo para a concessão do benefício por incapacidade requerido.
O INSS alegou existência de vínculos urbanos em nome da requerente, contudo não foram juntados documentos que compram tal informação.
Quanto à alegação de existência de vínculos urbanos em nome do marido da requerente, convém destacar que entendimento jurisprudencial dominante permite certa equiparação de trabalhador rural com vínculos empregatícios (CNIS) exercidos no meio rural (exercício de atividades agrárias) com o segurado especial rural, conforme ementas a seguir transcritas (originais sem destaque).
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PERÍODO COMO EMPREGADO E DIARISTA RURAIS. DIARISTA, BOIA-FRIA E SAFRISTA. EQUIPARAÇÃO COM O SEGURADO ESPECIAL PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DA TNU. SOMA DE TEMPOS COMO EMPREGADO E SEGURADO ESPECIAL. POSSIBILIDADE QUE DECORRE DA CF/88, DA LEI 8.213/91 E DA PRÁTICA RURAL BRASILEIRA. DIVERGÊNCIA DE JULGADOS DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. ACÓRDÃO EM DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DA TNU. PUIL CONHECIDO E PROVIDO COM REAFIRMAÇÃO DE TESES. RETORNO DOS AUTOS PARA ADEQUAÇÃO NA FORMA DA QO/TNU Nº 20.
(Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0001191-14.2016.4.01.3506, IVANIR CESAR IRENO JUNIOR - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 29/04/2021).
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. OUTORGANTE ANALFABETO. AUSÊNCIA DO INSTRUMENTO PÚBLICO. IRREGULARIDADE SUPRIDA. REGISTRO EM ATA DE AUDIÊNCIA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. JUROS. LEVANTAMENTO DAS PARCELAS PELO PROCURADOR CONSTITUÍDO. POSSIBILIDADE. 1. A ausência de procuração por instrumento público de demandante analfabeto é suprida pelo registro em ata de audiência da presença do advogado e do autor. 2. O efetivo exercício de atividade rural deve ser demonstrado por meio de razoável início de prova material, corroborada por prova testemunhal. O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo. 3. No caso dos autos, verifica-se o início de prova material suficiente ao reconhecimento da condição de rurícola da parte autora, mediante prova documental, representada, sobretudo, pela CTPS de fls. 17 em que se constata a ocupação de trabalhadora rurícola junto à Agropecuária Inhumas LTDA. dentro do período de carência requerido. A tudo se acrescenta a prova testemunhal, prestada na forma da lei, a qual contribuiu para o convencimento do magistrado a quo e, em que se ratificou o desempenho. 4. "Na parte em que rege a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública até a expedição do requisitório (i.e., entre o dano efetivo/ajuizamento da demanda e a condenação), o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 ainda não foi objeto de pronunciamento expresso do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade e, portanto, continua em pleno vigor." (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947-SE, j. 16/04/2015, Relator Ministro Luiz Fux)." Desse modo, enquanto não concluído o julgamento no STF do mencionado recurso, devem ser observados os critérios fixados pela legislação infraconstitucional, notadamente os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, aplicando-se o que for decidido pela apontada Corte, após. 5. Se o advogado constituído indicou possuir poderes específicos de receber e dar quitação, com anuência tácita do constituinte em audiência, pode levantar ele próprio a quantia por meio de alvará expedido em nome de seu cliente.. Merece ser reformada a sentença nesse ponto para possibilitar o levantamento dos valores referentes às parcelas em atraso também pelo procurador da causa. 6. Apelação da parte autora e remessa oficial a que se dá parcial provimento. (AC 0011588-04.2011.4.01.9199, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 23/05/2017 PAG).
APELAÇAO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURAL. PROVA MATERIAL E TESTEMUNHAL. CNIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DO INSS DESPROVIDO. 1. Recorre o INSS contra sentença que julgou procedente o pedido autoral de aposentadoria por idade rural. Argui que a comprovação da atividade rural deve ser relativa ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, e que conforme CNIS a recorrida teve vínculo urbano, o que descaracteriza o regime de economia familiar. Requer seja julgado improcedente o pedido autoral. 2. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios). 3. No tocante à prova do labor rural, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge/companheiro como trabalhador rural. 4. O requisito da idade está documentalmente comprovado, já que à parte a apelada completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 07/06/2013 (fl. 14). 5. A apelada juntou como prova material a certidão de casamento, contraído em 02/02/1985, em que o cônjuge se declarou lavrador (fl. 17), e a certidão do filho Fábio Campos da Silva, cujo pai se declarou lavrador (fl. 18). 6. O CNIS da parte autora acostado pelo INSS não consta um único vínculo urbano, caracterizando a atividade predominantemente rural exercida pela apelada. O CNIS do esposo, apesar de este ter apresentado vínculo urbano na QUEBEC CONSTRUÇÕES, entretanto foi por curto período, o que não desqualifica a sua condição de rurícola. Ademais, no que tange ao vínculo na CENTROALCOOL S/A, o marido da autora trabalhava na podagem de cana de açúcar. 7. Assim, é de se prestigiar a apreciação da prova colhida em audiência, pelo magistrado sentenciante, que se presume sensível e atento às nuances das declarações, como entonação de voz e linguagem corporal, além de, no que toca o depoimento pessoal, características físicas em geral, a exemplo dos estigmas laborais tão próprios da exposição a intempéries e extenuante labor braçal. 8. Quanto às parcelas pretéritas, incide correção monetária pelo MCJF (TEMA 905 STJ). Ressalva do entendimento da Relatora pela aplicação do IPCA-E (TEMA 810 STF). Após a entrada em vigor da EC 113\2021 incide a SELIC. 9. Deste modo, não merece reforma a sentença. 10. Recurso do INSS desprovido. (AC 0057311-36.2017.4.01.9199, JUÍZA FEDERAL CAMILE LIMA SANTOS, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 08/08/2022 PAG.).
O objetivo desse entendimento é reconhecer que, em alguns casos, a natureza do trabalho rural assalariado pode ser comparável à atividade desempenhada por segurados especiais, que são aqueles ligados à agricultura familiar de subsistência.
Assim, a jurisprudência pacífica da TNU (Turma Nacional de Uniformização) indica que é possível somar esses diferentes períodos de trabalho rural, incluindo emprego registrado e atividades como diarista, boia-fria e safrista, com o período de segurado especial, para fins de aposentadoria por idade rural.
Em análise detida aos autos, observa-se que, no período de carência (2020 - 2021), a requerente exerceu atividades eminentemente rurais ao lado do seu esposo, empregado rural, conforme anotado no CNIS (ID 347568158 - pág. 4).
Dessa forma, a CTPS com anotações de trabalho rural, conjuntamente com o CNIS, é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves Da Silva, Segunda Turma,e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo De Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar,e-DJF1 p.191 de 02/03/2011, AC 0028603-39.2018.4.01.9199, Desembargador Federal Marcelo Albernaz, TRF - Primeira Região, PJe 14/06/2023).
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal foram interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
Sobre as parcelas vencidas a serem pagas ao beneficiário, incidem correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado, o que torna sem objeto impugnação recursal quanto às referidas matérias.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXV, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.
Sem condenação em honorários de sucumbência da fase recursal ante a ausência de contrarrazões.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1016493-40.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 8001581-87.2022.8.05.0078
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: NAIARA ARAUJO DA SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. RURAL. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. A concessão do benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade (aposentadoria por invalidez, aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio-doença e auxílio por incapacidade temporária) são devidos ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado para exercer sua atividade laboral por mais de 15 dias consecutivos, que comprove o cumprimento de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, 15, 25, 26, 42, 59 e demais dispositivos conexos da Lei 8.213/91).
3. A incapacidade laboral parcial e temporária atestada por laudo médico pericial por 4 meses, passível de recuperação.
4. Início de prova material composto por: conta de luz em nome da requerente comprovando endereço rural e recolhimento de ITR no período de 2008 a 2021. Qualidade de segurado especial comprovada por documentos oficiais e corroborada pela oitiva de testemunha. Cumprida a carência mínima para concessão de benefício por incapacidade.
5. As anotações no CNIS do marido como empregado rural convergem para entendimento jurisprudencial dominante que permite certa equiparação de trabalhador rural com vínculos empregatícios (CNIS) exercidos no meio rural (exercício de atividades agrárias) com o segurado especial rural.
6. Preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício na sentença recorrida.
7. Apelação não provida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
